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Estudos por voltametria de impulso diferencial utilizando eléctrodos de membrana de grafite pirolítica

No documento Isabel Cristina Ribau Fernandes Coutinho (páginas 130-138)

C APÍTULO 3| C ARACTERIZAÇÃO B IOQUÍMICA DA P EROXIDASE DO

3.7 Estudos por voltametria de impulso diferencial utilizando eléctrodos de membrana de grafite pirolítica

Uma estratégia que se tem mostrado eficaz no estudo electroquímico de metaloproteínas é a utilização de eléctrodos de membrana, em que uma pequena quantidade (alguns microlitros) de solução de trabalho (solução contendo a proteína ou as proteínas em estudo) fica retida entre a superfície do eléctrodo e uma membrana de diálise [164, 171 e 211]. Em estudos electroquímicos de citocromos c, usando membranas carregadas negativamente foram examinados diferentes factores como o pré-tratamento da membrana [171], a carga da membrana, [171] os efeitos de espécies carregadas positivamente como a L-poli-lisina [171], a força iónica [171], o pH [171] e a espessura da camada de proteína junto à superfície do eléctrodo [171], tendo-se verificado que a resposta electroquímica nos eléctrodos de membrana é governada por interacções electrostáticas e que factores como a adsorção e a presença de formas desnaturadas não interferem com o sinal electroquímico [164, 171 e 211]. Eléctrodos de membrana foram já utilizados para o estudo electroquímico de alguns citocromos c,

nomeadamente do citocromo c de cavalo e do citocromo c552 de Ma. hydrocarbonoclasticus [164, 171].

Com o objectivo de mitigar o efeito do campo eléctrico, e dado que factores como a adsorção e a presença de formas desnaturadas mostraram não interferir com o sinal electroquímico das espécies em estudo [171 e 255], efectuaram-se também estudos electroquímicos em eléctrodos de membrana (EMGP), com voltametria de impulso diferencial. Nestes ensaios foram igualmente observados apenas dois sinais (E1 e E2), a potenciais negativos idênticos aos obtidos em EGPF (Figura 3.20).

Figura 3.20 Voltamogramas de impulso diferencial consecutivos de PCc de Ma. hydrocarbonoclasticus (100 M), obtidos com um EMGP em HEPES 10 mM (pH 7,5). Primeiro (_), segundo (_ _) e terceiro (….)

Condições experimentais: HEPES 10 mM (pH 7,5) em presença de CaCl2 1 mM.

Observando os voltamogramas da Figura 3.20 é possível verificar que, neste caso o sinal E2 é superior o E1, embora ocorra diminuição simultânea dos dois picos com o tempo. Este facto sugere que ambos os hemos (o hemo P hexacoordenado e o hemo E alterado) foram reduzidos, ficando a PCc numa forma reduzida e inactiva. O desaparecimento do sinal E2 é mais lento do que quando se utiliza EGPF, ocorrendo simultaneamente com a diminuição do sinal E1. Ao fim de algum tempo os sinais electroquímicos são muito reduzidos. Este resultado pode ser explicado pelo facto de se utilizar um eléctrodo de membrana, cuja estrutura permite que após redução PCc esta migre para a solução diminuindo por isso ambos os sinais.

A utilização de eléctrodos de membrana também não permitiu o estudo da catálise directa, uma vez que os sinais encontrados são muito semelhantes aos anteriormente reportados e atribuídos a uma estrutura de PCc alterada.

3.8 Conclusão

Na presente investigação, a peroxidase do citocromo c foi isolada da bactéria Ma. hydrocarbonoclasticus que foi cultivada em condições de microaerofilia na presença de nitrato de sódio com o aceitador de electrões alternativo ao oxigénio. A exposição desta bactéria a

oxigénio diminui significativamente a quantidade de PCc, que é sobreexpressa preferencialmente em condições de baixa tensão de oxigénio (condições de microaerofilia). Verificou-se nessas condições que o gene ccp poderá ser activado pelo regulador FNR envolvido na desnitrificação. Trabalhos de investigação desenvolvidos nos últimos anos com as bactérias Sh. oneidensis [79] e Ge. sulfurreducens [236] tem-se debruçado sobre este paradoxo confirmando que também essas PCc são sobreexpressas em condições de microaerofilia tal como a PCc de Pa. pantotrophus [97]. A oxidase terminal (quinol oxidase) de Ma. hydrocarbonoclasticus, que reduz o oxigénio a peróxido de hidrogénio, poderá explicar a necessidade de condições de microaerofilia para a sobreexpressão de PCc, uma vez que ela reduz o dioxigénio a peróxido de hidrogénio [65, 200- 202], tal como acontece em Pa. pantotrophus [31]. A presença de peróxido de hidrogénio será sentida pelo regulador transcripcional FNR, que controla a expressão de vários genes, nomeadamente dos que codificam para proteínas envolvidas na via de desnitrificação como a reductase do nitrito, cd1, e também do gene ccp.

O rendimento da purificação de peroxidase do citocromo c foi de 19%. A fracção pura de PCc apresentou uma razão de pureza de 4,6. A maior quantidade desta proteína no periplasma permitiu purificá-la com uma boa razão de pureza.

Neste trabalho verificou-se que em termos estruturais a PCc nativa é um dímero estável mesmo a elevada força iónica, pelo que deverá ser governada por forças hidrofóbicas, não dependendo a sua estrutura quaternária da presença de excesso de iões cálcio. De facto, pela análise de cristais da PCc de Ma. hydrocarbonoclasticus, Dias e colaboradores propuseram que o dímero da PCc fosse estabilizado por interacções hidrofóbicas entre os domínio C-terminais dos dois monómeros e que a presença de ião cálcio na estrutura desencadeasse alterações conformacionais que contribuíssem para uma forte interacção entre os monómeros de PCc, sendo a área de superfície entre estes, maior na forma activa (3031 Å) (em que o ião cálcio está incorporado, pH 5,3) que na forma inactiva (2112 Å) (em que o cálcio não está incorporado na estrutura, pH 4,0) [71 e 97]. Nos estudos cristalográficos da PCc de Pa. pantotrophus também se obtiveram diferentes áreas de contacto entre as superfícies dos monómeros de PCc, sendo a área de superfície de contacto na forma oxidada ligeiramente inferior à área de superfície de contacto entre os monómeros de PCc na forma de valência mista [53].

O estudo da activação a pH 4,5 revelou que o hemo P se encontra em spin-baixo após a redução do hemo E, estando hexacoordenado; a adição de ião cálcio não altera o espectro do visível, não havendo activação a este valor de pH. Este facto reforça os resultados obtidos por cristalografia de Raios- X a pH 4,0, onde se verificou que ambos os hemos estão hexacoordenados e a estrutura não apresenta ião cálcio [71]. Verificou-se que as características

da banda de spin-alto (630 nm) a pH 4,5 são diferentes das encontradas para os restantes valores de pH estudados, o que reforça a hipótese de que a este valor de pH a estrutura não é a fisiológica. A pH entre 5,5 e 7,0 o processo de activação não depende da presença de excesso de iões cálcio, mas a sua presença acelera as alterações conformacionais, que deverão ser semelhantes às que ocorrem a pH 7,5. A necessidade de excesso de iões cálcio na activação da PCc a pH 7,5 foi comprovada, tal como tinha sido reportada anteriormente [71]. Estes dados são consistentes com o facto da estrutura da PCc obtida a pH 5,3, conter o ião cálcio e o hemo P se encontrar pentacoordenado [71, 97].

O mecanismo de activação tem características de um processo redox- Bohr, que consiste na dependência entre a redução do hemo E da PCc e a protonação de resíduos ionizáveis nos mesmos (grupos propionatos). Tendo em conta os resultados obtidos é possível inferir que a labilidade da ligação da metionina ao ferro do hemo E promoverá a redução do mesmo, desencadeando alterações conformacionais por protonação de um grupo próximo desse hemo (um dos grupos propionatos) e movimento das cadeias proteicas nas suas proximidades o que permitirá novas ligações, levando o hemo P a perder o ligando histidina distal (His 71) e a ficar penta-coordenado, dependendo este processo do pH [53, 97]. Verifica-se que a PCc, a pH 7,5, pode regular o estado de repouso (estado oxidado) e activo (estado de valência mista), podendo este ser um mecanismo protector caso não haja no meio electrões disponíveis. Assim a enzima evitaria a formação de radicais quando não interage com os parceiros fisiológicos.

A adição de cálcio à forma de valência mista da PCc promove alterações estruturais detectáveis no espectro de RPE: a PCc reduzida em presença de iões cálcio tem um espectro onde se constata que o hemo P se encontra em spin-baixo. Este facto poderá estar relacionado com a temperatura a que se adquiriu o espectro (8 K), a qual poderá ter facilitado a coordenação da molécula de água, permanecendo o hemo P em spin-baixo pentacoordenado. A água apesar de ser um ligando fraco, à baixa temperatura de aquisição (8K), promoverá uma ligação forte.

Em 1H-RMN a adição de ião cálcio à PCc oxidada não originou grandes alterações no espectro, o que confirmou que a PCc purificada se apresentava dimérica e com algum cálcio incorporado. O espectro de valência mista foi semelhante aos de outras PCc nas mesmas condições.

O facto do dímero ser estável a pH 7,5 permitiu a determinação dos potenciais de oxidação e redução do hemo E e do hemo P em presença e na ausência de excesso de iões cálcio. Os potenciais formais determinados para os hemos E e P na ausência de excesso de iões cálcio foram +120 mV/+140 mV e -110 mV/-113 mV respectivamente. Na presença daquele ião os potenciais formais determinados para o hemo E e P formam +230 mV/+190 mV e -108 mV/-140 mV, respectivamente. A presença de iões cálcio estabiliza a estrutura da PCc, tal como foi anteriormente referido, facilitando a redução dos hemos e a alteração de

spin, ou seja a activação da enzima. O potencial do hemo E determinado com excesso de ião cálcio é próximo do potencial formal do citocromo c552 (E0’ = 243 ± 1 mV), seu parceiro fisiológico, o que deverá facilitar a transferência de electrões entre ambos. Esta semelhança de potenciais ocorre entre outras PCc bacterianas e os parceiros fisiológicos [97]. O potencial redox do hemo E é ligeiramente mais elevado em presença de excesso de iões cálcio que na sua ausência, o que poderá estar relacionado com o processo de activação ocorrer quando estamos em presença de excesso de iões cálcio e não na sua ausência. Este resultado poderá significar que a estrutura cristalina conhecida a pH 5,3 poderá não ser a fisiológica activa, já que a alteração de potencial implica alteração ligeira do ambiente na vizinhança do hemo E, o que não se verificou neste cristal em comparação com o cristal obtido a 4,0 [71]. Uma alteração conformacional nas vizinhanças do hemo E, após este ser reduzido, foi reportada para PCc de Pa. pantotrophus [53], devendo também ocorrer nesta PCc. O hemo P mostrou ter um potencial redox pouco dependente da presença de ião cálcio indicando que a alteração de coordenação de hexa para penta poderá não influenciar muito ambiente em torno deste hemo. De referir ainda que embora a pH 7,5 seja necessário a redução do hemo E para a PCc activar, a redução do hemo E na ausência de excesso de iões cálcio não implica a activação da enzima.

Os resultados obtidos corroboram o mecanismo de activação apresentado no Capítulo 1| 1.2.10. Apresenta-se seguidamente o modelo de redução/oxidação proposto para a PCc de Ma. hydrocarbonoclasticus baseado nos resultados obtidos durante a titulação potenciométrica e nos estudos de espectroscopia do visível (Figura 3.21

).

Figura 3.21 Modelo do mecanismo de redução/oxidação da PCc de Ma. hydrocarbonoclasticus, pH 7,5.

Nos estudos electroquímicos, verificou-se que a interacção da PCc de Ma. hydrocarbonoclasticus com a superfície do eléctrodo de GP desencadeia alterações estruturais na enzima tal como está reportado para outras PCc, ficando a enzima numa forma não nativa, onde o hemo E alterado (pentacoordenado)catalisa a redução do peróxido de hidrogénio. Em consequência deste facto não foi possível estudar a catálise directa e identificar possíveis intermediários usando métodos electroquímicos.

CAPÍTULO 4| CATÁLISE DA PEROXIDASE DO CITOCROMO C

MEDIADA PELO CITOCROMO C

552

DE MARINOBACTER

A catálise mediada entre a peroxidase do citocromo c e o citocromo c552 de Ma.

hydrocarbonoclasticus foi estudada em condições de estado estacionário seguindo a redução do citocromo c552 através de ensaios electroquímicos e espectrométricos. Pretendeu-se caracterizar a transferência intermolecular e o tipo de interacções entre parceiros fisiológicos.

4.1 Caracterização da cinética de transferência electrónica mediada por electroquímica

No documento Isabel Cristina Ribau Fernandes Coutinho (páginas 130-138)