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3 ANÁLISE DO DISCURSO BASEADA EM FRAMES : UMA PERSPECTIVA

4.3 Etapas de Análise

Considerando os objetivos específicos que estabelecemos neste estudo – quais sejam: a) descrever o contexto institucional da SUG 15/2014, com vistas a identificar os protagonistas e demais participantes que foram ouvidos ao longo das audiências públicas; b) elencar os principais temas abordados ao longo das audiências públicas da SUG; c) identificar os frames semânticos emergentes desse corpus e sistematizar as unidades lexicais evocadoras de cada enquadre; d) verificar como os frames se entrelaçam e se instanciam nas falas dos participantes das audiências e como tais entrelaçamentos (re)enquadram os direitos reprodutivos das mulheres nesse

contexto –, organizamos nosso percurso analítico em quatro etapas, a partir de questionamentos que também refletem os objetivos específicos estabelecidos.

a) Como se estrutura o contexto institucional da SUG 15?: nessa etapa, visamos a compreender o contexto de incorporação (HANKS, 1996, 2008) da SUG nº 15, ou seja, suas características institucionais, que podem incidir sobre o modo como os participantes interagem nesse ambiente. Assim, também levamos em conta a importância de mapearmos os agentes sociais e os papéis institucionais que eles desempenham em um âmbito hierarquizado. (LANGLOTZ, 2015). Tal aspecto também se relaciona à noção de campo social, cujas predefinições restringem o acesso a determinadas posições em uma comunidade. (HANKS, 1996, 2008). Para usarmos uma expressão de Hanks (2008, p. 145), conforme abordamos na seção 3.2.2; nosso objetivo é sistematizar o "universo já pronto" desse campo social, o qual pode constringir os modos como se dão os processos de conceptualização nesse âmbito. Mais especificamente, essa etapa de análise envolve o uso do QSR NVivo para efetuar os seguintes passos:

- mapeamento de todos os participantes das audiências, bem como de seus papéis institucionais;

- levantamento dos diferentes grupos institucionais presentes e de sua representatividade em termos numéricos;

- delineamento das relações hierárquicas que permeiam a estrutura das audiências da SUG, conforme informações compiladas na seção sobre a macrocontextualização da SUG e obtidas por meio das fontes extras mencionadas na seção 4.1.

b) Quais são as temáticas, ou os nós, que estão presentes nas falas dos participantes?: conforme abordamos no início desta seção, nossa metodologia de identificação de frames parte de um direcionamento middle-out, de maneira análoga às pesquisas de Morato et al. (2012, 2017) Lima e Miranda (2013), Miranda e Bernardo (2013), Chishman et al. (2018, 2019), entre outros. Assim, considerando o funcionamento da ferramenta NVivo, a qual exige a classificação do corpus em nós para processar inter-relações com as demais categorias, valemo-nos desse

recurso para mapear as grandes temáticas que constituem as audiências, por meio dos seguintes passos:

- releitura de cada arquivo do subcorpus após inseri-lo na interface do NVivo; - seleção dos excertos que correspondem a um grande tema e criação do nó

correspondente na ferramenta;

- processamento integrado de todos os nós e verificação de sua predominância nas audiências como um todo.

c) A partir das temáticas identificadas, quais são os frames que emergem dessas comunicações? Quais itens lexicais os evocam?: como discutimos em nossa revisão teórica, frames semânticos são identificados por meio do levantamento de de “formas linguísticas” que ativam “estruturas cognitivas – os frames”. (FILLMORE; BAKER, 2010, p. 314). A partir de tais usos linguísticos, elencam-se os Elementos de Frame instanciados no cotexto, de modo que a descrição vai-se consolidando conforme a manipulação dos dados avança – incluindo-se a identificação de relações entre frames (BERNARDO, 2011; FONTES, 2012), quando pertinente à análise. Além disso, inspirando-nos em trabalhos como o de Siman (2015, p. 5), recorremos à Plataforma FrameNet Berkeley12 “[...] como referência (mas não como limite) [...]” para descrever os frames. Isso ocorre porque, como demonstram os trabalhos de Chishman et al. (2018, 2019), o estudo de um domínio específico demanda a criação de frames de acordo com o microcontexto analisado, considerando que a FrameNet é um recurso de língua inglesa que está em permanente construção – e que, por conseguinte, não fornece todos os frames que emergem de um corpus especializado. Também destacamos que a descrição de frames, neste estudo, consiste na identificação da camada semântica dos Elementos de Frame – opção também explicitada nos trabalhos de Siqueira (2013), Lima e Miranda (2013), Miranda e Bernardo (2013), dentre outros –, não havendo o propósito de sistematizar os padrões sintáticos encontrados no corpus. Isso significa que não

12 Ao acessarmos a FrameNet Brasil, verificamos que estava disponível apenas uma consulta unidirecional (dos frames às unidades lexicais), aspecto que dificultaria sua utilização como ponto de partida para identificação e criação de frames, pois não é possível fazer pesquisas por unidades lexicais. Por isso, optamos por utilizar apenas a FrameNet Berkeley.

seguimos o modelo de anotação da FrameNet, que se pauta nas valências dos evocadores de frames – vide exemplo do Quadro 3, em que a unidade lexical evocadora devoured tem como instanciadores de Elementos de Frame termos que compõem sua estrutura argumental, incluindo o sujeito (argumento externo). Já em uma anotação que se atém apenas à camada semântica, são anotados os constituintes que instanciam Elementos de Frame independentemente de sua posição na frase em relação ao evocador – tal procedimento permite a anotação de instanciadores de EFs de forma mais ampla, com a finalidade primeira de “[...] ‘remontar’ as cenas conceptuais que emergem do discurso [...].” (FONTES, 2012, p. 37). Por fim, tal como observamos na seção 3.2.3, nessa etapa, além de considerarmos o frame como ferramenta analítica que viabiliza análises discursivas, levamos em conta sua dimensão cognitiva – no sentido de frames serem construtos “estáveis (mas não estáticos)” (MIRANDA, 2001, p. 71). Mais especificamente, essa etapa de análise envolve o uso da ferramenta Sketch Engine e compreende:

- identificação das unidades lexicais que potencialmente evocam frames, considerando os nós elencados na etapa anterior – para os nós com mais de vinte excertos, consulta às palavras-chave do respectivo subcorpus no Sketch Engine;

- busca dessas unidades lexicais na FrameNet e/ou de frames relacionados e, se necessário, descrição de novo frame;

- descrição dos Elementos de Frame expressos linguisticamente ou por meio de Instanciação Nula (conforme ilustração da seção 3.1);

- sistematização das unidades linguísticas que instanciam evocadores e Elementos de Frame, por meio do uso dos recursos da ferramenta Sketch Engine;

- se necessário, refinamento da descrição do frame a partir dos dados encontrados por meio da ferramenta de corpus.

d) Como os frames identificados acarretam o reframing ou o reenquadramento das pautas que motivam a SUG?: esta etapa visa a dar conta da dimensão discursiva do frame – visto que, conforme abordamos na seção 3.2.2, tais construtos podem salientar uma

perspectiva em detrimento de outra. (CROFT; CRUSE, 2004; SALOMÃO, 2009; VEREZA, 2016a; LIMA, 2009 etc.). Para isso, assim como nos trabalhos de Lima e Miranda (2013), Miranda e Bernardo (2013), entre outros, buscamos verificar como a instanciação de evocadores e Elementos de Frame pode indicar diferentes perspectivas acerca de um mesmo tema – por exemplo, como mostra o estudo de Ushchyna (2017) (vide seção 3.3), em seu corpus jornalístico, a perspectiva sobre a situação da Ucrânia no acordo com a ONU mudava à medida que o país instanciava distintos Elementos de Frame. Além disso, valemo-nos da noção de entrelaçamento, explorada na seção 3.2.3, a qual pode conectar: frames online e frames offline (VEREZA, 2013a; FARIAS, 2015); frames que se conectam ou interligam de maneira coordenada (MORATO et al., 2017; MORATO; BENTES, 2013); frames que se associam a outros por meio de relações hierárquicas (DUQUE, 2018; PALUMBO; AQUINO; BENTES, 2019); e frames ativados por meio da instanciação de um Elemento de Frame que evoca outro enquadramento (LIMA, 2014; ZIEM, 2014). Dado que, nesse percurso, não exploramos o continuum online- offline dos frames, valemo-nos principalmente destas três últimas noções de entrelaçamento para investigar em que medida a associação entre frames resulta no reenquadramento dos temas que emergem nas audiências públicas. Assim, as etapas seguidas são:

- sistematização e comparação dos instanciadores dos Elementos de Frame emergentes do corpus, tendo em vista a segmentação do corpus entre pró-SUG e anti-SUG;

- levantamento de frames que se entrelaçam nos dados – ou seja, que coocorrem no mesmo nó, que se ligam hierarquicamente a outros frames, ou cujos instanciadores de EFs ativam outros enquadramentos;

- a partir desses dados, identificação dos casos em que ocorrem mudanças de perspectiva, ou reenquadramentos de frames.

O próximo capítulo traz a análise e a discussão dos dados conforme as etapas elencadas.

5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Seguindo as etapas metodológicas elencadas no capítulo anterior, o percurso de análise das audiências públicas da Sugestão Legislativa nº 15 foi dividido em quatro estágios. Na primeira etapa (seção 5.1), delineamos o contexto institucional da SUG, elencando os participantes e seus papéis institucionais. No segundo momento (seção 5.2), analisamos as temáticas ou nós da discussão, obtidos por meio da exploração do corpus no NVivo. Por sua vez, a seção 5.3 concerne à análise dos frames a partir dos nós elencados, de modo a explorarmos o léxico que os evoca; bem como aos reenquadramentos de frames, que ocorrem por meio de processos de instanciação de Elementos de Frame e de entrelaçamentos entre esses construtos.

5.1 O Contexto Institucional das Audiências Públicas da Sugestão Legislativa