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2. POR UMA HERMENÊUTICA DO TRÁGICO

2.2. O ETHOS TANGUERO E O SEU LUGAR SOCIAL

A(s) obra(s), o(s) autor(es) e as condições necessárias que permitiram a produção e as conjunturas sociais que deflagraram ditas condições estão imbrincadas no que diz respeito à criação literária. O fenômeno do tango está relacionado com os universos sociais da produção e legitimação da arte enquanto lugar social; esse espaço, não autônomo, conectado a uma teia de relações discursivas, é o que permite que o discurso do cancioneiro do tango se construa e possa persistir, pois o interdiscurso encontra-se já no intradiscurso. Como salienta

Maingueneau (2008, p.36-37):

No espaço discursivo, o Outro não é nem um fragmento localizável, uma citação, nem uma entidade externa; não é necessário que ele seja localizável por alguma ruptura visível da compacidade do discurso. Ele se encontra na raiz de um Mesmo sempre já descentrado em relação a si próprio, que não é em momento algum passível de ser considerado sob a figura de uma plenitude autônoma.

O cancioneiro do tango pretende dizer algo sobre a sociedade, sobre a existência, sobre a condição social e existencial humanas, a tragédia final que representa todo destino humano, como salienta Borges (2016), sobre o amor e as desilusões amorosas, sobre o elemento feminino; e esse discurso, esse lugar de fala, esse sujeito que fala, embora pretenda ter um alcance global, é produzido localmente, em um espaço discursivo, no qual, de acordo com Maingueneau (2008, p.34), encontra-se já um conjunto de outras formações discursivas que interagem e são atravessadas umas pelas outras em uma simbiose concorrente, “delimitando-se reciprocamente em uma região determinada do universo discursivo”. Esses discursos encerram a mesma incumbência social, entretanto divergem no que tange à maneira pela qual esta mesma função deve ser complementada.

Segundo Fiorin (2007), o sujeito não fala ou pensa o que quer, mas sim o que a sua realidade impõe que fale ou pense, pois as ideias que dispõe para conformar seu discurso são aquelas propagadas no grupo social no qual está inserido. Desse modo, do mesmo jeito em que o indivíduo é o sustentáculo da formação discursiva, ele “não fala, mas é falado por um discurso” (FIORIN, 2007, p.44). Esse espaço discursivo é o interior no qual é formado um discurso, dentro de grupos específicos “que não se ocultam por trás de sua produção, que o moldam por meio de seus próprios comportamentos” (MAINGUENEAU, 2006, p.69), criando este lugar paratópico que é necessário à formação discursiva e, mais especificamente, à criação poética. No que concerne ao tango, encontramos um espaço trágico/melancólico paratópico, através do qual o cancioneiro legitima uma maneira de falar, um sentido e uma retificação ao direito à fala, configurando um ciclo constitutivo entre a representatividade que o ethos enunciativo deixa transparecer e a validação que realiza de seu lugar social de procedência.

A poética do cancioneiro do tango é o reflexo de uma realidade, de um ambiente e de um passado que tem, nestas narrativas, o seu testemunho. O que interessa na análise discursiva do tango é compreender o que determina esta visão de mundo, pois o discurso cria uma imagem do mundo ao mesmo em que é também resultado de uma formação sóci- histórica. De acordo com Fiorin (2007, p.55-56):

A linguagem tem influência também sobre os comportamentos do homem. O discurso transmitido contém em si, como parte da visão de mundo que veicula, um sistema de valores, isto é, estereótipos dos comportamentos humanos que são valorizados positiva ou negativamente. Ele veicula os tabus comportamentais. A sociedade transmite aos indivíduos – certos estereótipos, que determinam certos comportamentos. [...] Não devemos esquecer que os estereótipos só estão na linguagem porque representam a condensação de uma prática social. [...] Pode-se concluir que o discurso é, ao mesmo tempo, prática social cristalizada e modelador de uma visão de mundo.

Ao analisarmos as letras dos tangos encontramos problemas que dizem respeito aos temas e motivações destas canções, uma vez que estas abordagens aparecem de maneiras distintas, haja vista as muitas perspectivas de investigação, tais como a histórica-social, a linguística e a literária. Do ponto de vista sócio-histórico, os tangos mostram um ambiente específico, o arrabal, este espaço paratópico que está e não está na sociedade, o lugar de fala marginal do qual emerge o discurso do ethos tanguero.

De acordo com Maingueneau (2006), o espaço paratópico sobrevive do distanciamento do mundo e, ao mesmo tempo, do esforço por encaixar-se nele, pois mesmo quando uma obra tem a pretensão de tornar-se global, sua ascensão é um fenômeno local e só pode construir-se mediante o embate de relações de forças nos lugares nos quais surge, dado que o elemento paratópico localiza-se em um limite, em uma fronteira que, no caso do tango, denota a marginalidade e o antagonismo. Será no arrabal onde ocorrerá a relação entre o discurso do ethos do cancioneiro do tango e o discurso oficial da sociedade dominante, do artista e sua obra, da obra com a sociedade, não em uma relação simplesmente antagônica, mais de vínculo e influência mostrada ou constitutiva. Exatamente por isso, como afirma Maingueneau (2006), o modo de vida e os ritos de grupos que produzem ou geram o discurso são válidos para o próprio discurso constituinte.

O discurso – e o grupo que o produz – faz o historiador, ao mesmo tempo em que a ideologia atomista de uma profissão liberal mantém a ficção do sujeito autor e deixa crer que a busca individual constrói a história [...]. Assim como o automóvel produzido pela fábrica, o estudo histórico é algo mais relacionado ao complexo de uma fabricação específica e coletiva do que o efeito de uma filosofia pessoal ou o ressurgimento de uma “realidade” passada. É o produto de um lugar. (CERTEAU, 1990, p.72-73 apud 2006, p.95)

De acordo com Miguel Ángel García (2007)27, o arrabal, palavra castelhana de origem árabe, não condiz com a concepção latina de subúrbio (sub-urbis). É uma existência da cidade fora de si mesma, um resto de si que forma uma frente imprecisa e define-se muito mais na dimensão temporal que espacial: é o aumento da cidade. Os momentos críticos da expansão urbana da cidade de Buenos Aires coincidem com o nascimento, afirmação e auge

do tango, por volta de 1870/1880 e, nesta época, possuía mais arrabal que cidade propriamente dita, mais margens de que centro urbano.

O termo arrabal, como explica García (2007), cuja expressão linguística pejorativa é

orilla ou orillero, implica uma forte carga social, pois é o que está fora, embaixo, na borda, na

beira, excluído da sociedade; sendo, antagonicamente, o centro sinônimo de em cima, dentro, no meio, incluído na sociedade. Sobre esta dicotomia entre centro/periferia, o centro como sinônimo de ascensão e felicidade e a periferia como prerrogativa de treva e desgraça, temos em Borges (1974) o seguinte trecho no prólogo do livro Fervor de Buenos Aires, de 1969, quando fala que “en aquel tiempo, buscaba los atardeceres, los arrabales y la desdicha; ahora las mañanas, el centro, la serenidade”. Isso explica, como salienta García (2007), a sociedade argentina como um todo não tolerar metáforas verticais; todos os argentinos definem-se como classe média.

Seguindo o aporte teórico de Maingueneau (2006) sobre a paratopia, este espaço paratópico que é o arrabal conservará um importante papel como o lugar típico da boemia, do baixo meretrício, dos diversos vícios, da miséria, da fome, da violência vinculado a uma população composta exclusivamente dos marginalizados sociais que compunham a maior parte da massa urbana de Buenos Aires, principalmente as três principais figuras do tango: o

compadre, o compadrito e a milonguera. O arrabal é o lugar principal da vida do cancioneiro

do tango e podemos perceber sua presença em muitas letras, por exemplo, na letra de Celedonio Flores:

Se te embroca desde lejos, pelandruna abacanada, que has nacido en la miseria de un convento de arrabal. (Margot, 1919)

O uso social do termo é bastante evidente em muitos tangos e define o espaço de produção enunciativa. Em outro exemplo, do mesmo compositor, temos um tango cujo protagonista se comporta, dentro de um contexto social miserável do arrabal ao qual pertence, como um burguês:

Mezcla rara de magnate nacido en el sabalaje, vos sos la calle Florida que se vino al arrabal. ¡Compadrito de mi esquina, Que solo cambió de traje! (Mala entraña, 1927)

Buenos Aires, a rua mais nobre e capitalista da capital argentina, na qual podemos observar as lojas mais caras, as vitrines mais vistosas, as madames e os empresários. O narrador critica a comportamento ostensivo do protagonista ao descrevê-lo como alguém que parecia ter saído da dita rua por sua conduta antagonizar com o meio no qual se encontrava. Temos outro exemplo com Homero Manzi:

Arrabales porteños de casitas rosadas donde acuna los sueños el rasguear de las guitarras. Donde asoma la higuera sobre las tapias, adornando los muros con sus fantasmas. (Arrabal, s/d)

O conceito de arrabal é puramente subjetivo e quando trazido para a realidade fragmenta-se em uma infinita e caleidoscópica multiplicidade de visões e perspectivas. Certamente que, para esse ângulo de visão, a subjetividade do compositor influencia, principalmente a visão e a compreensão que possui das diferenças sociais dentro da sociedade portenha. Mas, como afirma García (2007), o arrabal de uma grande metrópole, como Buenos Aires, que cresce desenfreadamente, torna-se um quebra-cabeça cujas partes são totalmente heteróclitas, que estão sempre a se transformar. No eu-lírico supracitado, a visão de “casitas rosadas” no qual “asoma la higuera” oferece uma visão bastante suave e quase singela do que eram esses bairros marginais. Além disso, uma das principais representações do arrabal era ser descrito como uma paisagem campesina e nisso percebemos também a influência da figura do camponês argentino, o gaucho. Segundo García (2007):

En el ciclo de la vida de una persona podía suceder que uno mismo barrio pasara de área rural a guarida de marginales, a arrabal pobre, a barrio suburbano de clase medio-alta, y de nuevo hacia atrasa zonas degradadas… hasta la sucesiva especulación urbana. Una de las imágenes recurrentes del arrabal tanguero se refiere a la combinación de pampa y ciudad que se da en el “frente de crecimiento” de la ciudad. La bóveda del cielo, magnificada por la presencia de grandes terrenos vacíos y por las casas de una planta; la vegetación típica de la llanura, flores y hierbas, como sensación visual y olfativa.

O arrabal encontra-se na fronteira do espaço social, cultural e subjetivo, um lugar de miséria, dissipação, sexo, violência, vícios, tragédias sociais; lugar de consumo de álcool, ópio, prostituição, no qual uma das figuras primitivas do tango, o compadre, estava sempre pronto para brigar pelo simples desejo de mostrar sua valentia, sua coragem, pois precisava manter sua fama de homem destemido. Os marginalizados da sociedade e da existência podem ali comungar da rejeição social de Buenos Aires, que não os exclui, mas tampouco os

inclui. Estão social, cultural e existencialmente à deriva. Podemos observar como o cancioneiro do tango observa seu lugar social através dos olhos de Jorge Luis Borges (1974, p.32):

El arrabal es el reflejo de nuestro tedio. Mis pasos claudicaron

cuando iban a pisar el horizonte y quedé entre las casas,

cuadriculadas en manzanas diferentes e iguales como si fueran todas ellas monótonos recuerdos repetidos de una sola manzana.

El pastito precario,

desesperadamente esperanzado, salpicaba las piedras de la calle y divisé en la hondura

los naipes de colores del poniente y sentí Buenos Aires.

A palavra arrabal é utilizada pelo cancioneiro para expressar, no que diz respeito às paisagens urbanas, um contraste de classe: pobres e ricos, proletários e burgueses, a massa e a elite econômica. Essa visão da sociedade era ideológica, como afirma García (2007), porém expressava uma dicotomia real: de um lado estavam os trabalhadores fabris, os pobres, os excluídos da cultura ou da esfera do consumo e que haviam construído seu próprio espaço paratópico do qual emergiu seu discurso que legitimou a si mesmo.

Esse sentimento de perda de valores e de respeito por si mesmo, a degradação física e moral desses marginais transformou-se em uma cultura paralela, com seus próprios valores, escala social, tradições, costumes, ritos. De acordo com García (2007), esses boêmios, anarquistas, socialistas, miseráveis, marginais propuseram um programa ideológico, que era justamente nobilitar, através da arte, essas classes desfavorecidas, legitimando, por fim, a paisagem urbana, os costumes, a música, a linguagem, o modo de se vestir, de se comportar dos habitantes do arrabal. E foi através do tango que isso foi possível:

Con la entrada del voceo y del lunfardo en el periodismo, en la poesía y en la novela; con la elevación del inmigrante, del compadrito, de la fabriquera a figuras nacionales. Descubrieron una manera de ser argentino distinto de la mitización del gaucho, del militar, del prócer y del cura preferidos por la cultura oficial. Su triunfo, sin embargo, contribuyó (como el más concreto ascenso económico y social de los obreros y la clase media éntrelos años 20 y 40) a disolver la frontera entre las “dos naciones” y, por lo tanto, la dicotomía que vuelve a resurgir en estos años de neoliberalismo, en un nuevo arrabal morocho, clandestino y latinoamericano, repartido a islotes en la ciudad tentacular. (MIGUEL ÁNGEL GARCÍA, 2007)

Em outro exemplo sobre a observância do arrabal pelo cancioneiro do tango, temos a letra de Arrabal Amargo, composto em 1934, por Alfredo Le Pera, nascido em São Paulo, Brasil, mas que se mudou para a Argentina aos dois anos de idade. A visão contraditória que

percorre a letra nos faz perceber a representação simultânea de um sentimento ambíguo de um

arrabal entre o infernal e o paradisíaco que suscitava este ambiente marginal: Arrabal amargo metido en mi vida

como la condena de una maldición. Tus sombras torturan mis horas sin sueño, tu noche se encierra en mi corazón. Con ella a mi lado no vi tus tristezas tu barro y miseria, ella era mi luz. Y ahora vencido arrastro mi alma clavao en tus calles igual que a una cruz.

O sentimento de horror que observamos neste “arrabal amargo” é capaz de marcar toda a existência do narrador como a “condena de una maldición”, com “su barro y miserias” e que obriga ao narrador a arrastar-se sob o peso social daquele lugar, cravado naquelas ruas “igual que a una cruz”, o arrabal aparece como um infortúnio social. Porém, mais adiante, temos:

Rinconcito arrabalero con el toldo de estrelas de tu patio que quiero. Todo se ilumina [...] Y mis viejas madreselvas están en flor pa’ quererte. […] Verás como todo te esperaba ansioso, mi blanca casita y el lindo rosal. Y como de nuevo alivia sus penas vestido de fiesta mi viejo arrabal.

Podemos observar que a sensação de angústia é substituída por uma visão nostálgica beatífica. O arrabal, ao mesmo tempo em que pode oprimir pela carga social que representa o pertencer àquele lugar, também pode simbolizar a saudade de um tempo feliz e, dependendo do sentimento do narrador, a paisagem se modifica para expressar essa subjetividade. De novo com Borges (1974, p.38), temos:

En la honda noche universal que apenas contradicen los faroles una racha perdida

ha ofendido las calles taciturnas como presentimiento tembloroso del amanecer horrible que ronda los arrabales desmantelados del mundo.

Esse sentimento de condenação ao qual alude o eu-lírico advém, certamente, do ter nascido miserável, dentro da cultura excluída, marginalizado dos ambientes reconhecidos pela cultura oficial, que possuem a maneira de falar, de vestir-se, de comportar-se como condiz com a alta sociedade e todos os signos de reconhecimento social que os indivíduos de uma mesma coletividade costumam utilizar para equiparar-se ou diferenciar-se uns dos outros.

espaço entre vários discursos, em sua relação interdiscursiva que estrutura e legitima sua identidade. O tango nasce como uma polêmica no seio da sociedade rio-platense, é a manifestação da incompatibilidade que permitiu a sua constituição e, por isso mesmo, como salienta Maingueneau (2008), devemos pensar o tango como uma prática discursiva, pois que há uma comensurabilidade entre a rede de relações situacionais que permitiram a emergência desse discurso e o grupo que a enunciação discursiva supõe e possibilita. Pois, ainda de acordo com Maingueneau (2008, p.19):

A “enunciabilidade” de um discurso, o fato de que tenha sido objeto de atos de enunciação por um conjunto de indivíduos não é uma propriedade que lhe é atribuída por acréscimo, mas algo de radical, que condiciona toda a sua estrutura. É preciso pensar ao mesmo tempo a discursividade como dito e como dizer, enunciado e enunciação.

Nesse viés, a situação paratópica do cancioneiro do tango faz com que se identifique aos que, como ele, não estão incluídos na sociedade oficial: boêmios, ladrões, prostitutas, trabalhadores, imigrantes, camponeses. Segundo Maingueneau (2006), basta que dentro de uma sociedade se estabeleça uma região paratópica para que a criação literária a possa perscrutar. Para o mundo do tango, foi o ethos do cancioneiro, o compadrito, que serviu como posição de reconhecimento para a integração deste cancioneiro social. Comparado á figura do artista boêmio europeu do século XIX, o compadrito não atravessa as divisões sociais da sociedade portenha, ele encarna justamente o produto do resto social, do que foi descartado pela sociedade industrial capitalista. O cancioneiro é alguém “cuja enunciação se constitui através da própria impossibilidade de atribuir a si um verdadeiro lugar” (MAINGUENEAU, 2006, p.108), problematizando seu pertencimento á própria sociedade que deu as condições para que surgisse, haja vista que a paratopia é, ao mesmo tempo, uma inclusão impossível a uma topia.

No tango encontramos a paratopia criadora ligada a uma identidade e ao espacial, a primeira sendo caracterizada por Maingueneau (2006) como sendo as figuras dissidentes e marginais, textual ou figurada. A relação que o compadrito estabelece com a sociedade é de marginalidade tolerada, porém nunca devidamente digerida e aceita. O mundo do cancioneiro do tango engloba a paratopia moral, abrangendo as prostitutas, os trabalhadores fabris, os clandestinos, ladrões, viciados. Em relação à paratopia espacial, é a dos exilados; de acordo com Maingueneau (2006, p.110), “meu lugar não é meu lugar” ou “onde estou nunca é meu lugar”, sendo suas duas grandes figuras o nômade e o parasita. Levando-se em consideração que o tango nasce em meio aos imigrantes europeus e aos camponeses argentinos, os primeiros desterrados de suas nações; os segundos, de suas terras, que vieram à Buenos Aires

“fazer a América”, o sentimento de exílio e nostalgia é imenso e marcou profundamente o argentino. Podemos verificar esse sentimento de nostalgia em relação à pátria em muitas letras de tango. Temos alguns exemplos:

Mi Buenos Aires querido, cuando yo te vuelva a ver

no habrá más penas ni olvidos. […] Hoy que la suerte quiere que te vuelva a ver ciudad porteña de mi único querer,

oigo la queja de un bandoneón,

dentro del pecho pide rienda el corazón. (Mi Buenos Aires Querido, 1934)

Em Borges (1974, p.32), temos no poema Arrabal o seguinte trecho que exemplifica perfeitamente esta noção de paratopia espacial do sentimento de exílio trazido por Maingueneau:

Esta ciudad que yo creí mi pasado es mi porvenir, mi presente;

los años que he vivido en Europa son ilusorios, yo estaba siempre (y estaré) en Buenos Aires.

A figura do gaucho encontra-se com o imigrante europeu (russo, espanhol, italiano, francês, polaco, alemão, judeu), criando uma verdadeira Babel cultural e linguística. O

gaucho é o protótipo do argentino do campo que se encontra com o compadrito, produto da

mescla sócio-cultural da cidade. Os dois personagens serão a representação de dois mundos distintos. Carlos Fuentes (2010, p.369) nos diz que o tango “es la música para inmigrantes en una ciudad de soledades y en trasición”. Borges (1974, p.949), no poema Compadritos

Muertos, fala sobre este flaneur portenho, que vivia constantemente em luta contra seus pares

ou contra a fome:

Siguen apuntalando la recova Del Paseo de Julio, sombras vanas En eterno altercado con hermanas Sombras o con el hambre, esa otra loba. Cuando el último sol es amarillo En la frontera de los arrabales, Vuelven a su crepúsculo, fatales