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C APITULO 4 A AUTORIDADE POÉTICA DE VILLON

B. A ETIQUETA “F RANÇOIS V ILLON ”

Depois
 de
 estudar
 o
 sentido
 do
 nome
 do
 autor
 “François
 Villon”
 nas
 primeiras
 edições
de
seu
corpo
poético,
veremos
na
última
parte
deste
item
como,
no
séc.
XV,
essa
 concepção
 de
 imitação
 não
 se
 reduzirá
 mais
 aos
 autores
 antigos,
 mas
 também
 se
 aplicará
aos
autores
em
vernáculo,
como
demonstram
as
imitações
de
Villon
no
fim
do
 séc.
XV
e
na
primeira
metade
do
séc.
XVI.



 


B. A
ETIQUETA
“FRANÇOIS
VILLON”


Como
 é
 comum
 nas
 edições
 antigas,
 a
 edição
 Levet
 é
 uma
 coletânea
 de
 composições
 poéticas.
 Na
 primeira
 edição
 do
 corpo
 poético
 atribuído
 a
 Villon,
 ele
 foi
 reunido
 com
 dois
 outros
 testamentos
 burlescos,
 uma
 farsa
 e
 uma
 arte
 de
 segunda
 retórica.538
Villon
foi
publicado
por
Levet
com
a
Farsa
de
Pierre
Pathelin,
o
Testamento


de
 Testa
 Vinhos,
 rei
 dos
 bêbados,
 o
 Testamento
 de
 Barreiz,
 capitão
 dos
 Bretões
 e
 um


manual
 de
 retórica
 chamado
 Arte
 Retórica
 para
 se
 rimar
 vários
 tipos
 de
 rima.
 Em
 sua
 edição,
todas
as
composições
pertencem
ao
teatro
burlesco
da
época,
exceto
o
manual
 de
retórica.



Villon
 foi
 freqüentemente
 incluído
 em
 coletâneas
 de
 composições
 burlescas
 da
 época.
 Além
 da
 edição
 Levet,
 a
 edição
 Galliot
 Pré
 (1532)
 publicou‐o
 com
 outras
 três
 composições
burlescas:
As
Refeições
Gratuitas
de
François
Villon
e
seus
companheiros,
O


Monólogo
do
franco
arqueiro
de
Baignollet
com
o
seu
epitáfio
e
O
Diálogo
dos
Senhores
de
 Mallepaye
 e
 de
 Baillevent.539
O
 Monólogo
 do
 franco
 arqueiro
 de
 Baignollet
 com
 o
 seu


epitáfio
é
um
monólogo
dramático
da
época
representando
o
“tipo
do
fanfarrão
valentão,


intrépido
 soldado
 que,
 como
 mais
 tarde
 Panurge,
 não
 tem
 medo
 de
 nada,
 exceto
 do










538 Anotado sob a forma de um índice no exemplar da BNF estão os títulos destas obras reunidas na coletânea de Levet: “Pièces de ce recueil: 1) Pierre Pathelin, 1490; 2) Villon, 1489; 3) Testament de Barreiz, capitaine de

Bretons; 4) Testament de Taste Vins, roi de Pions; 5) L’art de Rhétorique pour rimer en plusiers sortes de Rimes”) (“Peças dessa coletânea: 1) Pierre Pathelin, 1490; 2) Villon, 1489; 3) Testamento de Barreiz, capitão dos Bretons; 4) Testamento de Testa Vinhos, rei dos bêbados; 5) Arte Retórica para se rimar vários tipos de rima”) (VILLON, F. Le grant testament Villon et le petit. Son codicile. Le jargon et ses balades. Edição de

Pierre Levet, Paris, 1489).

539 Les Oeuvres de Maistre François Villon; Les Repues Franches de François Villon et ses compagnons; Le

monologue de Franc Archer de Baignollet, avec son epitaphe, Le dialogue des Messieurs de Mallapaye et de Baillevant (VILLON, F. Les Oeuvres de Maistre Françoys Villon. Edição de Galliot Du Pré, Paris, 1532).

166

perigo”.540
As
Refeições
gratuitas
são
um
sermão
jocoso
da
época
imitando
as
Baladas
em


jargão
 de
 Villon.
 O
 diálogo
 dos
 Senhores
 de
 Mallepaye
 e
 de
 Baillevant
 é
 um
 diálogo


burlesco
 entre
 as
 duas
 personagens.
 Essas
 composições
 não
 foram
 atribuídas
 a
 Villon
 por
Galliot
Pré,
mas
apenas
publicadas
na
mesma
coletânea.


Desde
a
primeira
edição
das
composições
atribuídas
a
Villon
por
Pierre
Levet,
as
 composições
 agrupadas
 em
 torno
 da
 etiqueta
 de
 “Mestre
 Françoys
 Villon”
 são
 designadas
 com
 o
 nome
 da
 personagem
 assumido
 nos
 testamentos
 e
 nas
 formas
 fixas
 esparsas.
Utilizado
como
uma
etiqueta,
o
nome
próprio

“Villon”
serve
para
especificar
 os
testamentos
representando
a
personagem
de
Villon
em
relação
a
outros
testamento
 burlescos
da
época,
como
O
Testamento
de
Testa
Vinhos,
rei
dos
bêbados
e
o
Testamento


de
Barreiz,
capitão
dos
bretões,
que
também
fazem
parte
da
coletânea
de
Levet.


O
 título
 da
 edição
 Levet
 foi
 retomado
 por
 diversas
 edições
 posteriores,
 em
 sua
 maioria
 “incunábulos”
 (edições
 anteriores
 a
 1500),
 como
 as
 edições
 de
 Jean
 Dupré
 (1490,
 Lyon),
 de
 Germain
 Bineau
 (1490,
 Paris),
 Jehan
 Trepperel
 (1500,
 Paris).541
Em


algumas
 edições
 posteriores
 a
 1500,
 o
 sobrenome
 “Villon”
 é
 precedido
 pelo
 prenome
 “François”
e
pelo
qualificativo
“Mestre”,
como,
por
exemplo,
a
edição
intitulada
O
Grande


Testamento
de
Mestre
Françoys
Villon
e
o
Pequeno.
Seu
Codicilo.

O
jargão
e
suas
baladas


(1525).542
Referido
 no
 título,
 o
 nome
 da
 personagem
 serve
 para
 caracterizar
 essas


composições
como
as
“de”
Villon.



Villon
se
torna
uma
autoridade
poética
nos
sécs.
XV
e
XVI
na
França,
tendo
sido
 imitado
 por
 diversos
 poetas
 líricos
 e
 burlescos
 da
 época.
 Designado
 com
 outras
 autoridades
poéticas
nos
elencos
de
autores
de
Artes
Poéticas
dos
sécs.
XV
e
XVI,
“
Villon”
 designa
 a
 excelência
 em
 um
 gênero
 poético
 da
 época,
 com
 o
 seu
 estilo
 e
 as
 suas
 convenções
 próprias.543
O
 seu
 principal
 editor
 antigo
 Clément
 Marot
 considera
 Villon


como
uma
autoridade
poética.
Em
seu
prefácio
à
edição
das
Obras
de
Françoys
Villon
de










540 “Type de bravache “vaillant, hardi à la poulaille” et qui, comme plus tard Panurge, “ne craint rien fors les dangers” (COHEN, G. Études d’Histoire du Théâtre en France au Moyen-Âge et à la Renaissance, Paris, Gallimard, 1956, p. 258).

541 VILLON, F. Le grant testament Villon et le petit. Son Codicille. Le Jargon et ses Balades, edição de Jehan Trepperel, Paris, 1500.

542

VILLON, F. Le Grant Testament Maistre Françoys Villon et le petit. Son Codicille. Avec le jargon et ses

ballades, Vve de G. Nyverd et de J. Nyverd, 1525.

543 ANEAU, B. Le Quintil Horacien, In: GOYET, F. Traités de poétique et de rhétorique de la Renaissance, Paris, Librairie Générale Française, 1990, p. 185.

167

Paris,
 Marot
 deplora
 tanto
 mais
 as
 condições
 precárias
 de
 sua
 obra
 quanto
 elogia
 o


delicado
engenho
do
poeta:

 


Que
eles
[os
jovens
poetas]
colham
as
suas
sentenças
como
belas
flores,
 que
 contemplem
 o
 espírito
 que
 ele
 tinha,
 que
 dele
 aprendam
 propriamente
 a
 descrever
 e
 que
 contrafaçam
 a
 sua
 verve,
 particularmente
 aquela
 que
 ele
 usa
 em
 suas
 baladas,
 que
 são
 verdadeiramente
belas
e
heróicas,
e
não
tenham
dúvida
de
que
ele
teria
 carregado
 a
 coroa
 de
 louro
 diante
 de
 todos
 os
 poetas
 do
 seu
 tempo
 se
 ele
 tivesse
 sido
 nutrido
 na
 corte
 de
 reis
 e
 de
 príncipes,
 lá
 onde
 os
 julgamentos
 se
 corrigem
 e
 as
 palavras
 são
 polidas.
 Quanto
 à
 indústria
 dos
 legados
 que
 ele
 fez
 em
 seus
 testamentos,
 para
 conhecê–las
 suficientemente
 e
 compreendê–las
 é
 necessário
 ter
 estado
 em
 seu
 tempo
 em
 Paris,
 e
 ter
 conhecido
 os
 lugares,
 as
 coisas
 e
 os
 homens
 de
 que
ele
fala:
a
memória
das
quais
quanto
mais
se
passar,
tanto
menos
se
 conhecerá
a
indústria
de
seus
legados.
Por
essa
razão,
quem
quiser
fazer
 uma
 obra
 duradoura,
 não
 tome
 a
 sua
 matéria
 a
 tais
 coisas
 baixas
 e
 particulares.
O
resto
da
obra
do
nosso
Villon
(excetuada
a
indústria
dos
 legados)
 é
 de
 tal
 artifício,
 tão
 plena
 de
 boa
 doutrina
 e
 de
 tal
 modo
 pintada
com
mil
belas
cores
que
o
tempo,
que
tudo
elide,
até
agora
não
 soube
elidir.544

A
 sua
 edição
 não
 é
 uma
 coletânea
 de
 composições
 da
 época,
 mas
 é
 exclusivamente
 dedicada
 às
 Obras
 de
 Françoys
 Villon
 de
 Paris.
 As
 obras
 de
 Villon
 em
 geral
 e
 as
 suas
 baladas
 em
 particular
 são
 consideradas
 como
 um
 modelo
 poético.
 Elas
 foram
 imitadas
 pelo
 próprio
 Marot,
 que
 foi
 um
 dos
 principais
 poetas
 franceses
 da
 primeira
metade
do
séc.
XVI,
juntamente
com
Saint–Gelais,
Salel,
Héroët,
Scève,
etc.
Além
 de
Marot,
outros
poetas
de
corte
do
início
do
séc.
XVI
imitaram
Villon,
como
Henri
Baude
 e
 Coquillart,
 por
 exemplo.
 Amplificando
 o
 delicado
 engenho
 do
 poeta
 de
 Paris,
 Marot
 exorta
 os
 jovens
 poetas
 de
 corte
 da
 época
 a
 imitarem
 as
 sentenças,
 as
 descrições
 e
 a
 verve
heróica
de
algumas
de
suas
baladas.











544

“Qu’ilz cueillent ses sentences comme belles fleurs, qu’ilz contemplent l’esprit qu’il avoit, que de luy apreignent à proprement descrire, et qu’ilz contrefacent sa veine, mesmement celle dont il use en ses Ballades, qui est vrayment belle et héroïque, et ne fay doubte qu’il n’eust emporté le chapeau de laurier devant tous les Poètes de son temps, s’il eust esté nourry en la Court des Roys et des Princes, là où les jugements se amendent et les langaiges se pollissent. Quant à l’industrie des lays qu’il feit en ses Testamens, pour suffisamment la congnoistre et entendre ul fauldroit avoir esté de son temps à Paris, et avoir congneu les lieux, les choses et les hommes dont il parle: la memoire desquelz tant plus se passera, tant moins se congnoistra icelle industrie de ses layz dictz. Pour ceste cause qui vouldra faire une oeuvre de longue durée ne preigne son soubject sur telles choses basses et particulières. Le reste des Oevres de nostre Villon (hors cela) est de tel artifice, tant plain de bonne doctrine et tellement painct de mille belles couleurs, que le tems, qu tout efface, jusques icy ne l’a sçeu effacer” (VILLON, F. Les Oeuvres de François Villon de Paris, Ed. Clément Marot, Paris, 1533, p. 73).

168

Mas
 o
 corpo
 poético
 atribuído
 a
 Villon
 também
 comporta
 matéria
 baixa,
 em
 particular
 na
 “indústria
 dos
 legados”
 (industrie
 des
 legs),545
como
 Marot
 chama
 ao


desenvolvimento
 tanto
 do
 Pequeno
 quanto
 do
 Grande
 Testamento.
 Por
 se
 referir
 a
 pessoas
 e
 casos
 particulares
 da
 época,
 a
 indústria
 dos
 legados
 não
 podia
 mais
 ser
 suficientemente
 compreendida
 à
 época
 de
 Marot.
 Ocupando
 aproximadamente
 dois
 terços
do
corpo
poético
atribuído
a
François
Villon,546
essa
parte
dos
dois
testamentos


não
 é
 por
 ele
 considerada
 como
 digna
 de
 ser
 imitada,
 segundo
 a
 seleção
 operada
 por
 Marot.


Assim,
 Marot
 separa
 as
 partes
 das
 obras
 de
 Villon
 que
 são
 dignas
 de
 serem
 emuladas
pelos
jovens
poetas:
a
indústria
dos
legados,
por
tratar
de
matéria
baixa,
não
 deve
ocupar
maior
atenção,
mas
o
resto
da
obra
(caracterizado
por
grande
artifício,
por
 uma
elocução
“plena
de
mil
belas
cores”
e
“por
uma
boa
doutrina”)
é
prescrito
como
um
 modelo
poético.
Essa
assimetria
entre
o
caráter
heróico
de
algumas
de
suas
baladas
e
a
 matéria
baixa
da
indústria
dos
legados
é
atribuída
por
Marot
à
origem
humilde
de
Villon.
 Segundo
a
tópica
do
nascimento,
ele
afirma
que,
se
Villon
tivesse
tido
origem
nobre
ou
 ao
menos
freqüentado
a
corte
de
reis
e
príncipes
da
época
(como
boa
parte
dos
poetas
 de
corte
do
séc.
XVI),
ele
teria
ganhado
a
coroa
de
louro,
superando
a
todos
os
poetas
de
 seu
tempo.

 


C. OS
TRAÇOS
DE
VILLON
NOS
GÊNEROS
BURLESCOS
DO
SÉC.
XV
E
XVI

Villon
é
um
dos
principais
modelos
poéticos
da
poesia
burlesca
do
final
do
séc.
XV
 e
 do
 início
 do
 séc.
 XVI.
 Os
 seus
 testamentos
 e
 formas
 fixas
 esparsas
 foram
 imitados
 e
 citados
 por
 diversas
 composições
 burlescas
 da
 época,
 como
 As
 Refeições
 Gratuitas
 de


Mestre
 François
 Villon
 e
 de
 seus
 companheiros,
 a
 Vida
 e
 morte
 de
 Caillette,
 a
 Grande
 Diabrura,
 o
 Pantagruel
 e
 o
 Gargantua
 de
 Rabelais,
 a
 Lenda
 de
 Mestre
 Pierre
 Faifeu,
 as
 Vigílias
 de
 Tribouret,
 As
 palavras
 douradas
 do
 grande
 e
 sábio
 Catão,
 O
 Testamento
 de
 Pathelin,
 etc.547
A
 poesia
 burlesca
 do
 final
 do
 séc.
 XV
 e
 do
 início
 do
 séc.
 XVI
 seleciona










545 “Indústria” significa na época a “arte”, a “técnica” e a “habilidade” do poeta capaz de satirizar personagens históricos da época por meio dos equívocos disseminados em seus legados aparentemente graves.

546

VILLON, F. Op. cit., p. 66-82; p. 172-282.

547 Les Repues Franches de Maistre François Villon et de ses compagnons; Vie et Trepassement de Caillette;

Grand Deablerie; Legende de Maistre Pierre Faifeu; Les Motz dorez du grand et sage Caton; Le Testament de Pathelin; Vigiles Triburet.