C APÍTULO 1 POESIA & MÚSICA EM VILLON
B. A S FORMAS FIXAS DO G RANDE T ESTAMENTO
No Grande Testamento, a seqüência de oitavas é freqüentemente interrompida por formas fixas intercaladas ao longo da narração, que visam amplificar um tema tratado na composição. A edição Levet inclui quinze baladas e dois rondós duplos, que serão analisados separadamente a seguir.
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“Encores autres taille de vers huytains se font par autre croysure, et peult on faire de la derreniere ligne ung proverbe” (“L’ART ET SCIENCE de rhétorique”In: LANGLOIS, E., Op. cit. p. 274).
145 “Qui n’a mesfait ne le doit dire” (VILLON, F. Op. cit., p. 106), “Car la dance vient de la pance” (Ibidem, p. 108), “Car a la mort tout s’assouvit” (Ibidem, p. 110), “Ce qui est escript est escript” (Ibid., p. 112), “Mort saisit
sans excepcïon” (Ibid., p. 116), “Selon le clerc est deu le maistre” (Ibid., p. 148), “Vin pert mainte bonne maison”
(Ibid., p. 196), “Mais bon droit a bon mestier d’aide” (Ibid., p. 196), "A menue gent menue monnoye" (Ibid., p. 260) “Jamaiz mal acquest ne proufficte” (Ibid., p. 264), “De beau chanter s’ennuyt on bien” (Ibid., p. 282). 146 “Les mons ne bougent de leurs lieux/ Pour ung povre n’avant n’arriere” (Ibid., p. 102), “Necessité fait gens
mesprendre/ Et faim saillir le loup du bois” (Ibid., p. 104), “Povreté chagrine dolente/ Tousjour despiteuse et rebelle/ Dit quelque chose cuisante” (Ibid., p. 114), “Mieulx vault vivre soubz gros bureau/ Pouvre, qu’avoir este seigneur/ Et pourrir soubz riche tombeau” (Ibid.), “Car enfant n’a frere ne seur/ Qui lors voulsist estre son plege” (Ibid., p. 118), Mais on doit honnorer ce qu’a/ Honnoré l’Eglise de Dieu (Ibid., p. 208).
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"(...) En povrété/ Ce mot se dit communement/ Ne gist pas grande loyaulté" (Ibid., p. 104), "Car jeunesse et
adolescence/ C’est son parler, ne moins ne mais/ Ne sont qu’abus et ignorance" (Ibid., p. 108), "Fors qu’on dit à Rains et à Troys/ Voire à l’Isle et à Saint Homer/ Que six ouvriers font plus que trois" (Ibid., p. 152), "De chiens, d’oyseaulx, d’armes, d’amour/ C’est pure verté decellée/ Pour une joyë cent doulours" (Ibidem), "Ceste parolle le contente/ Qui meurt a ses hoirs doit tout dire" (Ibid., p. 164), "On dit communement/ Ung chascun n’est maistre du scien" (Ibid., p. 166), Toute chose – se par trop n’erre –/ Voulentiers en son lieu retourne (Ibid., p.
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1. As baladas comuns
A estrutura da balada enquanto forma poética foi fixada por Eustache Deschamps, autor de vasta obra composta em formas fixas, antes de ela se tornar uma das formas mais utilizadas pela poesia composta em francês na época. Chamado de Eustace Morel, ele representa uma autoridade poética na época, como afirmam as Regras da Segunda
Retórica: “Depois veio Eustace Morel [Deschamps], sobrinho do Mestre Guillaume de
Machault, que foi oficial de Senliz, e compôs grande número de ditos, baladas e outras formas”.148
Deschamps compôs grande número de baladas em gênero grave, separadas pelo seu editor moderno em um capítulo intitulado de “Baladas de moralidades” (Balades de
moralitez).149 Em um grande número dessas baladas, Eustache Deschamps reflete sobre
temas morais, lamenta a vanidade deste mundo, vitupera os diversos vícios, ensina à virtude, etc.150 A estrutura da balada mais freqüente na poesia de Deschamps é chamada
pelas Artes de Segunda Retórica de “balada comum”. Essa balada é composta por três estrofes e uma “oferenda” (envoi), a qual tem a metade do número de versos da estrofe e mesma seqüência de rimas de sua metade final (nas baladas em octassílabos, a estrutura das rimas da oferenda é BCBC e, nas baladas em decassílabos, é CCDCD). A balada comum é formada por estrofes quadradas, que possui o mesmo número de sílabas no verso e de versos na estrofe.151 Cada uma das quatro estrofes se conclui pelo mesmo
refrão, que condensa a sua matéria.
148
“Après vint Eustace Morel, nepveux de maistre Guillaume de Machault, lequel fut bailli de Senliz, et fut três souffisant de diz et balades et d’autres choses” (LANGLOIS, E. Op. cit, p.14)
149 DESCHAMPS, E. Œuvres complètes, edição de Marquis de Queux de Saint-Hilaire e Gaston Raynaud, Paris, Firmin-Didot, 1878-1903, 11 v.
150 A Balada CLXXIX, por exemplo, intitulada Conseils aux gens de cour: “Vous qui a court royal servez/ Entendez mon enseignement/ Oez, voiez, taisez, souffrez/ Et vous menez courtoisement/ Faictes bien, servez loyaument/ Mais cellui qui grace y aura/ Acquiere un lieu secretement/ Pour aler quant la court faurra” (DESCHAMPS, E. Œuvres complètes, edição de Marquis de Queux de Saint-Hilaire e Gaston Raynaud, Paris, Firmin-Didot, 1878-1903, v.1, p.314). Diversas outras balades de moralitez de Eustache Deschamps se desenvolvem na mesma estrutura, como a Balada DCCCCXXXIV, intitulada Conseils donnés par une dame à
une jeune homme (Ibid., vol.5, p. 143), a MCXXIII, Conseils pour vivre sagement (Ibid., vol. 6, p. 38), a
MCCXXXIV, Conseils aux pères qui ont des filles à marier (Ibid., vol. 6, p. 238), ou a balada XCIX que desenvolve o célebre tema medieval dos Conseils donnés par Aristote à Alexandre (Ibid., vol. 208), que já havia sido parodiado por Rutebeuf no seu Dit d’Aristotle (RUTEBEUF, Oeuvres Complètes de Rutebeuf, trouvère du
XIIIe siècle, edição de Achille Jubinal, Paris, P. Daffis, 1874, vol. 2, p. 93-97).
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“Balade commune. Balade commune doit avoir refrain et trois couplets et l’envoy. Le refrain est la derreniere ligne desdis couplets et de l’envoy, auquel refrain se tire toute la sustance de la balade, ainsi que la sayette au signe du bersail. Et doit chascun couplet, par rigueur d’examen, avoir autant de lignes que le refrain contient de sillabes” (“Balada comum: a balada comum deve ter refrão, três estrofes e a oferenda. O refrão é a última linha
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A balada é uma forma fixa grave na qual é convenção exortar ao Príncipe na oferenda, como afirma Thomas Sébillet: “A balada é um poema mais grave do que todos os precedentes, pois em sua origem ela se dirigia aos príncipes e só tratava de matérias graves e dignas da orelha de um príncipe”.152 As mesmas rimas devem ser repetidas ao longo das três estrofes e da oferenda. Compostas por estrofes de dez versos, as baladas em decassílabos utilizam quatro rimas diferentes (ABA‐BB‐CC‐DCD), em vez das três das baladas em octassílabos (ABA‐BB‐CBC). As rimas são predominantemente cruzadas, mas há duas rimas planas no centro da estrofe. Há duas rimas principais repetidas três vezes, em vez de uma só rima repetida quatro vezes, como na balada em octassílabos. A oferenda segue o esquema de rimas da segunda parte da estrofe inteira.
Segundo a Arte Poética Francesa de Sébillet, os octassílabos são os versos mais naturais, pois eles se aproximam da dicção corrente. Os decassílabos eram considerados versos mais graves e sentenciosos. Pela sua maior gravidade, o gênero grave do teatro hagiográfico da época chamado de “moralidade”, por exemplo, era freqüentemente composto com versos de dez sílabas. Como afirma Sébillet: “Eu estimaria a boa Moralidade aquela com versos de dez sílabas, em razão de sua gravidade”.153 No caso de
Villon, as estrofes das baladas são sempre quadradas: as baladas compostas em octassílabos são oitavas e as baladas em decassílabos são décimas. O Grande Testamento de Villon possui quinze baladas intercaladas:154 sete baladas são compostas em
decassílabos; 155 oito em octassílabos.156
A maioria das baladas do Grande Testamento pode ser considerada como baladas comuns, apresentando pequenas variações na oferenda. Em oito baladas em octassílabos
das referidas estrofes e da oferenda, de cujo refrão se tira toda a substância da balada, assim como a flecha atira no alvo. E deve cada estrofe, pelo rigor do exame, ter tantas linhas quanto o refrão ontem de silabas”) (MOLINET, J. L’Art de Rhétorique, In: LANGLOIS, E. Op. cit, p. 235).
152 “La Ballade est Poème plus grave que nesun des précédents, pource que de son origine s’adressait aux Princes, et ne traitait que matières graves et dignes de l’oreille d’un Roy” (SÉBILLET, T. Art Poétique François
(1548), In : GOYET, F. Traités de poétique et de rhétorique de la Renaissance, Paris, Librairie Générale
Française, 1990, p. 112). 153
“[...] J’estimerais la Moralité bonne de vers de dix syllabes, à raison de sa gravite” (Ibidem, p.129).
154 A edição Levet do Grande Testamento inclui apenas a primeira estrofe da Balade finale (VILLON, F. Op.
cit., p. 300-302), que é composta em octassílabos, mas as suas edições modernas introduzem as outras três estrofes dessa balada, possueindo ao todo dezesseis baladas.
155
Ballade pour Prier Notre Dame (Ibid., p.178), Ballade à s’amie (Ibid. p. 186), Ballade et oraison (Ibid. p. 216), Ballade pour Robert d’Estouville (Ibid. p. 230), Ballade des langues envieuses (Ibid. p. 236), Les
Contreditz de Franc Gontier (Ibid. p. 242), Ballade de la Grosse Margot (Ibid, p. 256).
156
Ballade des dames du temps jadis (VILLON, F. Op. cit., p.120-122), Ballade des seigneurs du temps jadis
(Ibid., p. 124-126), Ballade en vieil langage Françoys (Ibid. p. 128-130), Belle Heaulmière aux filles de joie
(Ibid. p. 144-146), Double Ballade (Ibid. p. 154-158), Ballade des femmes de Paris (Ibid. p. 248-250), Ballade de bonne doctrine (Ibid. p. 266-268) e Ballade de mercy (Ibid., p. 286-288).
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e em uma balada em decassílabo157 a oferenda é regular. Em quatro baladas em
decassílabos, a oferenda possui quatro versos (CDCD) e em outras duas ela possui seis (CCCDCD) e sete versos (CCCDCCD) cada uma.158
O Grande Testamento também possui uma “Balada dupla”.159 Segundo A Arte e
Ciência de retórica, a balada dupla ou gêmea é composta por duas baladas comuns
sobrepostas, que alternam dois refrões diferentes: “Balada dupla (fatrisée) ou gêmea são duas baladas comuns ordenadas e entrelaçadas juntas de tal maneira que o começo de uma fornece o refrão da outra. E podem ser feitas e compostas com qualquer quantidade e número de sílabas que o autor queira, observando as regras acima referidas para a forma das baladas”.160 A Balada dupla do Grande Testamento possui seis estrofes de
oitavas quadradas, mas ela não possui “oferenda”.161 O refrão da Balada dupla não
retoma o último verso da estrofe anterior (de modo a alternar dois refrões distintos, como ela é descrita acima), mas é constituído por um provérbio repetido nas seis estrofes.162
2. O virelay ou rondó duplo
Além de quinze baladas, a edição Levet do Grande Testamento também possui dois rondós duplos ou gêmeos. Os rondós duplos também são chamados pela Arte de
retórica de Jean Molinet de “simples virelais”.163 Segundo as Regras de Segunda Retórica,
o rondó simples é composto por cinco linhas, e todas as linhas devem retornar à
157
Ballade des langues envieuses (VILLON, F. Op. cit. p. 236-238).
158 Ballade à s’amie (VILLON, F. Op. cit. p. 186-188), Ballade et oraison (Ibid. p. 216-218), Ballade pour
Robert d’Estouville (Ibid. p. 230-232), Les Contreditz de Franc Gontier (Ibid. p. 242-244), Ballade pour prier notre Dame (Ibid. p. 178-180), Ballade de la Grosse Margot (Ibid. p. 256-258 ), respectivamente.
159 VILLON, F. Op. cit., p. 154. 160
“Autre reigle: ballade fatrisée ou gemelle sont deux ballades communes tellement ordonnées et entrelacées ensemble que le commancement de l’une donne refrain a l’autre. Et se peuent faire et composer de quelque quantité et nombre de sillabes que l’acteur vouldr, en y observant les reigles dessusdictes en forme de ballades” (LANGLOIS, E., Op. cit. p. 300).
161
VILLON, F. Op. cit., p. 154-8.
162 “Bien heureux est qui riens n’y a” (“Quem nada quer é mais feliz”) (VILLON, F. Op. cit., p. 154).
163 “Simples virlais. Autre taille de rondeuax doubles, qui se nomment simples virlais, pour ce que gens lais les mettent en leurs chansons rurales, comme Gente de corps, se font en ceste maniere (...)” (“Outra medida de rondós duplos, que são chamados de simples virelais, pelo fato de pessoas laicas os colocarem em suas canções rurais, como Gente de corps, são compostos da seguinte maneira (...)”) (MOLINET, J. L’Art de Rhétorique, In: LANGLOIS, E., Op. cit., p.231).
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primeira.164 Como afirma Molinet: “Rondós gêmeos mantêm‐se juntos e é o pequeno no
conjunto parte do grande”.165 Essa definição explicita a duplicação dos versos do rondó
duplo que, em vez dos oito versos do simples, tem dezesseis, distribuídos em quatro estrofes de quatro versos. O rondó duplo retoma a primeira dupla de versos na segunda parte da segunda estrofe e também repete a primeira quadra no final do poema, segundo diferentes esquemas de rimas cruzadas e entrelaçadas. No Grande Testamento, o primeiro rondó duplo é iniciado por “Mort, j’appelle de ta rigueur”166 e o segundo é
iniciado por “Repos eternel donne à cil”.167 Os dois rondós duplos são formados por
rimas entrelaçadas, segundo o esquema ABBA.
C. AS FORMAS FIXAS ESPARSAS
Excetuadas as Baladas em jargão, o corpo poético atribuído a Villon desde a edição Levet possui sete baladas esparsas e uma quadra.168 As três baladas esparsas
compostas em octassílabos, bem como três baladas em decassílabos169 possuem uma
oferenda regular. Além disso, há uma balada em decassílabo com oferenda de sete versos (CCCDCCD).170 Todas as baladas esparsas da edição Levet são compostas com
base no esquema da balada comum, exceto a “Balada dos provérbios” (Ballade des
proverbes) e a “Petição ao Senhor de Bourbon” (Requeste a monseigneur de Bourbon).171
164 “Rondeaux sont simples lesquelz n’ont que 5 lignes; et fault que toutes les lignes [soient] retournables et sugites a la premiere ligne; et le puelt on faire de tant de silabes comment l’en vuelt, a ceste exemple: (...) Ainsi doit estre rondelez un rondel, et doit estre fait d’esquivoques ou de parfais sonnans, ou au moins de leoninés” (“São simples os rondós que possuem apenas cinco linhas; e é preciso que todas as linhas [sejam] retornáveis e subordinadas (sugites) à primeira linha; e se pode fazê-lo com tantas rimas quantas se queira, como por exemplo (...). Assim deve ser rondelado um rondó, e deve ser feito de equívocas ou de sonantes perfeitas, ou pelo menos de leoninas”) (LES RÈGLES de la seconde rhétorique, In: LANGLOIS, E., Op. cit. p. 20-1).
165 “Rondeaux jumeaulx. Rondeaux jumeaulx tiennent ensemble, et est le petit enson tout partie du Grant" (MOLINET, J. L’Art de Rhétorique, In: LANGLOIS, E., Op. cit., p. 228).
166 VILLON, F. Op. cit., p. 192. 167
VILLON, F. Op. cit., p. 288.
168 “Cause d’appel dudit Villon”, “Le rondeuz que feist ledit Villon quant il fut jugie”, “Epitaphe dudit Villon”, “Le debat du cueur et du corps dudit Villon”, “La requeste que bailla ledit Villon a messeigneurs de parlement”, “La requeste que le dit Villon bailla a monseigneur de Bourbon”, segundo as rubricas de Levet. Além disso, ele inclui a Ballade des Provérbios e a Ballade des menus propos, introduzidas pela rubrica “outre balade” (VILLON, F. Le grant testament Villon et le petit, son codicile, le jargon et ses balades. Edição de Pierre Levet, Paris, 1489).
169
Requeste a Monsieur Bourbon (VILLON, F., Op. cit., p. 350-2), Epitaphe Villon (VILLON, F., Op. cit., p. 368) Requeste a la Cour de Parlement (VILLON, F., Op. cit., p. 372-4).
170 Le débat du Cuer et du corps de Villon (VILLON, F., Op. cit., p. 354-8). 171 VILLON, F. Op. cit., p. 312-314, p. 351-353, respectivamente.