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As nações ou grupos étnicos embarcados para o Brasil foram variados e igualmente seus etnônimos ou termos de procedência. A opção por descrever inicialmente os grupos bantos e sudaneses foi necessária sobretudo porque o etnônimo central desta pesquisa é banto. Banto ou sudanês não foi categoria nominativa para escravizado. Esta classificação tornou-se comum pelos estudiosos que se debruçam sobre o período. É como se banto ou sudanês fosse um guarda-chuva. Embaixo do guarda-chuva banto estão os grupos da região da África centro- ocidental e embaixo do guarda-chuva sudanês estão os da região ocidental.

Em documentos é comum encontrar denominações referentes a escravizados como de nação angola, nação mina, congo, cabinda, benguela, rebolo, quiloa, monjolo. Tais etnônimos

86 REIS, Luiza Nascimento dos. A África nas publicações do Centro de Estudos Afro-Orientais (anos 1960). Anais

do XII Encontro Estadual de História da ANPUH de Pernambuco: História e os Desafios do Tempo Presente.

07-10 de agosto de 2018.

87 Estudiosos que indicam essas influências são respectivamente: Lopes, Nei. Bantos, malês e identidade negra. Autêntica. Belo Horizonte, 2011. PESSOA DE CASTRO, Yeda. Falares africanos na Bahia. Um vocabulário afro-brasileiro, 2ªed. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras: Topbooks Editora, 2005. SERRANO, Carlos e Waldman, Maurício. Memória D`áfrica: a temática em Sala de Aula. São Paulo: Cortez, 2007.

foram frequentes no Brasil. Eles são os mais conhecidos tenho em vista que além de relativa continuidade durante o período escravista englobavam per si etnônimos ainda mais específicos.

Aqui, evidenciamos, duas classificações entre as mais utilizadas nos trabalhos historiográficos recentes para o que se refere aos grupos africanos e suas respectivas regiões de procedência. Nos importa sobretudo analisarmos os etnônimos arrolados e as áreas africanas as quais eles se remetem.

A primeira classificação foi de Roger Bastide, influenciado pelos seus precursores Nina Rodrigues e Arthur Ramos. A análise do continente esteve associada aos espaços geográficos que mais comerciaram escravos durante os séculos com as américas. O autor dividiu em quatro grupos. Bantos da contra costa, bantos ocidentais, sudaneses e islâmicos. Entre os bantos da contra costa estavam os macuas, angicos e moçambiques. No que tange aos bantos ocidentais delimitou-se o grupo angola congolês (ambundas de Angola: cassangues, bangalas, imbangalas ou dembos, congos ou cabindas, benguelas). Entre os sudaneses contam os iorubás (nagô, ijexá, egbá, ketu, oyó, ifé,); daomeanos do grupo fanti-axanti (mina), do grupo jeje (de grupos linguísticos ewe e fon), e de menores grupos tais quais krumans, agni,zema e timini. Entre os islâmicos estiveram os peuhls, mandingas, haussas, tapas,bornus e gurunsi.

Mary Karash88 pesquisou vários aspectos referentes a vida de escravizados no Rio de Janeiro no XIX, tais como agenciamento de práticas culturais, espaços sociais e geográficos em conflitos e alianças. Para visualizar melhor os sujeitos, a autora analisou grupos étnicos e seus etnônimos de procedência com direção à África. Conforme a autora, a leva da procedência africana para o Brasil provinha destes três espaços do continente africano: a região centro- ocidental, ocidental e oriental.

A primeira, centro-ocidental, foi subdivida em três espaços. Angola, Benguela e Congo- Norte. Localizada desde extensão central de Luanda até o interior, passando pelo Rio Kuanza e o mercado caçange está Angola. O etnônimo para os escravizados poderia ser desde angola, rebolo e quissama89 a caçanje, moange, malange, cabundá90, ambaca91 e massangana92. O etnônimo protagonista deste trabalho, ‘casumba’ também foi encontrado nesta região na obra

88 KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das Letras 2000.

89 Grupos étnicos-linguísticos que viviam ao sul do rio Kuanza.

90 Povos que falavam quimbundo e viviam em Angola. Também podendo ser chamados de bundos no interior. 91 Ambaca era um grupo étnico que vivia entre Angola e Caçange.

de James Sweet93. Durante o período escravista ele possivelmente fez referência a topônimos e antropônimos cunhados por tal verbete de onde partiram escravizados.

Benguela era um porto localizado na parte sul de Angola. O etnônimo94 de mesmo nome fazia referência a grupos étnicos-linguísticos ovimbundos e povos vizinhos. Congo-Norte corresponde à extensão que vai do cabo do norte até o estuário do Rio Zaire. Grupos dessa procedência podiam ser denominados angicos, congos,95cabindas96, monjolos, gabões e congos.

Na parte da África oriental, correspondente ao que hoje é norte de Moçambique, nordeste da Zâmbia e sul da Tanzânia procedem os etnônimos macua, quiloa, quelimane, nambanna. Macua e nambanna eram grupos situados mais ao interior sinalizados muitas vezes como moçambiques.

A África ocidental, aludida à região da Costa da Mina ou Costa de Ouro está localizada a oeste do delta do rio Níger. Essas áreas atualmente correspondem a atual Gana, e estão entre as baías do Benin e golfo do Biafra indo até as ilhas de São Tomé e Príncipe e Cabo Verde. Para essas regiões foram recorrentes os etnônimos, jeje, calabar, haussá, nagô97, iorubas, mina98. Conforme Pierre Verger, o etnônimo mina era referente aos africanos que provinham da Costa Leste do castelo de São Jorge da Mina, compondo reinos de Uidá e Ardra tomados posteriormente pelos reinos do Daomé99. Também poderia agregar etnônimos específicos variados, tais como: mahi, modumbi, grunche, cotoli.

Em Pernambuco, no século XIX os africanos provinham da baía do Benin, baía do Biafra, Costa do Ouro, Senegâmbia e Costa Atlântica bem como do sudeste da África e ilhas do oceano índico, África centro-ocidental e Santa Helena. No TSTDB tem-se acesso as áreas geográficas de embarque de africanos. Elas são diferentes dos “termos de procedência”,

93 SWEET, James H. Recriar a África: cultura, parentesco e religião no mundo afro-português (1441-1770). Edições 70, LDA. 2007. p.37.

94Ao que indica Mary Karash, benguela era um termo bem similar a como os ovimbundo costumavam chamar e tom pejorativo seus vizinhos. Os termos eram nganguela ou ganguela e os vizinhos eram luimbes, luchazes, mbundas, mbwelas.

95Etnônimo referente aos bacongos do norte de Angola e sul do Zaire, atual República Democrática do Congo. 96 Esse etnônimo era referente a um porto no norte do rio Zaire utilizado no tráfico de gente.

97 Este etnônimo foi frequente no Brasil a partir do século XVIII quando traficantes de escravizados, copiando daomeanos, utilizaram-no como um guarda-chuva para diferentes grupos provindos das guerras entre Daomé e Oyó

98 Esse etnônimo, que funcionou como um guarda-chuva para grupos da referida região, é um dos mais analisados entre estudiosos. Para ver o debate Cf. VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo

de Benin e a Bahia de Todos os Santos (dos séculos XVII a XIX). Salvador: Ed. Corrupio, 4ª ed., 2002 (1968)

HALL, Gwendolyn Midlo. African Ethnicities and the Meanings of 'Mina'. In: LOVEJOY, Paul; TROTMAN, David V. (orgs.). Trans-Atlantic Dimensions of Ethnicity in the African Diaspora. Londres: Continuum Press, 2003, pp. 65-81. LAW, Robin. Etnias de africanos na diáspora: novas considerações sobre os significados do termo 'mina'. Tempo, Rio de Janeiro, n° 20, pp. 109-31, 2005.

conforme conceito de Mariza Soares. Entretanto, é através da relação linguística e geográfica dos termos de procedência já bem trabalhada pela Antropologia e História, que podemos afirmar que tais áreas correspondem as três elencadas pela classificação de Bastide. Ou seja, da África ocidental, oriental e centro-ocidental, respectivamente. Os africanos majoritários foram centro-ocidentais, como afirmam os principais referenciais teóricos da escravidão pernambucana.

Figura 2 – Regiões que mais comerciaram com Brasil durante período escravista

Fonte: TSDB100

100 Fonte: TSDB ELTIS, D. e RICHARDISON, D. Atlas of the Transatlantic Slave Trade, New Haven, 2010.Disponível em: http://www.slavevoyages.org/assessment/intro-maps acesso em: 20.01.2019.

Quadro 1- Áreas de embarque de africanos para Pernambuco no século XIX Área de Embarque ou Procedência Embarques Desembarques

TOTAL 297.015 259.403

Baía do Benim 7629 6.777

Baía do Biafra 22.908 19.584

Costa do Ouro 1.668 1.445

Senegâmbia e Costa Atlântica 2.912 2.593 Sudeste da África e Ilhas do Oceano Índico 17.447 15.105

África Centro-ocidental e Santa Helena 244.451 213.899 Fonte: TSTDB

O dado considerado demonstra que o grande contingente de pessoas desta região influenciou a descendência, costumes, práticas e vocábulos que circundaram os mais variados aspectos da cultura e nichos sociais. A única estabilidade do termo cazumbá é que etimologicamente ele veio de África e foi etnônimo para escravizados podendo ser referente a um topônimo pré-existente naquele continente. Quando e como ele transitou por Pernambuco é o que veremos a seguir.