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A dimensão atlântica do Cazumbá : práticas nominativas, identidades e africanismos em Pernambuco (c.1823-2018)

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CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MESTRADO EM HISTÓRIA

GRAZIELLA FERNANDA SANTOS QUEIROZ

A DIMENSÃO ATLÂNTICA DO CAZUMBÁ: práticas nominativas, identidades e africanismos em Pernambuco (c.1823-2018)

Recife 2020

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GRAZIELLA FERNANDA SANTOS QUEIROZ

A DIMENSÃO ATLÂNTICA DO CAZUMBÁ: práticas nominativas, identidades e africanismos em Pernambuco (c.1823-2018)

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do grau de Mestra em História.

Área de Concentração: Sociedades, Culturas e Poderes

Orientador: Professor Dr. José Bento Rosa da Silva

Recife 2020

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Maria do Carmo de Paiva, CRB4-1291 Q3d Queiroz, Graziella Fernanda Santos.

A dimensão atlântica do Cazumbá : práticas nominativas, identidades e africanismos em Pernambuco (c.1823-2018) / Graziella Fernanda Santos Queiroz. – 2020.

121 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. José Bento Rosa da Silva.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de Pós-Graduação em História, Recife, 2020.

Inclui referências e apêndices.

1. Pernambuco - História. 2. Etnologia. 3. Identidade. 4. Memória. 5. Cazumbá – Nome. I. Silva, José Bento Rosa da (Orientador). II. Título.

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A DIMENSÃO ATLÂNTICA DO CAZUMBÁ: práticas nominativas, identidades e africanismos em Pernambuco (c.1823-2018)

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do grau de Mestra em História.

Aprovada em: 17/02/2020

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Professor Dr. José Bento Rosa da Silva (Orientador)

Departamento de História/UFPE

__________________________________________

Professor Dr. Rômulo Luiz Xavier do Nascimento (Membro Titular Interno) Departamento de História/UFPE

__________________________________________ Professora Dr.ª Jacimara Souza Santana (Membra Titular Externa)

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Sou principalmente grata aos deuses, meus familiares e aos que antes vieram possibilitar que eu hoje seja.

À tia Dada, minha mãe e meu pai agradeço por todo suporte, empatia com o momento e oportunidades desde cedo para que eu faça o que gosto.

À Zahara, Mwali, Zuri, Bárbara, Jéssica e Rodolfo sou grata por nosso encontro familiar e pelo apreço que temos uns pelos outros apesar dos pesares. A Manoel agradeço por ser meu melhor amigo e companheiro de todos os momentos. Perdão e gratidão a vocês que amo.

Aos Cazumbás, por sobrenome ou descendentes dos apelidados Cazumbás, meus profundos agradecimentos. Pela cedência da fala e memória da família; pelo interesse constante sobre o andamento da pesquisa e por sua divulgação; pelo tratamento amistoso em diferentes encontros.

Ao meu orientador José Bento tenho muitas gratulações. Sem ele nada seria possível. Sou grata pela chance de pesquisar com uma pessoa como ele. Bento faz da sua epistemologia de mundo uma prática de vida e nos estimula a fazer o mesmo. Indica caminhos e também deixa que sigamos o nosso. Ele prova que profissionalismo e amizade podem andar juntos. Minha admiração e agradecimento vai para o Bento professor e o ser humano que é.

Agradeço aos professores Rubens Cruz, Luiza Reis, Wellington Barbosa, Itacir Luz, Dayse Moura, Rômulo Xavier, Marcus Carvalho, Gustavo Accioli, Camilla Correa, Sônia Almeida, Cristiane Prates, Rudylene Rocha, Kleber Clementino, Grasiela Morais, Isabel Guillen, Adriana Paulo, Bartira Ferraz, Leila Machado. Cada um marcou minha experiência formativa de alguma maneira e me ajudou a compor este trabalho. Sou muito grata a vocês. Obrigada também à professora Jacimara e ao professor Cristiano Christillino. O segundo por aceitar o convite para compor a banca enquanto suplente e a primeira também por aceitar compor a banca e ter junto a Bento principiado a pesquisa sobre os Cazumbás na Bahia.

À Coordenação da Pós-graduação de História, em especial a Sandra Regina, sou grata pela atenção, disponibilidade e acolhimento.

Obrigada Rayra, Anderson, Cleusa, Rosely, Maxuel, Naylane, Karla Leal, Karla Fagundes, Cybelle, Allan, Jefferson, Ronnei, Jonathas, Raphaela, Fred, Eduardo, Arthur, Mariana. Uns pela amizade permanente, e a maioria pelos risos, hipérboles, momentos de descontração e de estudos. Gratidão também pelas indicações bibliográficas e envios de textos em PDF.

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Agradeço ao CNPq pela concessão da bolsa de mestrado. Sem esta a pesquisa não se efetivaria em dois anos.

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Como sabe qualquer historiador, o passado é uma grande treva cheia de ecos. Dele, às vezes nos chegam vozes; mas o que estas tem a nos dizer vem impregnado da escuridão da matriz original; e, por mais que tentemos, nem sempre conseguimos decifrá-las com precisão, à luz mais clara do nosso próprio tempo.

(ATWOOD; Margaret,1985).

Já tirou a identidade tirando da terra. E ainda quando chega quer tirar mais ainda que é o nome? Não! Eu tenho é que lutar mais e mais por ele.

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no estado de Pernambuco a partir do século XIX. Este vocábulo quimbundo esteve presente em apelidos e sobrenomes de indivíduos de diferentes posições sociais. Escravizados, aquilombados, pessoas livres, traficante de escravo, militares tiveram em comum o termo nomeando-os. Anos passaram e o vocábulo cazumbá continua a re(existir) em sobrenomes. Não apenas em Pernambuco, é um dos poucos termos africanos em sobrenomes no país. Atualmente em regiões metropolitanas do Recife e na Zona da Mata Norte pernambucana, os Cazumbás anseiam por contar suas trajetórias e memórias relacionadas ao nome e descobrir as origens deste termo. Aqui perscrutamos desde práticas nominativas coloniais em escravizados, os diferentes sentidos e significados do termo em África e diáspora aliando a trajetórias e memórias de indivíduos ligados pelo fio do nome. A pesquisa demonstra como identidades africanas continuam sendo reconstituídas na diáspora a despeito da cultura hegemônica que ora subalternizou o legado africano no Brasil.

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since XIX century. This kimbundu vocable was present as nicknames and surnames in different social locus people. Slaves, studded, free people, militaries had in common the term naming them. Years were passed and the term cazumbá continues to resist in surnames. Not only in Pernambuco it is one of the few African surnamed terms in Brazil. Nowadays in Recife metropolitan areas and zona da mata of Pernambuco, the Cazumbás desire to tell their trajectories and memories associated to name and discover the term origins. Here we forebode since naming practices in slaves, the different term meanings and senses in Africa and diaspora combining with Pernambuco trajectories and memories linked by the name wire. The research demonstrates how African identities continue to be reconstituted in the Diaspora despite the hegemonic culture that here and there underestimated the African legacy in Brazil.

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Figura 1 – Ilustração que demonstra uma forma de prática nominativa em escravizado. .... ....29

Figura 2 – Bantos e Sudaneses...41

Figura 3 – Regiões que mais comerciaram com Brasil durante período escravista ... 47

Quadro 1 – Áreas de embarque de africanos para Pernambuco no século XIX...48

Figura 4 – Mapa étnico africano por Murdock (1959)...51

Figura 5 – Representação de explorador português Henrique Carvalho, em 1890 acerca do uso de máscaras em manifestações de máscaras similares as do chokwes ...55

Figura 6 – Etnia chokwe em ritual de memória pelos ancestrais ...55

Figura 7 – Caretas do Cazumbá no Maranhão ...56

Figura 8 – Topônimos kazumba em África ...57

Figura 9 – Mapa com países de África onde pessoas de etnia chokwe estão ...57

Quadro 2 – A relação de Josés com o nome Cazumbá até início do século XX ...63

Figura 10 – Amaro Cazumbá Lyra ...83

Figura 11 – Esposa de José Cazumba de Chã Grande ...84

Figura 12 – Nora de Pedro Cazumba e prole feminina ...86

Figura 13 – Antônio Claudino Constante ou Antônio Cazumbá, filha e neta ...86

Figura 14 – Antigo engenho Vicencinha ...89

Figura 15 – Casamento de Ernesto Joaquim Cazumbá ...90

Figura 16 –Bondes na praça da independência seguindo para Derby e Casa Amarela...91

Figura 17 – Francisco Joaquim Cazumbá, o homem dos bondes ...91

Figura 18 - Filhos e sobrinhos de Ernesto Cazumbá ...92

Figura 19 – Baobá em Engenho Poço Comprido, Vicência ...97

Figura 20 – Painel de fotografias familiares em encontro de Vicência ...101

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CEAO CENTRO DE ESTUDOS AFRO-ORIENTAIS

IAHGP INSTITUTO ARQUEOLÓGICO, HISTÓRICO, GEOGRÁFICO DE PERNAMBUCO

IBGE INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA

FUNDAJ FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO

NEAB NÚCLEO DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS

PE PERNAMBUCO

TSTDB THE TRANS-ATLANTIC SLAVE TRADE DATABASE

UFPE UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

UNESCO UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA SAÚDE, EDUCAÇÃO E CULTURA

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2 DA PRÁTICA DE NOMEAR ESCRAVIZADOS AOS POUCOS NOMES

AFRICANOS CORRENTES NA CULTURA ...28

2.1 OS HAVERES DAS PRÁTICAS NOMINATIVAS E DOS ETNÔNIMOS AFRICANOS...28

2.2 ETNÔNIMOS EM ESCRAVIZADOS NO BRASIL: TERMOS DE PROCEDÊNCIA, HETERO E AUTOIDENTIFICAÇÕES...31

2.3 DO TERMO À LOCALIZAÇÃO: DESDE “GUARDA-CHUVAS” A ESTEREOTIPIAS DE SENSO COMUM ...38

2.4 ETNÔNIMOS ESPECÍFICOS MAIS OCORRENTES NO BRASIL...44

3 DO NOME AO RUMO ...49

3.1 TRAÇANDO SIGNIFICADOS PARA A PALAVRA CAZUMBÁ: DE ÁFRICA A PERNAMBUCO ...49

3.2 ETNÔNIMO, APELIDO E SOBRENOME DE FAMÍLIA: CAZUMBÁS EM PERNAMBUCO A PARTIR DE PRINCÍPIOS DO XIX ...58

3.2.1 Procura-se um Cazumbá ...60

3.2.2 Capitão Cazumbá no tempo de Pernambuco Imperial ...68

3.2.3 Da herança liberal e do nome: a prole do Cazumbá ... 71

4 CAZUMBÁS CONTEMPORÂNEOS: GENEALOGIAS, PARENTESCO E EXPERIÊNCIAS ...78

4.1 CAZUMBÁS LYRA/LIRA/DE LIRA E O CASO DE CHÃ GRANDE...80

4.2 LAGOA DE APELIDADOS: CAZUMBÁS EM LAGOA DE ITAENGA...85

4.3 VICÊNCIA, “O BERÇO DOS CAZUMBÁS” DE PERNAMBUCO... 87

4.4 IDENTIDADES CAZUMBÁ: “SOMOS TODOS PARENTES” ...101

4.5 ENCONTROS EM VICÊNCIA ...103

5 CONSIDERAÇÕES ... 105

REFERÊNCIAS ... 109

APÊNDICE A – FONTES DE PESQUISA ...113

APÊNDICE B – MUNICÍPIOS EM QUE FORAM MAJORITARIAMENTE IDENTIFICADOS CAZUMBÁS A PARTIR DO SÉCULO XIX... 118

APÊNDICE C – TENTATIVAS GENEALÓGICAS DE TRÊS GRUPOS FAMILIARES CAZUMBÁS ENTRE SÉCULO XIX E MEIOS DO SÉCULO XX...119

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1 INTRODUÇÃO

Nós não víamos hora de desembarcar também, mas, disseram que antes teríamos que esperar um padre que viria nos batizar para que não pisássemos em terras no Brasil com a alma pagã. Eu não sabia o que era alma pagã, mas já tinha sido batizada em África, já tinha recebido um nome e não queria trocá-lo, como tinham feito com os homens. Em terras do Brasil, eles tanto deveriam usar os nomes novos, de brancos, como louvar os deuses dos brancos, o que eu me negava a aceitar, pois tinha ouvido os conselhos de minha avó (Dúrójaiyé). Ela tinha dito que seria através do meu nome que meus voduns iam me proteger [...] (GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor.Rio de Janeiro: Record, 2007).

• Do tema à questão

Nada que há na terra e mesmo no paraíso existe sem um nome, diz provérbio africano1. Para sociedades africanas tradicionais2, o ato de nomear pessoas é repleto de significados, não é concedido em vão. A cosmogonia de diferentes grupos do continente estabelece que todas as coisas estão interligadas e tem valor experiencial. Se palavra é tradição viva3, repleta de força vital, o nome dado a um ser representa a memória dos ancestrais e o pertencimento a um grupo.

O horário do nascimento, a temporada na colheita, o sexo da criança, a ordem genealógica (filho mais novo, mais velho, do meio), o ofício da família. Nomes de animais, plantas ou fenômenos naturais. Algo ocorrente quando do nascimento. São questões que influenciam a escolha. Por exemplo, alguns grupos étnicos-linguísticos Akan, em Gana, conservam a tradição de denominar pessoas de acordo com o sexo e dia do nascimento. Uma pessoa de sexo feminino que nasce na sexta é nomeada Kofii,Fiifi ou Fi. Se masculino em dia similar nomear-se-á Afua,Efua ou Efe4. Em grupos étnicos-linguísticos Kikongo5, um pai que recebe a notícia do filho longe de casa pode nomeá-lo de Nseke, ou seja, longe6.

1Sharifa M. Zawawi, African Muslim names: images and identities. Trenton, NJ: Africa World Press, 1998. xii.apud Liseli A. Fitzpatrick, B.A. African Names and Naming Practices: The Impact Slavery and European Domination had on the African Psyche, Identity and Protest. Presented in Partial Fulfillment of the Requirements for the Degree Master of Arts in the Graduate School of The Ohio State University. The Ohio State University THESIS.2012.

2 Quando falamos sociedades africanas tradicionais nos referimos a grupos em África sem ou pouca influência da colonização e colonialidade.

3BÂ, Amadou Hampaté, A. Tradição Viva In. História geral da África, I: Metodologia e pré-história da África / editado por Joseph Ki -Zerbo. Brasília :UNESCO, 2010.

4 Liseli A. Fitzpatrick, B.A.Op.cit.

5 O quicongo (em quicongo, kikongo) é uma língua banta falada nas províncias de Cabinda, do Uíge e do Zaire, no norte de Angola; e na região do baixo Congo, na República Democrática do Congo e nas regiões limítrofes da República do Congo.

6TAVARES, José Lourenço. Gramática da Língua Congo (Kikongo). Governo Geral da Província de Angola, 1915.

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O excerto do romance de Ana Maria Gonçalves que abre esta seção demarca como um problema histórico influiu nesta tradição milenar.

Por mais de 300 anos o mundo conviveu com o comércio e tráfico de pessoas advindas do continente africano para as Américas. Indivíduos que mesmo transportados dentro de tumbeiros em péssimas condições e nus, carregavam histórias, memórias e narrativas das suas vidas até ali. Talvez pareça obtuso lembrar, mas escravidão é uma condição e não um dado. As pessoas tinham nome, família, formas de expressar espiritualidade e compreender o universo. Para torná-las mais fracas e decerto dóceis, o modo operandi colonial criou ferramentas discursivas e práticas de aniquilação de referências passadas. Uma delas foi a anulação do nome de família. Essa prática já havia sido iniciada desde meados de 1440, quando europeus, em foco aqui para os portugueses na região central do continente, iniciaram contatos comerciais e religiosos com intenções de dominação e aproveitavam para rebatizar africanos com nomes europeus. John Thorton7, demarca 1491, pois foi quando o Rei do Congo, Nzinga a Nkuwu, “convertido8” ao cristianismo, foi batizado de Dom João I.

O discurso eurocentrado foi forjando cada vez mais justificativas religiosas, políticas e culturais para exploração natural e humana. Constituíram-se categorias hierárquicas e maniqueístas de seres, saberes e poderes. A Europa enquanto símbolo máximo de civilização e cultura oposta à África animalizada e entregue à barbárie.

Quando escravizados, mulheres, crianças e homens eram reificados, tornados coisas, “peças” da Índia. Em grande parte das ocasiões, já nos portos de embarque o processo do apagamento ancestral, patrimonial e identitário era realizado através do batismo. Como era próprio daquela mentalidade afirmar que os africanos não tinham deus, lei e rei9, os colonizadores acreditavam que a religião cristã era a que professava a verdadeira fé e única capaz pela libertação. Segundo eles, os africanos eram impuros, pagãos e primitivos, em estágio

7 THORNTON, John. Central African Names and African-American Naming Patterns. In: The William and Mary

Quarterly. Third Series, Vol. 50, n.4 (1993).

8 Apesar de usarmos a palavra conversão, não podemos afirmar que africanos quando com nomes europeus nesta época aceitavam a religião, nome e cultura europeia por completo. Muitos estudos nos explicam sobre a cosmovisão africana acumulativa e não maniqueísta. Ter um nome europeu poderia representar determinado prestígio social através da diferença, da agregação, do culto a um outro deus. Bem como tal fato também era estratégia de amizade e comércio com os que vinham para além dos mares. Já enquanto na situação de escravizados o contexto era outro. As pessoas não estavam em seus territórios naturais, eram obrigadas a terem nomes diferentes, numa tentativa de extinção do fundamento humano destas por parte dos colonizadores. Para discussões similares consultar: REGINALDO, Lucilene. Os Rosários dos Angolas: irmandades de africanos e crioulos na Bahia setecentista. SP: Alameda, 2011 e THORTON, Jonh Kelly. A África e os africanos na formação do mundo

atlântico, 1400-1800. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2004.

9DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. Ancestrais: Uma introdução à História da África Atlântica. Rio de Janeiro: Campus, 2004.

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inferior na escala evolutiva, portanto a única redenção para limpar suas almas seria o trabalho escravo.

No batismo era atribuído ao escravizado um nome cristão. Este nome poderia ser conglomerado com termos de procedência que faziam referência a reinos, vilas, grupos étnicos, lugares de embarque, características físicas, como cor. Por exemplo, observe-se estes nomes de escravizados retirados de um inventário de um homem rico no XIX em Pernambuco10: Manoel Congo, Joana Rebolo, Bernardo Angola. Bem como estes escravizados de um convento beneditino em Pernambuco: José crioulo, Maria das Candeias, José Vieira11. Essas terminologias genéricas sugerem desde o lugar de procedência africana dos indivíduos até características étnicas, físicas e nome da família do dono.

Judicialmente, não podemos afirmar que tais termos eram sobrenomes. Os escravizados não os tinham. Estes vocábulos podiam até demarcar certa ancestralidade africana, mas cunhada por outros, circunscrita a priori para demarcação de mercadoria. Entretanto isto não foi uma regra. Ao longo da experiência do cativeiro a manipulação de tais vocábulos imbricou aspectos de identidade, arranjos experienciais e incorporações da cultura. Este trabalho é sobre um desses termos e sua excepcionalidade.

Estamos nos referindo ao vocábulo cazumbá. Com ascendência da região central africana e do tronco étnico-linguístico banto desde o século XIX nomeia pessoas em apelidos e sobrenomes em Pernambuco. Esse vocábulo se torna peculiar na medida da sua multiplicidade de significados e na sua manutenção até os dias atuais enquanto sobrenome de família.

Este termo também é encontrado em outros estados como Bahia, Paraíba, Rio de Janeiro, São Paulo, Rondônia, Paraná, Amazonas e tem-se constituído entre membros pernambucanos que todos os Cazumbás do Brasil são familiares. Ora, se mais da metade da população brasileira é afrodescendente12 e seus sobrenomes pouco ou nada tem relação com a África devido ao monismo cultural13 presente em sociedades colonizadas, podemos afirmar ser

10 Estes nomes estão no trabalho de SILVA, Gian Carlo de Melo. Escravidão e bens no Recife no limiar do século XIX. In: Escravidão e tráfico de escravos como experimentação histórica. Revista Transversos, Rio de Janeiro, Vol. 02, nº. 02, p. 108-120, mar.-set. 2014..

11 Estes nomes estão no trabalho de COSTA, Robson Pedrosa. Escravos Senhores de escravos. Pernambuco, séculos XVIII E XIX. História e Perspectivas, Uberlândia (57): 149-176, jul./dez. 2017.

12Ser afrodescendente ou negro no Brasil corresponde à somatória de pessoas que se autodeclaram pardas mais as que se autodeclaram pretas. Segundo o Censo do IBGE de 2010, 47,7% que se autodeclaram da cor branca, 43,1% parda e 7,6% preta, além de 1,1% amarela e 0,4% indígena. Disponível em: A cor e a raça nos censos demográficosnacionais.http://www.geledes.org.br/cor-e-raca-nos-censos-demograficos-

nacionais/#ixzz4HvlACEAz. acessoem:20. agosto.2016.

13Monismo cultural diz respeito a preponderância de uma cultura em detrimento de outras existentes nos mais diversos aspectos epistemológicos de uma sociedade. No Brasil, essa cultura majoritária de poder é a ocidental e eurocêntrica. Para uma discussão mais apropriada consultar SODRÉ, Muniz. Reinventando a educação: Diversidade, descolonização e redes. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.

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a trajetória de indivíduos que tem Cazumbá no nome excepcional quando comparada com a trajetória da maioria dos brasileiros.

As polissemias são abundantes. No século XIX ele pode ter sido um termo que queria dizer sobre o lugar de procedência de escravizados; pode ter atravessado o atlântico já nomeando alguém que talvez nem escravizado fosse14; por outra forma porventura pode ter sido nome de engenho e escravizados ao alcançarem a liberdade optaram por carregar o nome por motivos vários evidenciados durante a dissertação15. De outro modo, como outras tantas palavras bantas, pode ter sido incorporada e carregado significados e representações específicas para tal sociedade, o que teria possivelmente feito, pessoas serem apelidadas pelo vocábulo ou o incorporarem ao seu próprio nome.

Este termo que no século XIX pernambucano nomeou e apelidou diferentes pessoas de lócus social que não tinham obrigatoriamente relação de parentesco, presentemente é encontrado no estado enquanto sobrenome de famílias extensas que habitam inicialmente municípios da Zona da Mata Norte pernambucana estendendo-se mais contemporaneamente em diferentes cidades e bairros da Região Metropolitana do Recife16( Ver mapa em apêndice B).

Essa pesquisa faz parte de desdobramento do estudo introduzido17 pelo professor doutor José Bento Rosa da Silva, que é o orientador deste trabalho. O atento pesquisador percebeu em 2011 durante situação cotidiana quando esteve na Bahia um sobrenome diferenciado (por ser africano) e famoso pelas bandas do Recôncavo. Cazumbá ali, era conhecido como nome da família dos pretos distintos, que um dia tiveram muitas terras e posses. Desta feita, José Bento procedeu pesquisando o grupo familiar desde meados do fim do regime escravista até hodiernamente. Seguiu narrativas de memórias e trajetórias mais a inquirição de documentações variadas de pessoas que também tinham muito interesse em saber mais sobre a ancestralidade da família e do nome. Tal pesquisa rendeu além de uma bela amizade entre o

14Tem-se indícios que africanos não vieram para Pernambuco apenas em situação de escravidão. Elites africanas mantiveram relações de comércio presencialmente em território colonial, exemplo disto é uma pintura de Debret que representa uma reunião entre a elite do Congo e os Holandeses em Pernambuco.

15Alguns estudos apontam que uma das estratégias utilizadas por escravizados foi a de ao conseguir a condição de livre retirar do sobrenome a característica que o ligava ao continente africano, inserindo por vezes o sobrenome do dono e/ou engenho vinculado. Tal prática tem ligação com a tentativa de passar-se despercebido, pois ser negro e ter ligação com África, passou a ser sinônimo de ser escravo, como ressalta Ilka Boaventura Leite. LEITE, Ilka Boaventura. Os Sentidos da Cor e as Impurezas do Nome: os termos atribuídos à população de origem africana. Florianópolis: UFSC, Cadernos De Ciências Sociais, Vol. 08, n. 2., 1988, pp.04 - 12.

16 Com exceção para a família do José Gomes do Rego ou Capitão Cazumbá que tem até o momento apresentando-se como ancestral mais remoto de sua prole geograficamente localizada no centro do Recife a partir de 1824. Apesar disso, não conseguimos ainda rastrear os entes dessa família até o presente século.

17No processo de iniciativa da pesquisa, coleta de fontes e entrevistas orais participou igualmente a professora Jacimara Souza Santana, professora de História da África pela Universidade do Estado da Bahia.

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professor e os membros da família, a publicação do livro “Família Cazumbá: As peculiaridades

dos descendentes de africanos nos últimos anos da escravidão e no pós-abolição (Recôncavo da Bahia - c. 1879 - 2011)” que contribui fortemente com a historiografia da diáspora africana

no Brasil.

Durante a pesquisa, Bento percebeu que o grupo não estava limitado a Bahia. Em outros estados também Cazumbás coabitavam. A pesquisa ramificou-se.

Enquanto orientanda (desde do segundo período tive gosto pelas aulas, atividades extraclasse e do NEAB-UFPE incentivadas por Bento, logo eu já tinha em mente que o queria enquanto orientador) senti muito interesse profissional e pessoal pela pesquisa desenvolvida por Bento.

Minha paixão por História diz respeito a fazer constantes indagações de como hierarquias são constituídas através das narrativas de grupos que vencem. Desta forma, opto por analisar outros sujeitos e elucidar outras narrativas18, que também estão imbuídas de hierarquias, mas que muitas vezes estiveram colocadas em lugar inferior nos estudos históricos. Como a História da África e dos afrodescendentes, por exemplo. Investigar um termo africano que continua presente, apesar das adversidades, é afirmar a contribuição e presença da cultura africana e neste caso banto (que também foi ora subalternizada) bem como inquirir como indivíduos constroem, reconstroem e significam dinâmicas de identidade a depender do contexto histórico.

Assim, como a pesquisa sobre Cazumbás em Pernambuco no XIX estava em princípio e contatos com os Cazumbás contemporâneos do estado decorriam em andamento, Bento me deu o prazer de seguir junto na caminhada.

O objeto fundante da dissertação é o termo cazumbá. O objetivo principal desta é investigar e analisar a circularidade do termo como apelido e sobrenome, os significados, apropriações e utilizações deste em Pernambuco acerca de 1824 e 2018. Aliado a esta intenção, buscamos sinais de trajetórias e memórias dos que carregaram e carregam o termo cazumbá no nome.

No Brasil, são poucas as pesquisas na área de História que trabalham especificamente com termos africanos no nome ou sobrenomes em longa duração, principalmente por serem incomuns no país. A maioria dos estudos averiguam o termo étnico e aspectos de identidade étnica manipulada por africanos em diferentes espaços da cultura. Algumas dessas pesquisas denotam a influência dos termos étnicos para constituição de laços de solidariedade, parentesco,

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poder. Outras analisam características culturais de grupos na diáspora e comparam ou relacionam com dinâmicas culturais de áreas específicas em África. Apesar de não ser esse o olhar com o qual traçamos o trabalho, sobretudo por não analisarmos Cazumbá enquanto grupo étnico, mas sim focarmos na maneira como o etnônimo tem circulado principalmente como nome para diferentes pessoas, muitas das discussões propaladas no trabalho se basearam em bibliografias sobre a História de determinados grupos étnicos africanos no Brasil.

Somado ao conteúdo supracitado, contribuem Mariza de Carvalho Soares19e Camilla Agostini20 , pois realizaram pesquisas no que diz respeito a influência dos etnônimos concedidos aos africanos e as relações identitárias manipuladas a partir dos termos. Agostini discutiu as escolhas pelo contínuo carregamento deles aliados ao nome (principalmente ao novo nome quando na libertação). As pesquisas contribuem para refletirmos a complexidade da concessão de nomes a africanos convertidos em escravizados, as estratégias individuais arquitetadas por eles e as reinvenções promovidas por aqueles que como qualquer ser humano pretendiam viver bem mesmo em situações fatídicas.

Alguns trabalhos têm-se debruçado a refletir desde a importância do nome para sociedades africanas, às práticas nominativas direcionadas aos africanos quando na condição de escravizados. Agrega-se a isto a investigação acerca do impacto identitário em afrodescendentes de tais práticas e os nomes adotados pelas populações no pós-abolição. Os trabalhos evidenciam que uma reviravolta identitária a partir de 1970 provocou interesse de afrodescendentes no mundo por revisitar e ressaltar narrativas que os conectem ao continente. A escolha e/ou ressalva por carregar um nome africano tem sido um sinal desse fenômeno. Estes trabalhos, que contribuíram vigorosamente com esta dissertação, são maiormente estadunidenses, sul-africanos, caribenhos e franceses. Exemplos deles são: “African Names and Naming Practices: The Impact Slavery and European Domination had on the African Psyche, Identity and Protest”, de Liseli A. “African Names: Reclaim Your Heritage”, de Samaki e “La blessure du nom: une anthopologie d’une séquelle de l’esclavage aux Antilles-Guyane Louvaine” por Philippe Chanson.

Um favorável aspecto para as pesquisas acima é que em determinados países está mais viável discernir os nomes de escravizados e afrodescendentes de pessoas não escravizadas. A começar pela documentação disponível que traz os nomes antecedentes dos escravizados, bem

19 SOARES, Mariza Carvalho de. Mina, Angola e Guiné: Nomes d’África no Rio de Janeiro Setecentista. IN:

Tempo, Vol. 3 - n° 6, dezembro de 1998.

20AGOSTINI, Camilla. Africanos e a formação das identidades no além-mar: um estudo de etnicidade na experiência africano no Rio de Janeiro do século XIX. História & Perspectivas, Uberlândia (39): 241-259, jul.dez.2008.

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como o fato de ter uma relativa diferenciação de termos para nomes de pessoas escravizadas ou saídas do escravismo.

No Brasil, além de terem sido desfeitos e não documentados os nomes ancestrais africanos, muitos egressos da escravidão adotaram sobrenomes dos senhores, de engenhos trabalhados, termos de origem cristã ou europeia. Por isso hoje é tão comum achar brasileiros afrodescendentes ou não com sobrenomes Pereira, Salles, Queiroz, Souza, Silva21 e sentir surpresa quando um grupo grande de pessoas tem sobrenome africano.

• Teorias, metodologias e fontes

A utilização da prática historiográfica da História social aliada à micro-história tem sido significativa para averiguar com mais profundidade quesitos chave desta pesquisa. Primeiro: a problemática do termo cazumbá. O vocábulo não vinculado à apelido ou sobrenome é extremamente polissêmico. Apresenta significados simbólicos e geográficos tanto em África quanto na diáspora. Segundo: ao transportar o termo para nomes em Pernambuco do século XIX os seus usos e significados se alteram e também se inter-relacionam com África.

Ao operarmos a sugestão de Ginzburg, analisamos um fenômeno circunscrito em diferentes contextos e escalas de análise tendo em mãos uma variedade de aporte teórico. Buscamos em História, Antropologia, Linguística, Onomástica, Artes e Literatura bibliografias acerca do que se sabe sobre o termo. Fomos, através do paradigma indiciário, ao rastreamento dos sujeitos em diferentes tipos de fontes. Percebemos nesse processo a pertinência do método

onomástico22, também conceituado por Ginzburg. O nome assumiu o papel de fio condutor de

guia na pesquisa.

Se fôssemos analisar o termo através de um viés macro-histórico diríamos apenas que a partir de análises diaspóricas da tradição africana o termo cazumbá se refere a divindades que coabitam o mundo dos vivos e mortos e gostam de traquinar nas noites. Diríamos também que na diáspora o termo é usado para nomear personagens de manifestações culturais que utilizam máscaras para representar tais divindades africanas ou um termo de ascendência africana para denominar escravizados. A maioria das fontes bibliográficas tradicionais indicam essa

21 Só de Silvas, foram contabilizados 3 milhões em 2014.

22 De acordo com Ginzburg o método onomástico, ou seja, a partir da inquirição pelo nome, característica que singulariza o indivíduo, é possível rastrear o sujeito no labirinto documental e explorar sentidos sociais, políticos e culturais em que ele esteve inserido.

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conclusão. Sem considerar o contexto, a mudança e a cultura poderíamos além de transpor o significado observado em África para o Brasil, limitar as possibilidades que o termo apresenta.

Micro-histórias em movimentos23 ou micro-histórias sociais24 são assim o cerne metodológico do trabalho. As pesquisas dos intelectuais que evidenciaram estes conceitos são elementares para o nosso percurso discursivo. Rebecca Scott e Jean Hébrard em “Provas de

Liberdade: uma odisseia Atlântica na era da emancipação”, seguem caminhos de uma família

desde o XVII entre África, Europa e América do Norte. Identidades, resistências, luta por direitos, estratégias humanas de lide com o social e com a democracia que parece mais democrática para uns que outros. Da mesma forma Marcus Carvalho, João José Reis e Flávio Gomes em “O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico no Atlântico Negro (c.1822- c.1853)” rastrearam as pegadas de um perspicaz ex-escravizado num oceano de ambiguidades. Em ambas obras, quando os protagonistas se ausentam das documentações, as narrativas são embaladas por possiblidades, probabilidades e aproximações dentro das conjunturas parcialmente determinadas historicamente. São nos apresentados contextos sociais, questões jurídicas e políticas. Paulatinamente, notamos melhor os sujeitos do passado e a sociedade que experienciaram.

As fontes relacionadas aos sujeitos que carregam o termo cazumbá são de caráter abrangente e podem ser divididas em quatro partes. A primeira é o levantamento bibliográfico por diferentes pesquisadores com relação às origens e significados do termo cazumbá. A segunda, diz respeito às fontes de caráter primário e secundário que foram buscadas nesses arquivos: Biblioteca Nacional – Hemeroteca Digital Brasileira; Arquivo Público Jordão Emereciano (APEJE); Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ); Anais Pernambucanos. Neste item, também estão inclusos a Revista Trimensal do Instituto do Ceará do 3º e 4ª trimestres de 1900 e a transcrição dos documentos da missão de José Maria Rebello25 (1824-1826), bem como os escritos pessoais de Frei Caneca sobre a Confederação do Equador, transcritos por Evaldo Cabral de Melo em seu livro26. A terceira tange às entrevistas orais realizadas com Cazumbás contemporâneos. A quarta concerne a databases disponibilizadas online.

Na Hemeroteca da Biblioteca Nacional, a qual disponibiliza uma diversidade de jornais online, pesquisamos o termo Cazumbá e começamos os rastreamentos dos sujeitos. Lá

23REIS, João José. Da “história global” à “história em migalhas”: o que se perde, o que se ganha. In: Guazzelli, Cesar Augusto Barcellos; et al. (org.). Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2000.

24 HÉBRARD, Jean M. e SCOTT, Rebecca J. Provas de liberdade: uma odisseia atlântica na era da emancipação. Campinas [SP]: Ed. Unicamp, 2014.

25 Embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre os anos de 1824 até 1829.

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encontramos fugas de Cazumbás escravizados, Cazumbás donos de escravos, Cazumbá enquanto militar na Confederação do Equador bem como seu filho, anos depois na Revolta Praieira.

No APEJE, analisamos Atas do Conselho do Governo do Estado que tinha um Cazumbá, já conhecido nosso pelos jornais, enquanto integrante de comissão enviada pelas forças armadas27. Nos Anais Pernambucanos entrevimos a popularidade deste Cazumbá participante da Confederação do Equador e na FUNDAJ topamos com registros de Cazumbás aquilombados nas Matas dos Catucás caçados pela Expedição do Tenente Comandante Francisco José Martins.

Como última tipologia de fonte contamos com o suporte documental de quatro databases disponíveis online. Elas ajudaram com noções quantitativas de embarque de escravizados centro africanos para Pernambuco no XIX, nomes de escravizados, nomes e localização geográfica, nomes de famílias, bem como documentos cartoriais de nascimento, casamento e morte. Tais foram: The Trans-Atlantic Slave Trade Database, Forebears, Geonames Web Service Documentation e Family Search.

Destacamos a importância da História Oral sobretudo para o estudo das trajetórias dos Cazumbás contemporâneos. Esta tipologia narrativa nos invoca interpretações, versões e experiências acerca da História em dimensões variadas. Relações de conflito e consenso, espaço e tempo28 são confrontadas com vidas pessoais dos Cazumbás. Procuramos a partir da utilização complementar deste aporte teórico e metodológico identificar aspectos de memória e ascendência, identidade e coletividade de grupos familiares que tem o sobrenome em comum. A História oral nesta dissertação foi utilizada não como método, mas enquanto técnica complementar29. As fontes orais aqui trabalhadas não correspondem somente às entrevistas. De acordo com Meihy30, História oral é mais do que a documentação oral propriamente dita. Diz respeito a qualquer recurso que guarda vestígios de manifestações da oralidade. Conversas esporádicas, registros sonoros de ruídos e gravações de músicas gravados serviram de fonte.

Identificamos na atualidade dois grupos familiares Cazumbá. Um tem o passado ligado à Paraíba e depois Vicência em Pernambuco; outro está relacionado à Vitória- PE e Chã Grande

27Encontramos este mesmo homem, que integrou o exército liberal durante a Confederação do Equador, na Revista Trimensal do Instituto do Ceará do 3º e 4ª trimestres de 1900 e na transcrição dos documentos da missão de José Maria Rebello), também um processo contra chefe da polícia tendo um Cazumbá, igualmente nosso conhecido dos jornais e filho do supracitado, enquanto testemunha.

28DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História e Memória: metodologia da história oral. In: História oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

29 ALBERTI, V. Manual de história oral.2. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getulio Vargas, 2004 (a). v.1. 30 MEIHY, J.C.S.B. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 2002. 246p.

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– PE. Além disso, há uma descendência de pessoas em Lagoa de Itaenga - PE que contam sobre seus parentes apelidados Cazumbá e como isto influenciou a identificação social e histórica daquela família com o termo. Os três grupos tem familiares em torno da região metropolitana do Recife.

Ao longo da pesquisa, tivemos encontros presenciais e contatos orais com os grupos supraditos. Em encontro anual da Família Cazumbá de Vicência em que estivemos presentes houve o registro de uma série documental. O tipo de História oral que empregamos foi o de História de vida. Procuramos identificar entre os membros os indícios de como um termo que séculos atrás não unia necessariamente as pessoas parentalmente se converteu presentemente na alegação de serem os Cazumbás de todo o Brasil pertencentes de uma única linhagem.

Nesta etapa citada acima, conceitos e técnicas da pesquisa qualitativa nos foram úteis31. A primeira opção foi a observação participante na qual prezamos pelo ato da escuta, observação do espaço e das pessoas; não necessidade de formalidade em todos os momentos e da percepção de ser observador bem como observado pelos membros. Também intencionamos pela pesquisa-ação. Esta que articula o conhecimento ao agir social através da comunicação, somada à observação participante, tornou a relação entre os envolvidos mais próxima, fluida e com intencionalidade similar de perspectiva social.

As perguntas32 realizadas na entrevista tinham o intuito de revisitar as memórias ancestrais da família e investigar a possibilidade ou não de todos os Cazumbás de Pernambuco na contemporaneidade pertencerem a mesma genealogia. Também deslocamentos geográficos familiares, os ofícios e ocupações, a experiência de carregar um sobrenome “diferente” foram eixos investigativos. O produto final, bem como o texto e fotos foram entregues para os Cazumbás.

Consoante Halbwachs33, a memória coletiva diz respeito ao sujeito que é individual e também agrupa lembranças e experiências coletivas marcadamente sociais. Revisita-las consciente de suas influências narrativas coadjuva enquanto objeto para análise histórica. Concordamos com Le Goff quando nos lembra que “tal como o passado não é a história, mas o seu objeto, também a memória não é a história, mas um dos seus objetos e, simultaneamente, um nível elementar de elaboração histórica34.”

31Como para esta etapa unimos muito a História à Antropologia usamos de referência para pensar tais questões: MORAES, M. História oral e multidisciplinaridade. Rio de Janeiro-RJ: Diadorim/Finep, 1994. E ALBERTI, V.

Manual de História oral. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.

32 Concebidas de forma descritivas e gravadas em aparelho de MP4.

33 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2003.

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O grupo de pessoas que carrega este nome é grande e aqui por estudarmos os Cazumbás desde o XIX precisamos de certo ressequimento. Dissemelhantemente da pesquisa de José Bento, este trabalho não conta a História de uma família Cazumbá. Ela procura as pistas que indicam circunstâncias pelas quais pessoas carregaram e carregam tal termo no apelido e nome da família. Escolhemos no corpo do trabalho não expor nomes dos entrevistados. Letras os indicam. Nomes completos e lugares das entrevistas constam na seção fonte.

O campo teórico que dirige está dissertação é o da diáspora africana. Esta apresenta percursos heterogêneos. As áreas das ciências humanas que mais se detiveram ao ramo são Antropologia e História. Antes, com aspectos muito próprios de cada área do conhecimento no dado tempo. Presentemente, o imbricamento das duas num viés interdisciplinar e social tem contribuído para diversificar possibilidades das experiências culturais afrodescendentes no mundo35.

Já no final do século XIX afro-americanos envolvidos em grupos, publicações e eventos acadêmicos questionavam o racismo, o silenciamento e/ou a estereotipia destinada aos povos africanos. W.E.B. DuBois36 e Carter G.Woodson37 apesar de serem precursores, por vezes não são muito citados. Suas pesquisas, salvo ressalvas, estiveram mais voltadas para a realidade afrodescendente dos Estados Unidos. A teoria e metodologia a ser aplicada na área da diáspora alvorece dos intelectuais do início do XX, entre 1930 e 1950, que são do campo da Antropologia.

De Nina Rodrigues, Manuel Querino, Arthur Ramos, Roger Bastide, Edison Carneiro a Melville Herskovits, Jean Price-Mars e Fernando Ortiz38 buscava-se estudar etnograficamente as populações afrodescendentes recém egressas do sistema escravista. Em países como, Brasil, Haiti, Estados Unidos, Cuba era objetivo reconstruir os elos entre África e Novo Mundo com o

35 Para mais discussões acerca deste debate, consultar: Schwarcz, L. Entre amigas: relações de boa vizinhança,

Revista USP, n.23, 1994.

36 Cf. DUBOIS. W.E.B. The Suppression of the slave trade to the United States, Harvard Historical Studies, 1896.

37 Carter G.Woodson (1875-1950) foi fundador do Jornal of Negro History, primeiro a pesquisar e reunir pesquisas acerca da diáspora africana, em 1916.

38 Cf. RODRIGUES, Nina. Os Africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010.QUERINO, Manuel. Costumes africanos no Brasil. 2 ed. Recife: Fundaj, Ed. Masssangana, Funarte, 1988. RAMOS. Arthur. O Negro Brasileiro: Etnografia Religiosa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940. BASTIDE, R. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpretações de civilizações. São Paulo, Pioneira/ Editora da Universidade de São Paulo, vol. 1, 240 p.; vol. 2, 1971. CARNEIRO, E. Religiões

Negras/Negros Bantos. 2ª ed., Rio de Janeiro/Brasília, Civilização Brasileira/INL, 1981. HERSKOVITS,

Melville. Antropologia Cultural. São Paulo: Editora Meste Jou,1963. PRICE-MARS, Jean. Así habló el tío. Santo Domingo: Editora Manatí, 2000, p.64.ORTIZ, F.Los negros brujos. La Habana, Editorial de Ciencias Sociales, 1975 (1906).

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levantamento de “sobrevivências” (religiões, folclore, línguas) culturais africanas diretas e comparações entre diáspora e África.

Inegavelmente esses pesquisadores fizeram trabalhos de peso que são referenciados em diferentes áreas das Ciências Humanas, entretanto um aspecto é controverso. A maioria deles procurava por traços “originais” da cultura africana na diáspora. Este pensamento foi um dos responsáveis pela valoração positiva da África Ocidental em contraponto à África central. A evidência de que as religiões da região iorubana tinham facetas nos candomblés diaspóricos enquanto a religiosidade da África central aderia a aspectos do catolicismo criou um senso comum de superioridade dos primeiros. Não foram considerados o peso da História pré-colonial que já indica as mestiçagens culturais e cosmogonia banto associativa.

A partir da década de 60 o perfil dos estudos da diáspora ampliou consideravelmente. Foram inseridos aspectos demográficos e econômicos às análises do tráfico de pessoas. Ficaram documentadas as entradas de africanos e suas procedências. Tais dados inicialmente levantados por Philip Curtis, David Eltis, Paul Lovejoy e Martin Klein resultaram em contribuições variadas de pesquisadores e de organizações mundiais principiando o que conhecemos hoje como The Trans-Atlantic Slave Trade Database.

O The Trans-Atlantic Slave Trade Database39, é um banco de dados produto de pesquisas financiadas internacionalmente pela UNESCO, principalmente estadunidenses, britânicas, brasileiras, portuguesas, holandesas e francesas. Investigadores de áreas das ciências humanas coletaram fontes acerca das viagens de navios negreiros e compendiaram em formato de computador. Atualmente, os dados deste arquivo online subsidiam pesquisas em diferentes territórios americanos, inclusive no Brasil. Nome de navios, quantidade da embarcação, rotas, origens e nomes de escravizados, são exemplos dos materiais disponíveis na plataforma e que por serem produtos de informações generalizadas precisam também passar por análises minuciosas dos que fazem seu uso.

Alterações epistemológicas no fazer antropológico bem como historiográfico nos finais da década de 70 transformaram algumas perspectivas. Estas duas tipologias de pesquisa da diáspora africana, uma mais etnográfica e outra mais voltada para dados auxiliaram investigações que imbricam ambas somadas a uma nova percepção para cultura. O conceito foi ampliado e entraram em cena as ressignificações, mestiçagens, os hibridismos. Na história de cunho social, prezou-se mais pelos processos de diferenciação e constituição de identidades do que por explicações estruturais e numéricas sobre a sociedade.

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Tal interpretação é observada no clássico “O nascimento da Cultura afro-americana”, de Sidney Mintz e Richard Price40. Os autores propõem a partir do intercâmbio entre Antropologia e História o questionamento de como a escravidão impactou os rumos experienciais dos afrodescendentes. Para eles, ainda que parte da cultura africana tivesse sido perdida, na diáspora sujeitos se reinventaram através das outras culturas coloniais formando uma nova e por vezes diferentes das precedentes.

Autores contemporâneos como John Thorton, Alberto da Costa e Silva, Paul Gilroy, Robert Slenes, James Sweet, João José Reis41 afiguram-se ponderando tal horizonte. Em suas análises estão evidentes que as adversidades decorridas da escravidão não foram capazes de silenciar ou fazer pessoas esquecerem culturas pré-existentes do outro lado do Atlântico. As obras reconhecem a historicidade e diversidade africana antes dos processos colonizadores, focam em narrativas e trajetórias que ligam descendentes da diáspora com a fatos e grupos de África. Evidenciam-se aspectos intercambiais, de linguagens, cosmogonias, encontros, reinvenções, heranças.

O Brasil é um país extraordinariamente africanizado. E só a quem não conhece a África pode escapar o quanto há de africano nos gestos, nas maneiras de ser e viver e no sentimento estético do brasileiro. Por sua vez, em toda a outra costa atlântica se podem facilmente reconhecer os brasileirismos. Há comidas brasileiras na África, como há comidas africanas no Brasil. Danças, tradições, técnicas de trabalho, instrumentos de música, palavras e comportamentos sociais brasileiros insinuaram-se no dia-a-dia africano. [...] Com ou sem remorso, a escravidão foi o processo mais importante de nossa história [...]42.

O nome Brasil neste excerto pode ser facilmente substituído por qualquer país marcado pela escravidão de africanos. Fica patente que no tocante à cultura dos afrodescendentes não é questão de adquirir uma nova cultura ou aniquilar outra, é mais como a memória e a cultura

40 Cf. MINTZ, Sidney W. e PRICE, Richard. O nascimento da cultura afro-americana. Uma perspectiva antropológica. Rio de Janeiro: Pallas; Universidade Cândido Mendes, 2003.

41 Cf. THORTON, John. A África e os africanos. A formação do Mundo Atlântico,1400 -1800. RJ: Elsevier,2004. COSTA E SILVA, A. A manilha e o libambo: a África e a escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Rio de

Janeiro: Ed. 34; Universidade Cândido Mendes, 2002. SLENES, Robert. A Grande Greve do Crânio do Tucuxi: espíritos das águas centro-africanas e identidade escrava no início do século XIX no Rio de Janeiro. In: HEIWOOD, Linda. (org.) Diáspora negra no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2008, p. 193-217. SWEET, James H. Not a Thing for white Men to see: Central African Divination in Seventeenth-Century Brazil. In: CURTO, José C. & LOVEJOY, Paul. Enslaving Connections: Changing Cultures of Africa and Brazil during the Era of Slavery. New York: Humanity Books, 2004. REIS, João José. África e Brasil entre margens: aventuras e desventuras do africano Rufino José Maria, c. 1822-1853. Estudos Afro-Asiáticos (RJ), ano 26, nº 2, 2004, p. 257-302.

42 SILVA, Alberto da Costa e. Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/Nova Fronteira, 2003.

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africana existem, resistem e se reinventam na diáspora. Três exemplos são as histórias de Baquaqua, do Alufá Rufino e dos inúmeros retornados do Brasil para África. Os dois primeiros foram sujeitos que nascidos em África foram escravizados, libertos, tiveram acesso a diferentes línguas, culturas e espaços sociais, porém não deixaram de manipular identidades e carregar sinais de identificação com o continente primeiro43. Muitos retornados (conhecidos como Agudás no Benim, Ta-bom em Gana, e Amarôs na Nigéria e Togo) reinventaram-se enquanto descendentes de brasileiros em África. Experienciada a escravidão, obtiveram outras perspectivas culturais e manejaram aspectos identitários sendo pessoas de prestígio e poder em suas sociedades44. Em resumo, no campo atual dos estudos da diáspora africana e da cultura são considerados vários aspectos, perspectivas e possibilidades na interpretação de como as pessoas vivem e viveram num mundo repleto de haveres.

Aqui, ao concatenar os diferentes níveis e entrecruzar relações analisadas acerca do termo africano podemos transitar de uma História para outras. As origens conceituais de um termo africano, as trajetórias de pessoas que na diáspora ou não carregaram ou carregam um nome de África, os possíveis significados dos usos de termos africanos no nome. Estudamos a diáspora africana e suas reverberações atlânticas.

Será que o uso de um termo no nome pôde ter sido utilizado como estratégia identitária em tempos de revoluções pernambucanas? Será que pessoas que carregavam este nome tinham em sua genealogia familiar alguma ligação com África? Como este termo plastificou-se sendo usado por indivíduos que viveram a escravidão e sujeitos que não tiveram esta experiência? O que significa hoje para um grupo familiar carregar um sobrenome africano? O que a repudia ou o afeto pelo sobrenome pode ter a ver com o contexto político e educacional do país?

Examinar um termo africano que acompanha nomes de pessoas ao longo dos séculos diz muito sobre um país que historicamente subalternou identidades não eurocentradas. A resistência do nome e o orgulho pela sua raiz pode ter relação com todo um percurso de luta e vigor protagonizado por pessoas e movimentos sociais. Leis educacionais, criação de órgãos e fomentos públicos incentivaram a pluralização de narrativas, e problematização da constituição histórica das diferenças. Destarte, tem sido significativo a quantidade de pessoas que se identificam com África declaradamente. O Brasil continua sendo um país estruturalmente desigual. O conservadorismo e a antidemocracia que nos aguarda pelos próximos quatro anos

43 Cf. LOVEJOY, Paul E. “Identidade e a miragem da etnicidade. A jornada de Mahommah Gardo Baquaqua pelas Américas”. Afro-Ásia nº 27,2002, p. 9-39. REIS, João José, GOMES, Flávio dos Santos; CARVALHO, Marcus Joaquim. O Alufá Rufino. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

44 LIMA, Mônica. A vitória sobre as correntes. Os libertos no Brasil e seu retorno à África, 1830-1870. Anais do

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já estão abalando mudanças políticas socialmente importantes. O tempo, pois, é de reerguer-se e continuar a caminhada.

Para além da introdução, esta dissertação conta com mais três seções fundamentais. Em “DA PRÁTICA DE NOMEAR ESCRAVIZADOS AOS POUCOS NOMES AFRICANOS CORRENTES NA CULTURA” refletimos práticas nominativas destinadas a africanos em condição de escravizados no Brasil e como estas estão estritamente ligadas a etnônimos de procedência e africanismos circundantes na diáspora.

Já em “DO NOME AO RUMO” averiguamos as origens do termo Cazumbá com o auxílio de bibliografias diversificadas sobretudo no campo das ciências humanas. Também utilizamos relatos orais de estudiosos em África (africanos ou não) sobre o que sabem acerca do termo. Nesta seção tentamos apontar as possibilidades de rotas da inserção do termo em contexto brasileiro. Também aí começamos a unir o termo ao nome. Perscrutamos breve trajetos de sujeitos que no XIX pernambucano tiveram o Cazumbá grifado no sobrenome ou apelido.

Enquanto a parte que se refere aos “CAZUMBÁS CONTEMPORÂNEOS: GENEALOGIAS, PARENTESCO E EXPERIÊNCIAS”, revisitamos a memória da família Cazumbá pernambucana, mais especificamente do grupo familiar de Vicência, Chã Grande e Lagoa de Itaenga com o intuito de traçar aspectos de genealogia familiar, identidades afrodescendentes e sentidos históricos e afetivos em relação ao sobrenome.

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2 DA PRÁTICA DE NOMEAR ESCRAVIZADOS AOS POUCOS NOMES AFRICANOS CORRENTES NA CULTURA

“Angola, Congo, Benguela Monjolo, Cabinda, Mina Quiloa, Rebolo

Aqui onde estão os homens Há um grande leilão

Dizem que nele há uma princesa à venda

Que veio junto com seus súditos Acorrentados num carro de boi.” Jorge Ben Jor – Zumbi.

2.1 OS HAVERES DAS PRÁTICAS NOMINATIVAS E DOS ETNÔNIMOS AFRICANOS

Práticas nominativas podem sugerir características importantes sobre uma sociedade. Consoante antropólogos que se debruçaram a estes estudos, entre as funções principais do nome estão a de individualizar, classificar e identificar45. Nos entremeios da diáspora africana forçada, a identificação estava ligada a anulação de nomes ancestrais e economia nominativa. Quanto menos nomes sujeitos possuíam, mais próximos estariam da experiência escrava. Como individualização e classificação dava-se àquele grupo de pessoas, só um primeiro nome, sem sobrenomes de família. Sem nomes patrimoniais estariam estigmatizados na condição de seres subalternos marcados pela ausência de características culturais que constituem o sentido de pessoa, tais como memória e história.

De acordo com Atoma Batoma46, o estudo da onomástica da diáspora africana apresenta uma intrigada estrutura semiótica, um tipo de palimpsesto cristalizado em camadas de diferentes significados convencionados por aproximações interpretativas ou facetas de experiências coletivas de grupos. Atoma sugere pelo menos cinco facetas: a geográfica, a histórica, a linguística, a simbólica e a sócio-política.

45Geertz e Mauss ao particularizarem grupos, criaram categorias classificatórias e interpretativas de observação (o que na área convém denominar rótulos sociais – tais como cor, nome, gênero) para poderem acessar, segundo eles, o que seria o indivíduo. O campo da História social não é aderente a rótulos ou generalizações sobretudo se levamos em conta que muita gente nem considerada foi enquanto pessoa e que conceitos estão em permanentes mudança no tempo e espaço. Entretanto a Antropologia também tem aderido a tal perspectiva. Geertz, por exemplo, afirma que qualquer sistema classificatório sobre alguém ou grupo só no devido contexto histórico pode existir. Cf: GEERTZ, Clifford, 1993 [1973]. The Interpretation of Cultures. Londres, Fontana Press, 1993. MAUSS, Marcel. A category of the human mind: the notion of person; the notion of self. In: M. Carrithers, (et.al.). The

Category of Person: Anthropology, Philosophy, History. Cambridge University Press,1938.

46BATOMA, Atoma. African Ethnonyms and Toponyms: An Annotated Bibliography. Electronic Journal of

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Figura 1 – Ilustração que demonstra uma das formas de prática nominativa em escravizado

Fonte: autor desconhecido47.

Cada nação colonizadora teve uma prática própria ao nomear sua escravaria. Tomemos atuais Ilhas do Caribe e Brasil. Cada território foi colonizado por um país europeu diferente. No Brasil, de colonização portuguesa, a prática de batizar escravizados era comum. Havia normativas cristãs que indicavam para senhores de escravizados a catequese e batismo que podiam ocorrer ainda em território africano48. Inicialmente, a confirmação do batismo vinha por uma carta, a posteriori foram frequentes marcas de ferro quente com sinal da cruz sinalizando a execução. Ao desembarcar, um nome cristão era concedido e mais um batismo ocorria.

A prática era tão levada a sério que mesmo em períodos de ilegalidade do tráfico de pessoas, em que documentações eram propositalmente evitadas ela continuava decorrendo, como em caso verificado em Pernambuco, em processo judicial de 1884 protagonizado por escravizada congo, batizada de Maria e desembarcada cladestinamente em Porto de Galinhas

47Disponível em: http://newtonthaumaturgo.blogspot.com/2014/02/escravos-ferrados-como-animais.htmlacessoem:10.01.2019

48 Cf:. VAINFAS, Ronaldo. Ideologia e escravidão: os letrados e a sociedade escravista no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1986.

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há supostamente quarenta e tantos anos atrás, ou seja, posterior a Lei de 7 de novembro de 183149.

Termos étnicos, de procedência e depois de cor também foram utilizados para sinalizar a escravaria. Tais termos foram apropriados de variadas maneiras e algumas vezes tinham relação nominativa com o escravizado. A ilustração acima, demonstra o batismo quando realizado na saída do porto de embarque.

O escravo não tem estado civil. Quase que sempre tem um nome, o de batismo. Não tem apelidos50 de família. (…) No assento de batismo, quando o fazem,

apenas se lhe menciona um nome e o do senhor e, quando muito, o de sua mãe. Nos títulos de venda apenas se lhe menciona o nome de batismo, o do vendedor e comprador e se declara, genericamente, que é da nação (se é africano) sem declarar qual seja, ou crioulo, se é nascido no Brasil, seja onde for. Portanto, as certidões de batismo e os títulos de venda laboram em um vago extraordinário. Demais, os escravos africanos não têm certidão de idade. Da maior parte, principalmente dos que foram introduzidos depois da extinção do tráfico, não há títulos de venda51.

Em regiões do Caribe, como Martinica e Haiti, de colonização francesa não havia obrigatoriedade da prática de realizar batismo em escravizados, como no Brasil. Nominações típicas para escravizados eram desde nomes clássicos gregos a nomes comuns franceses com desconfiguração ortográfica ou feminização de nomes masculinos. Somavam-se a estes, sobrenomes que iam de nomes de personagens bíblicos a sobrenomes tirados de geografia terrestre, geometria, calendários e aritmética. Da culinária, de designações raciais a etnônimos africanos e palavras depreciativas remetendo ao corpo, característica física e/ou psicológica do escravizado. Nicolas Kilo, Rosite Canibal, Léoclane Delta, eram algumas das muitas possibilidades para nomes52.

A questão da documentação também varia de acordo com o lugar. Os dados nominativos destinados aos africanos se encontram desde documentos cartoriais, judiciais a registros de compra e venda., inventários. Enquanto para colônias francesas há uma diversidade de documentos organizados e preservados, que conta com nomes de nascença de escravizados,

49 Cf:. SILVA, José Bento Rosa da. As Tessituras da Liberdade no Pernambuco Oitocentista (Recife: 1883 e 1884).

Sankofa. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana. Ano XI, nºXXI, setembro/2018.

Disponível em: http://www.revistas.usp.br/sankofa/article/view/150527/147360. Acessoem: 08.04.2019. 50 Sobrenome.

51 Parecer de 22 de junho de 1863”. O Conselho de Estado e a Política Externa do Império: Consultas da Seção dos Negócios Estrangeiros: 1863-1867. Brasília: Funag, 2007. p.41-42.

52 CHANSON, Philippe. La blessure du nom: une anthopologie d’uneséquelle de l’esclavage aux

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para o Brasil há alguns imbróglios. O primeiro e talvez maior é a ausência dos papeis oficiais referentes ao tráfico, ordenados pelo então ministro da fazenda Rui Barbosa a serem destruídos, em 1890. Outrossim, é que documentos de batismo maiormente continham somente o nome dado, sem o termo étnico.

2.2 ETNÔNIMOS EM ESCRAVIZADOS NO BRASIL: TERMOS DE PROCEDÊNCIA, HETERO E AUTOIDENTIFICAÇÕES

Os milhões de africanos aportados nas costas brasileiras precisavam ser classificados. Tendo em vista a anulação de seus nomes africanos, algumas categorias foram utilizadas para nomear os sujeitos, que naquele contexto eram mercadorias. A mais habitual nomeava de acordo com o tronco étnico-linguístico, tendo em vista que em algumas sociedades o nome do grupo era também o nome da língua. Seguidamente, os aspectos mais escolhidos para nomear tinham a ver com o lugar de onde os escravizados procediam (porto de embarque, ilha, vila, reino,); a etnia da qual pertenciam ou que julgavam que eles faziam parte; alguns nomes habituais para um determinado grupo (alguma alcunha predecendente ou inventada pelos colonizadores).

Um etnônimo dado, não dizia respeito apenas a um nome étnico, poderia ser uma referência de topônimo (nome de um espaço geográfico) como também antropônimo (nome de alguma pessoa, grupo, alcunha)53.

A nomeação podia ser concedida pelos colonizadores escravagistas (exonomeação). Uma palavra ouvida e documentada sobre determinado grupo por um viajante, um missionário, administrador colonial, um etnógrafo. Podia ser o que os comerciantes, tripulantes de navios negreiros sabiam ou supunham sobre determinado grupo de pessoas e o lugar de onde elas vinham. Convencionou-se chamar esses termos de grupos étnicos, nações, termos de procedência. Estas três designações estão englobadas no conceito do vocábulo etnônimo e são termos nominativos.

Um termo nominativo podia alternar em demasia. Entre as principais influências para mudanças estavam a língua e escrita de quem nomeou; como esta pessoa ouviu a tonicidade das palavras de origem africanas e como elas realmente eram; a modificação do termo quando

53 Também existe o estudo de epônimos africanos, derivado da prática colonial de dar nomes a lugares com algum objetivo explorativo específico. Atoma Batoma diz que alguns dos nomes selecionados por europeus ou colonialistas árabes em pessoas africanas e lugares dizem mais sobre a mente colonial e suas intenções que sobre vocabulários que representem da realidade africana. Exemplos famosos são topônimos nominativos de países como Rodésia, Serra Leoa, Brazzaville.

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“traduzido” (fonética, ortográfica e linguisticamente) para outro idioma ou a ressignificação do vocábulo a partir das influências culturais que se dão nos processos de contato. Em resumo, pode-se afirmar que a manipulação de termos nominativos corresponde a uma política ideológica de dominação “traduzidos” pela apreensão colonial54.

Tal situação ampliou divergências entre escrita e os significados de termos quando comparados entre diferentes línguas colonizadoras os seus possíveis literais significados em solo africano. Observe-se alguns etnônimos e suas variantes: yorubá, ioruba, yorouba. Ardra, alladá, radá, aradá. Kru, krou, cravi, krawi, krao. Ouidah, uidá, whydah, hweda.

Há, por exemplo, etnônimos em francês, espanhol, inglês, português que são iguais ou parecem e que querem dizer sobre a procedência do escravizado. Entretanto, nem sempre os termos remetem a um espaço ou correspondem ao mesmo espaço geográfico do outro, apesar de igual ser o termo. Para traficantes da Grã-Bretanha, Inglaterra e Portugal, Angola era toda a região da África central atlântica. Em contrapartida, em documentos espanhóis e franceses, os africanos desta região aparecem denominados como Congo.

Outro é o termo mina. Consoante Joseph Miller enquanto para os portugueses esse nome era o qual conheciam eles como toda costa oeste de forte de São Jorge da Mina, os ingleses e predecessores conheciam como Costa do Ouro55”. No XVIII, os minas em território de Minas de Gerais era um termo para sinalizar escravizados que trabalhavam nas minas de ouro e que não necessariamente tinham procedência nem com a costa do ouro ou dos escravos, como ficou conhecida a primeira.

Várias inferências permeiam etnônimos antes, durante e depois do processo diásporico. Por quase todas passam processos de heteroidentificação e autoidentificação. Ser denominado mina, congo, angola ou outro etnônimo específico teve significados variados a depender da época, lugar e contexto.

Yeda evidenciou que um dos fatores de permanência de etnônimos específicos esteve ligado ao fato de grupos já serem chamados assim em África. Os iorubás no Brasil, também são conhecidos como nagôs. “Nagô é um termo pejorativo dado pelos Fon aos seus vizinhos

iorubás do Daomé oriental. Os grupos de Língua fon do Daomé são os jejes, termo que viria de ajèji que quer dizer estrangeiro, forasteiro”. Outro caso é o etnônimo, específico e frequente

54Apesar da existência dos línguas ou etnógrafos que se detinham a estudar línguas africanas, a identificação da especificidade etmológica de línguas africanas não é tão simples. Palavras iguais com tonicidades e significados diferentes, acentos não recorrentes no ocidente, sistemas de prefixos e sufixos requeriam atenção aos que se detivessem ao estudo. Cf: PESSOA DE CASTRO, Yeda. Etnônimos africanos e formas ocorrentes no Brasil.

Afro-Ásia, n.6-7, Universidade Federal da Bahia.

55MILLER.Joseph C. Restauração, reinvenção e recordação: recuperando identidades sob a escravização de na África e face à escravidão no Brasil. Revista de História, São Paulo, n. 164, jan./jun. 2011, p.39.

Referências

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