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QUESTÃO RACIAL E EUGENIA NO BRASIL.

2. EUGENIA NO BRASIL: POLIMORFA E MULTIFACETADA

Suponhamos que um fazendeiro tem um rebanho de carneiros brancos, dos quais a quarta parte de pretos e três quartos de brancos e que deseje só ter carneiros brancos. Se o fazendeiro evitar que os carneiros pretos se cruzem com os brancos, em pouco tempo serão reduzidos os carneiros pretos do rebanho. Se o fazendeiro estabelecer uma genealogia dos carneiros para saber a procedência genealógica dos mesmos e evitar a reprodução dos carneiros que tenham produzido uma única geração preta, em poucas gerações ele obterá um rebanho onde não mais aparecerão carneiros desta cor. Convém frisar o seguinte: com isso o fazendeiro não conseguirá que os carneiros brancos se tornem mais alvos, ou por outra, o grão de brancura dos brancos não se terá elevado. Um resultado foi completo: a eliminação dos carneiros pretos do rebanho.

RENATO KEHL.352

O item anterior nos permitiu identificarmos alguns passos do discurso sobre “raça” no Brasil e suas recepções por alguns intelectuais nos períodos em que participavam desta discussão. Foi-nos possível posicionar entre paradigmas científicos que doravante permite-nos ir além, na tentativa de entender a recepção da eugenia no Brasil, principalmente nas décadas de 1920 e 1930 e seu caráter polimorfo e multifacetado353. Acerca da produção intelectual de

352 KEHL, Renato. Lições de Eugenia. op.cit., p. 173-174. Citando as palavras de Raymond Pearl e sua obra The

Eugenics Review.

353 Os termos denominados aqui como "polimorfo" e "multifacetado" no que concerne a eugenia foi observado por Souza em sua dissertação de mestrado contribuem com a nossa visão da eugenia no que concerne a sua

um dos maiores – se não o maior - nome da eugenia no Brasil, o médico Renato Ferraz Kehl, analisaremos a sua aderência e enraizamento no discurso racial que se manteve para a compreensão da situação da cor e raça no cenário brasileiro. Além deste, outros intelectuais como Edgard Roquette-Pinto (1884-1954) e aqueles que enxergavam por outro enfoque a condição da “construção racial” no país serão chamados na discussão. A nossa reflexão demonstrará a pluralidade dos discursos sobre eugenia e “raça” que vigoravam naqueles momentos, além da sua aderência em uma parcela do estabelecimento científico brasileiro.

A “situação racial” no Brasil continuou sendo alvo das políticas governamentais e com a consolidação do discurso eugênico abrangeu ainda mais interpretações na sua essência hereditária. Utilizando os preceitos de Galton e também da chamada eugenia “negativa”, corroborou para o argumento da “inferioridade” e a segregação entre raça e cor nas relações sociais. Contemplar as posições da eugenia no Brasil nos permitirá entender sua posição no âmbito das relações raciais no país.

A escolha de trabalharmos com Kehl justifica-se pelo aporte bibliográfico que nos é servido na temática eugênica, bem como sua atuação no cenário político-nacional. Dos mais de 30 livros publicados, ações em comitês de eugenia, periódicos como o Boletim de Eugenia, diálogos no Ministério do Trabalho da Era Vargas, Kehl tornou-se uma referência da propaganda eugenista. Com o aporte da historiografia atual, balizada por Nancy Stepan e Vanderlei Sebastião de Souza, pretendemos nos posicionar no que concerne às fundamentações eugênicas de Kehl, esperançosos de que nosso trabalho produza frutos para outros pesquisadores, principalmente nas interpretações da eugenia no Brasil.

Tem-se notícia do termo “eugenia” no Brasil ainda nos anos de 1914 com a tese da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, de Alexandre Teperdino.354 Contudo, se há a necessidade de eleger um momento específico para Kehl e a eugenia aparecerem no cenário nacional com mais proeminência e efetividade, seria por volta de 1917 ao ser convidado a proferir uma palestra na Associação Cristã de Moços na qual versou sobre a posição dos casamentos matrimoniais consanguíneos.355 Com a fundação da Sociedade Eugênica de São

compreensão no Brasil e suas diversas forma interpretativas que foram apropriadas por diferentes personagens do período. E, como veremos, isso será consumado, inclusive, na Careta enquanto análise das caricaturas e crônicas. Cf.: SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A Política Biológica como Projeto: a “Eugenia Negativa” e a construção da nacionalidade na trajetória de Renato Kehl (1917-1932). op.cit.

354 STEPAN, Nancy. Eugenia no Brasil, 1917-1940. op.cit., p. 335.

355 Cf.: STEPAN, Nancy L. A hora da eugenia: raça gênero e nação na América Latina. op.cit., p. 55. Cabe adicionar que para Kehl suas investidas no curso dos ensinamentos eugênicos datam por volta de 1912, como expressa nos apêndices da obra Porque sou eugenista? 20 anos de campanha eugênica (1917-1937). O eugenista demonstra que o Congresso Internacional de Eugenia, em Londres, foi seu primeiro eco sobre a temática (KEHL, Renato. Porque sou eugenista? 20 anos de campanha eugênica (1917-1937). Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1937, p. 99).

Paulo356, em 1918, as ideias de Galton parecem entrar diretamente no bojo das discussões intelectuais do cenário brasileiro. Pautado na concepção médica que obteve respeito com o sanitarismo e o higienismo – não por acaso temos a participação de Belisário Penna -, esta ciência encontrou-se como mais uma vértebra para toda discussão que se desencadeava de traçar um projeto nacional, estabelecendo debates com nomes de relevantes participantes na intelectualidade e no ideário de nação.

A história da eugenia no Brasil confunde-se com os avanços da ciência no país, ou melhor, complementa-se. Com as melhorias das vacinas, descobertas genéticas, microbiologia e sua aplicação em projetos nacionais permitiu uma consolidação da ciência, especialmente, da biologia nos anos de 1920. Segundo Regina Horta Duarte, “a importância da biologia na sociedade brasileira emergiu mesclada à ampla recepção da eugenia”357. Esta referência assinala os debates acalorados que se desenvolviam na sociedade e a importância das posições médica e cientificas do limiar das interrogativas eugênicas e biológicas na nação. Assim, as grandes práticas de diversos setores médicos científicos, assim como as investidas nos “estudos raciais”, geraram um clima favorável no país para o aprofundamento cada vez maior da biologia e consequentemente da eugenia. Outra característica dos anos de 1920 é apontada por Sérgio Carrara no que diz respeito ao intervencionismo do governo:

Os anos 1920 testemunharam um movimento em direção a uma crescente intervenção federal em várias áreas das políticas públicas. A organização de campanhas sanitárias e a expansão dos ser viços públicos de saúde deram mais ímpeto ao movimento. De um lado, os programas de reforma sanitária aceleraram o crescimento da burocracia federal e tornaram mais importante o papel do Tesouro junto as finanças internas de cada estado. De outro, como resultado da expansão do setor de saúde pública, grande parte do clientelismo político caiu nas mãos da burocracia do governo central.358

O saber científico nas áreas da saúde estava arraigado às necessidades nacionais onde o Brasil se mostrava eficiente nesta conjuntura. Homens como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Vital Brasil, Arthur Neiva, fortaleceram a importância das descobertas na saúde no contexto

356 Stepan faz algumas pontuações sobre a Sociedade Eugênica de São Paulo que, dos 140 membros, apenas dois não eram médicos, não havia mulheres nesta sociedade e apenas oito eram de fora do estado de São Paulo. Entre alguns membros destacam-se Arnaldo Vieira de Carvalho (diretor da nova Faculdade de Medicina de São Paulo), Vital Brazil (bacteriologista diretor do Butantã), Arthur Neiva (microbiologista do Instituto Oswaldo Cruz), Luís Pereira Barreto (escritor médico e positivista paulista), Antônio Austregésilo (psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro), Juliano Moreira (higienista mental e diretor do hospital Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro) entre outros. (STEPAN, Nancy L. A hora da eugenia: raça gênero e nação na América Latina. op.cit., p. 55-56).

357 DUARTE, Regina Horta. A biologia militante: o Museu Nacional, especialização científica, divulgação do conhecimento e práticas políticas no Brasil – 1926-1945. op.cit., p. 37.

358 CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus: a luta contra a sífilis no Brasil, da passagem do século aos anos 40. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1996, p. 218.

histórico em que cada vez mais se procurava sanar as “doenças do Brasil”359. Ao passo que ganhava mais autoridade no cenário nacional360, também “subsidiou os argumentos eugênicos em torno do debate sobre a inferioridade ou não do povo brasileiro”361. Assim, a projeção da biologia e das conquistas nas áreas médicas possibilitou no quadro nacional esta aproximação da eugenia com os meios intelectuais especializados.

Tomando como base o argumento da pesquisadora Dominichi Miranda de Sá, “na virada do século XIX para o XX, a medicina não deve ser meramente considerada conhecimento e prática científica relacionada à manutenção da saúde, mas discurso sobre a sociedade e programa visando à reforma social”362. A ida de médicos como Arthur Neiva e Belisário Penna ao interior do Brasil se apresenta como evidência para o argumento de Sá. Para tanto, como lembra Souza em análise da preocupação da “questão nacional” por Neiva, salienta a participação do médico em diagnosticar os “males que impediam o desenvolvimento e a ascensão do Brasil no chamado concerto das nações”363. Isto é, a ciência esteve atrelada não somente ao seu saber científico, mas aos problemas sociais do Brasil. Nacionalistas ou não, esta intelectualidade foi um reflexo de como os saberes e práticas científicas se entrelaçam com a forma de pensar a unidade nacional.

Outro elemento que deve ser levado em consideração no trato da institucionalização das ciências no país deve-se a importância do positivismo no debate nacional e suas implicações. Como expusemos, as ciências se alavancavam como autoridade na segunda metade do século XIX, e o positivismo se apresentava como uma vertente para a compreensão de mundo e busca de resolução dos “problemas nacionais”. A identificação dessas apreciações no Brasil perdurou por algum tempo, principalmente no que tange à agenda cientificista brasileira. Com isso queremos destacar a influência das reflexões e debates positivistas que contribuíram no campo teórico da formulação científica e as legitimidades do

359 Skidmore escreveu sobre a importância de Belisário Pena e Arthur Neiva que viajaram pelo sertão da Bahia, de Pernambuco, Piauí e Goiás, relatando as condições de saúde daquelas localidades (SKIDMORE, Thomas E.

Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. op.cit., p. 201).

360 Duarte diz que a ascensão das ciências biológicas e todo o comprometimento a um projeto político não pode ser confundido com melhorias na condição desses agentes da ciência e saúde. Para ela, estes possuíam um sentimento de “subvalorização pelas autoridades públicas e pela sociedade em geral” (DUARTE, Regina Horta.

A biologia militante: o Museu Nacional, especialização científica, divulgação do conhecimento e práticas

políticas no Brasil – 1926-1945. op.cit., p. 51). Sendo assim, muitos institutos ficaram a mercê do descaso das autoridades, mesmo estes reconhecendo sua importância na construção nacional.

361 Ibid., p. 48.

362 SÁ, Dominichi Miranda de. Uma interpretação do Brasil como doença e rotina: a repercussão do relatório médico de Arthur Neiva e Belisário Penna (1917-1935). op.cit., p. 184. Sá enfatiza outras preocupações como a demarcação do espaço geográfico brasileiro e as comunicações com o telégrafo. Há um projeto de integração nacional e a ciência está envolvida nessa dinâmica.

363 SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Arthur Neiva e a ‘questão nacional’ nos anos 1910 e 1920. História,

amadurecimento do que se pretendia seguir na ciência do Brasil. Independente das críticas às ideias de Comte e “a morte do progresso científico no século XVIII”, o pensar positivista ocupou espaços nos debates e entusiasmaram intelectuais durante as primeiras décadas do século XX. Nesse sentido, diz Ferreira:

A importância do ethos comtiano para a história das ciências no Brasil encontra-se particularmente na postura anti-racista do pensamento antropológico positivista, que como é sabido inspirou as ações de Rondon e Roquette-Pinto em favor dos indígenas Brasileiros.364

Em defesa dessa institucionalização científica podemos também citar o manuscrito inédito encontrado no arquivo pessoal de Edgard Roquette-Pinto sobre os momentos científicos no Brasil, fazendo um balanço das principais conquistas e nomes do que ele chamava de “surto científico brasiliano”. Entretanto, atenta-se para a frase: “houve um Brasil antes de Rondon: em ciência, foi o Brasil Português; há um Brasil depois de Rondon: é o Brasil brasiliano”365. Roquette-Pinto decreta a legitimidade e a importância das ciências no cenário nacional. Suas atuações com Mello Leitão e Sampaio corroboram na prática com este discurso de legitimidade e institucionalização dos debates, investimentos e práticas científicas no Brasil.

É nesta totalidade de ascensão científica que vemos a eugenia se legitimar com significativa importância na interpretação hereditária das “raças” e do social como um todo. Estes “homens da ciência”, como Roquette-Pinto, Belisário Penna e Monteiro Lobato, fizeram parte das discussões que envolviam a eugenia e o meio social no Brasil, o que nos mostra a viabilidade de compreender a eugenia como mais um elemento de uma abordagem científica de uma ciência europeia que tentasse – e de certa forma conseguiu - se adaptar a realidade brasileira. A ideia da eugenia parecia plausível principalmente em um momento em que o saneamento366 também era o foco das discussões.367 Assim, a eugenia se apresentava como

364 FERREIRA, Luiz Otávio. O ethos positivista e a institucionalização das ciências no Brasil. op.cit., p. 92. 365 ROQUETTE-PINTO, Edgard. Ciência e Cientistas do Brasil. In: LIMA, Nísia Trindade; SÁ, Dominichi Miranda de. (orgs.). Antropologia Brasiliana: ciência e educação na obra de Edgard Roquette-Pinto.Belo Horizonte, Editora UFMG, 2008, p. 32.

366 Em torno das políticas da saúde pública no Brasil, Gilberto Hochman define, em partes, o movimento como: “Uma política nacional de saúde pública no Brasil foi possível e viável a partir do encontro da consciência das elites com seus interesses, e suas bases foram estabelecidas a partir de uma negociação entre os estados e o poder central, tendo o federalismo como moldura político-institucional. Esse encontro foi promovido pelo movimento sanitarista brasileiro que buscou redefinir, entre 1910 e 1920, as fronteiras entre os sertões o litoral, entre o interior e as cidades, entre o Brasil rural e ao urbano em função do que consideravam o principal problema nacional: a saúde pública” (HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento: As bases da política de Saúde Pública no Brasil. op.cit., p. 16).

367 Aliás, os debates estavam próximos à medida que “eugenizar” e “sanear” nesta década de 1920 somaram-se com a criação da Liga Brasileira de Higiene Mental, que atraía muitos eugenistas nas suas pautas (Cf.: REIS,

uma maneira de “sanear” a hereditariedade ou o “interior do corpo”, tendo em vista que o saneamento buscava sanear o “exterior do corpo”368.

A eugenia brasileira aos olhos do estrangeiro poderia até mesmo ser vista como descontextualizada dos preceitos em outros países como os Estados Unidos, que observava nas análises científicas eugênicas do Brasil alguns “equívocos”. Isso se deve às estruturas do estudo mendeliano que, por aqui, como salienta Stepan “era fundamentalmente não mendeliana, uma visão que tanto era resultado como produzia valores particulares”369. Esse ensejo mostra a argumentação tão discutida no capítulo anterior sobre a adaptação da eugenia em determinados contextos particulares como, por exemplo, Argentina e México. Nesta luta de interpretações e reinterpretações, aproximações e distanciamentos, nossa análise permeia nas pegadas da eugenia, como um pressuposto científico que respeitava uma ordem social- política da qual foi empregada. Daí cabe compreendermos a noção da eugenia lamarckiana dentro da América Latina como um todo.

Debates sobre teoria de Thomas Malthus (1766-1834), Jean-Baptiste Lamarck (1744- 1829), Charles Darwin (1809-1882), Gregor Mendel (1822-1884)370 e August Weismann (1834-1914)371 desdobram-se em temáticas relevantes para entender como ciências nos cenários políticos-nacionais se desenvolveram. Sem negligenciar estas discussões cabe-nos pensar em uma retomada das concepções de Lamarck, pautados, principalmente, no que traria a interpretação posteriormente do “talento hereditário”, que para nós é a base dos “bem nascidos”. Mesmo com a chegada da teoria de Darwin, as ideias lamarckistas não foram abandonadas prontamente. Na verdade, elas perduraram como vertente para alguns cientistas até posteriormente a década de 1930, mesmo com a ênfase e os avanços dos estudos genéticos e mendelianos372. Muito mais que teorias, eram campos de disputas científicos.

José Roberto Franco. Higiene mental e eugenia: o projeto de “regeneração nacional” da Liga Brasileira de Higiene Mental (1920-1930). op.cit., p. 54).

368 Renato Kehl chega a dizer em suas publicações que a eugenia é a “higiene da raça” (KEHL, Renato. Lições

de Eugenia. op.cit., p. 6).

369 STEPAN, Nancy L. A hora da eugenia: raça gênero e nação na América Latina. op.cit., p. 76.

370 Stepan argumenta que “o primeiro livro sobre mendelismo propriamente dito e a nova ciência da hibridização foi publicado, em 1917, por Carlos Teixeira Mendes, professor da Escola Agrícola de Piracicaba, no estado de São Paulo. A importância social das teorias concorrentes sobre hereditariedade também foi reconhecida. Na verdade, a teoria genética era geralmente apresentada junto com a eugenia” (Ibid., p. 81).

371 Ressalta-se a influência de Weismann para as proposições eugênicas, tendo em vista que suas considerações postulam o agregado de ideias referente ao plasma germinativo e a continuidade de características nos descendentes das gerações subsequentes de um indivíduo. A fundamentação de Kehl sobre a questão é extensa por ser tratar da hereditariedade, algo que se inclina em suas pesquisas, porém cabe salientar um dos seis itens onde essa referência se faz necessária para a compreensão dos estudos de Weismann na eugenia de Kehl: “Caracteres adquiridos são os que resultam das influencias externas sobre o organismo, em contraste com os que emanam da constituição da célula germinal” (KEHL, Renato. Lições de Eugenia. op.cit., p. 63).

372 Acerca disso, Kehl relata que “Para estudar a eugenia é imprescindível ter noções de anatomia histologia, fisiologia e embriologia. Desconhecendo os fenômenos da reprodução, da hereditariedade, bem assim as

Um argumento interessante para entendermos essa sincronia entre as teses neolamarckistas compactadas aos moldes da eugenia brasileira é por meio de uma observação social e política, aliada ao ideário ambientalista e sanitarista, que se findam no cenário brasileiro no começo do século XX. Destarte, percebe-se que:

Politicamente, o neolamarckismo também aparecia, com frequência, matizado de expectativas otimistas de que reformas do ambiente social resultassem e melhoramento permanente, ideia afinada com a tradição ambientalistas-sanitaristas que se tornara moda na região.373

É nesta trilha do “politicamente” que a eugenia se encaixava por uma visão neolamarckista que, no trato da “eugenia negativa” dará fomento para embasar as premissas do mais apto e justificaria que “os melhoramentos adquiridos ao longo da vida de um indivíduo poderiam ser transmitidos geneticamente, que o progresso seria possível”374. Em nome da ciência eugênica, o pensamento neolamarckista permitiria adentrar no social e controlá-lo375 por meio da “ciência da hereditariedade”376. Kehl foi influenciado pelas teorias de Mendel, Weismann e Galton, mas como notam os historiadores da ciência Souza e Robert Wegner, não se pode ignorar influência da tradição lamarckista – também predominante na França – como suporte para Kehl e outros eugenistas do país.377

Desse modo, o alcoolismo, a “higiene mental”378, as doenças infecciosas, a criminalidade, a sujeira, tudo poderia estar na mira da eugenia. A década de 1920 “foi

doutrinas de Darwin, de Weismann e de Mendel, etc., torna-se difícil, senão impossível, acompanhar um curso de eugenia” (KEHL, Renato. Lições de Eugenia. op.cit., p. 51).

373 STEPAN, Nancy L. A hora da eugenia: raça gênero e nação na América Latina. op.cit., p. 82. 374 Ibid., p.83.

375Para Souza, além do aspecto hereditário social: “Para os eugenistas brasileiros, os pressupostos neolamarckistas autorizavam, inclusive, a investirem no aprimoramento do estado hígido e da robustez física da população. Através das diferentes formas de terapêuticas, a “ciência eugênica” poderia tanto contribuir para a purificação higiênica e o melhoramento rigoroso dos progenitores como para o aperfeiçoamento físico, a saúde e o embelezamento da sociedade. A eugenia se constituía, deste modo, também como um movimento que visava à estetização da identidade nacional. A idéia de progresso e civilização exigia, sobretudo, a saúde, a força e a beleza física (SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A Política Biológica como Projeto: a “Eugenia Negativa” e a construção da nacionalidade na trajetória de Renato Kehl (1917-1932). op.cit., p. 47). Essa afirmativa corrobora com as ideias de Kehl, que em Lições de Eugenia mostra-se um admirador dos gregos em comparação a