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Mesmo na massa inculta da plebe existe o desejo do aperfeiçoamento racial, senão como fenômeno de consciência, ao menos como reflexo instintivo de amor a prole.

656 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. São Paulo: Claro Enigma, 2012, p. 47.

RENATO KEHL.657 É como num tablado de jogo das Damas, separa os brancos e os pretos e diz com

solenidade: branco com branco, preto com preto. PROF. LUIZ L. SILVA.658

A comicidade do semanário Careta possibilita uma investigação dos contrastes sociais que dialogavam nas cenas cotidianas e políticas, e que refletiu na concepção de uma sociedade complexa nas suas negociações sociais. Além das suas variedades, Careta possuía um espaço de comunhão política onde retratou seja por crônicas, textos, caricaturas ou piadas curtas, as contradições dos governos vigentes nas épocas de suas publicações. Getúlio Vargas, que no seu primeiro ciclo de governo durou de 1930 a 1934, foi um personagem constante nos números do semanário neste período. Garcia ao fazer “um estudo sobre o humor visual no Estado Novo”, utilizou as capas da Careta como fonte para perceber a conjuntura daquele governo autoritário. Para ela, seu estudo permitiu, à luz de uma reflexão histórica, identificar nas caricaturas:

Suas imagens, mais que simplesmente reprodução de discursos ou notícias de eventos, correspondem a olhares singulares de um grupo sobre seu tempo. Além do riso ligeiro, esses discursos imagéticos continham sementes lançadas aos leitores: uma percepção crítica da realidade, aliada ao humor derrisório, reflexivo. Tais premissas nortearam a investigação, implicando na opção metodológica de recusar “receitas prontas” para a compreensão dos desenhos de humor e de investigá-los a partir de suas múltiplas possibilidades de leitura.659

Estas múltiplas possibilidades de leitura serão nosso foco na tentativa de compreender o lugar do negro em um semanário que tem arraigado em suas páginas as sequelas do retrato social sob uma perspectiva que aborda seu retrato negativista. Nesta investigação, elegemos a periodicidade de 1930-1934 não somente pelo seu caráter simbólico na mudança política do cenário brasileiro, mas também na tentativa de identificar um período que mesmo com uma transição de formas de governos distintos, a eugenia permaneceu com um espaço de visibilidade e fazia parte do complexo jogo das “questões raciais” que estavam intrinsecamente ligadas no imaginário social. É admissível refletir esse discurso que se construía logo nos primeiros meses de 1930, no texto assinado pelo pseudônimo Micromegas.660 No dia 1º de fevereiro daquele ano, o autor sugere esta complicada discussão sob o título “A nossa cor”661:

657 KEHL, Renato. Lições de Eugenia. op.cit., p. 146.

658 Boletim de Eugenia, Ano. 3, n. 30, 1931, p. 3-4. Referente ao tópico “Cruzamento do Branco com o Preto”. 659 GARCIA, Sheila do Nascimento. Revista Careta: um estudo sobre humor visual no Estado Novo (1937– 1945). op.cit., p. 206.

660 Quando se trata de pseudônimos há uma busca temporal na tentativa de reconhecê-los, porém nem sempre é possível, como observou Garcia em sua pesquisa: “A esse respeito, vale mencionar que grande parte dos artigos

É sempre motivo de indignação para os que escrevem nos jornais (porque os que não escrevem não podem manifestar-se) o fato de qualquer estrangeiro, em livro, em artigo de imprensa ou em entrevista atribuir-nos qualquer cor que não seja puramente caucasiana.

Essa indignação é evidentemente pueril. Se todos os estrangeiros que escrevem ou falam a nosso respeito afirmassem que a grande maioria da população brasileira é composta de gente clara e loura, nós devíamos tomar a coisa como deboche. Se, como muitas vezes sucede, os camaradas carregam demais na cor, devemos ter paciência.

Já passou em julgado que a população brasileira tem sangue de três raças: o branco, o índio e o negro. As proporções desses três ingredientes têm variado no decurso de quatro séculos, minguando cada vez mais o contingente branco. É claro, claríssimo, portanto, que um dia viremos a ser absolutamente brancos, talvez mesmo loiros lá pelo extremo sul.

É também opinião corrente que devemos preferir esse lento caminhar para a brancura á segregação do elemento preto, como nos Estados Unidos, onde isso é como uma nuvem tempestuosa que se avoluma sem cessar, escurecendo o futuro. Se fosse possível, na república norte-americana, misturar subitamente as raças, a cor resultante talvez não fosse muito mais branca do que a nossa.

Os americanos timbram, porém, em vão, misturar o café com o leite (a não ser muito clandestinamente) e de certo tempo para cá fecharam a porta aos amarelos e só abrem anualmente uma frestinha aos reconhecidamente brancos.

Nós temos adotado uma política imigratória diametralmente oposta: tudo que entra é simpático.

Certamente, não será possível prosseguirmos em semelhante política indefinidamente. Enquanto a população é de quarenta milhões de quilômetros quadrados: quando for mesmo de sessenta milhões, ainda poderemos ser liberais. Depois, será indispensável dosar as entradas, filtrar as cores.

Não nos zanguemos com o epíteto de mestiço, que na verdade somos. É uma verdade que aparece, a despeito de toda a propaganda que grita lá fora a nossa imaculada brancura; donde se conclui que a propaganda só é eficaz quando apregoa a verdade, com uma pequena tolerância de exagero.

Os americanos do norte certamente não manda apregoar na Europa que têm dinheiro á ufa, que têm mais estradas de ferro que toda a Europa e que possuem os prédios mais altos do mundo. Como essas coisas são verdadeiras toda gente as conhece. Nós, enquanto perdemos tempo e dinheiro querendo convencer o mundo que aqui dentro todos são brancos, deixamos de tratar de fazer o café brasileiro aparecer nos outros países como procedente do Brasil e não de Costa Rica ou da Arábia. E isso talvez seja fácil porque é uma verdade verdadeira de verdade.

Há uma afirmação otimista que frequentemente se faz do Brasil e que é verdadeira: a das suas possibilidades; disso, porém, não há grande necessidade fazermos propaganda, porque há muita gente com dinheiro que procura descobrir possibilidades e sabem onde elas podem existir.

Coisas que nos poderia ser muito útil, e deveríamos procurar conseguir mesmo por alto preço, é arrolhar os cabotinos que fazem a América, onde colhem dados apreciadíssimos para escrever livros e artigos ou para fazer conferências se utilizado daqueles e destas como veículos de asneiras de todo quilate.

Confiscar essas publicações mesmo a troco de bom dinheiro valia a pena.

A propaganda intempestiva é contraproducente, como sucedeu à do turismo, logo seguida, por uma feroz ironia do acaso, de um surto de febre amarela.

Quando nós tivemos dose suficiente de brancura, juízo, ordem, dinheiro, conforto, salubridade, cultura e outras coisas que são sugadas pelas raízes de uma planta chamada Civilização, o mundo verá tudo isso. Até lá, silêncio.

veiculados ou não era assinada pelos autores ou era finalizada somente com iniciais ou pseudônimos, o que dificultou sobremaneira a identificação dos grupos intelectuais reunidos em torno da publicação no período estudado” (Ibid., p. 46).

Quando a gente encontra um reclamista berrante e apalhaçado a porta de uma loja, suspeita de que a casa é mambembe.

A extensão dessa fonte é concomitante com a riqueza que ela possui para nossa observação no trato do debate racial do Brasil. De princípio, é possível compreender que logo no começo da década de 1930 as influências das “questões raciais” e eugênicas tinham um amplo espaço de diálogo, não somente no meio acadêmico, mas nos periódicos. Estas problemáticas que surgiam impostas pelo “problema da cor e raça” eram condizentes com o momento social que se vivia no país.

A tentativa de “branquear” o Brasil ganhava visibilidade no texto em que traz uma dualidade crítica indagada por Micromegas. Ou seja, se todos sabiam que o Brasil era composto por “três raças”, portanto, não seria mais importante preocupar-se com problemas sociais e econômicos do que apenas a preocupação em elevar o Brasil a um povo de pele branca? Certo é que a crença de um povo branco, guiado por um controle “matrimonial”, como estabelece Micromegas nos Estados Unidos na frase: “Os americanos timbram, porém, em vão, misturar o café com o leite (a não ser muito clandestinamente)” reflete na tentativa deste país em cessar o contingente negro dentro do seu território, uma prática de cunho eugênico que no Brasil, com Renato Kehl, estava sendo aplaudida com o mesmo nome de “controle matrimonial”. Ora, não foi justamente em Lições de Eugenia que Kehl iria dizer que "Só motivos acidentais ou aberrações mórbidas fazem um branco se unir com uma negra"662.

Esta situação não se traduz apenas na visão eugenista de Kehl. No Boletim de Eugenia, de junho de 1931, temos a publicação do professor Luiz L. Silva da Faculdade de Farmácia e de Odontologia de Santos, com um tópico chamativo para esta abordagem: Cruzamento do branco com o preto. Entre outras, ele reproduz o discurso das diferenças cefálicas e físicas entre as cores e projeta que cada elemento deve seguir o cruzamento com sua “raça”. Com efeito, o início do texto responde toda a indagação do professor: “É razoável o casamento do branco com o preto? Não, absolutamente não. E ainda mais, nem razoável nem decente”663. A visão da união matrimonial das “raças” era parte integrante de projetos de teóricos raciais e eugenistas de longa data.

Micromegas escreve este artigo no ano seguinte ao Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, em um momento em que a eugenia “negativa” de Kehl tornava-se mais proeminente.

662 KEHL, Renato. Lições de Eugenia. op.cit., p. 13.

Sendo assim, possuía uma percepção que o insere no discurso em tempo real dos problemas que se avolumavam no processo eugênico no Brasil, entre eles, a imigração e a “raça”.

O texto, situado em um momento inicial de 1930, abrange quase que toda a nossa abordagem e nos serve como introdutório nesta etapa de verificação das fontes. A discussão sobre “branquear”, “mestiço”, “negro”, “controles raciais no matrimônio”, “raça e imigração”, “problemas políticos e econômicos vinculados com a ideia racial” fazem parte de uma gama de palavras-chave que são o arcabouço do nosso estudo complacente às caricaturas e às teses eugênicas que procuravam se propagandear no Brasil.

A almejada identidade perpassava por problemas que estavam vigentes e precisavam ser resolvidos na sociedade como apontou Micromegas: “Quando nós tivemos dose suficiente de brancura, juízo, ordem, dinheiro, conforto, salubridade, cultura e outras coisas que são sugadas pelas raízes de uma planta chamada Civilização, o mundo verá tudo isso”. Um conjunto de elementos que trazem a problemática da análise “racial”, somado aos conflitos sociais, como o “dinheiro” em contraponto a posição econômica que o Brasil desencadeava pelas dificuldades econômicas do café, a “salubridade” – e aí sim, aquela ação eugenista e higienista que vai percorrer o imaginário de médicos e intelectuais ao longo de toda a “discussão racial” -, tudo isso em sintonia com a almejada compreensão de “civilização”. Esta é a caça interna da cor relacionada à nacionalidade, e será um assunto que o Governo Vargas tentará dinamizar dentro das suas possibilidades de ação.

De fato, uma vertente não sincronizada às teses deterministas e da antropologia física começava a se esboçar com mais proeminência nesta época, mas seria um erro acreditar que ela condicionará um discurso hegemônico na revalorização do olhar da sociedade avessa aos critérios “raciais” deterministas, para refletir sobre a nação. Mostramos no capítulo anterior que o debate tornou-se ainda mais acirrado na década de 1930. A segunda metade deste decênio certamente reservou um agravante da leitura “racial”, não por acaso, como aponta Skidmore, em outubro de 1935:

Doze intelectuais brasileiros dos mais conhecidos, inclusive Roquette Pinto, Artur Ramos e Gilberto Freire, preocuparam-se a ponto de lançar, em outubro de 1935, um “manifesto contra o preconceito racial”, no qual advertiam que “a transplantação de ideias racistas e, sobretudo, dos seus corolários políticos e sociais”, constitui risco particularmente grave num país como o Brasil “cuja formação étnica é acentuadamente heterogênea”. Anunciaram que tais “perversões de ideias científicas” baseadas em “fantasias e mitos pseudocientíficos”, criariam no Brasil “perigos imprevisíveis, comprometendo a coesão nacional e ameaçando o futuro da nossa pátria.664

A eugenia, que até anos antes estava atrelada para alguns como sinônimo de “saneamento hereditário” e legitimada em um status científico como ciência, elevando Renato Kehl como um ícone da eugenia e respeitado no meio médico, se dividia cada vez mais nas várias interpretações do seu conceito aplicável no país. As estruturas que pautavam as diferenças entre “tipos” ou “raças” não se apoiavam somente nas discussões internacionais, mas a própria sociedade brasileira em seus vários níveis sociais se apegava nas ideologias racistas para regular-se dentro das normas dos preconceitos “raciais” na nação.

O texto de Micromegas data 1930, porém o assunto referente à eugenia, “raça” e imigração parecia ser uma constante no período, principalmente na discussão do chamado “tipo racial”:

Ilustração 4. Careta, 4 de abril de 1931, Ano XXIV, nº 1.189.

A standartização do tipo nacional.

Tomemos vários tipos coloridos originários de raças estrangeiras. Agita-se tudo isso bem agitado!

E teremos o tipo étnico! O tipo standard! O almejado tipo padrão!

Do mesmo modo, a ilustração 4 esbarra em um dos pontos principais de discussão, ou seja, qual seria então o “padrão étnico” do povo brasileiro? Este Standard acarreta o jogo de palavras que complementam a caricatura e que expõe o brasileiro como uma “coqueteleira de raças”, onde não havia um único “tipo”, mas vários. Além disso, estes “tipos” estariam todos

misturados formando um novo “tipo híbrido”. Na caricatura, o resultado final do brasileiro seria a personagem à direita, disforme, com uma planta na mão embaixo de uma árvore. Cabe a indagação: seria assim que estes teóricos brasileiros que acreditavam nas teorias raciais se viam ou queriam se distanciar? A representação cômica do brasileiro assimétrico aponta aquilo que os eugenistas mais condenavam, a mistura como sinônimo de degeneração, pois o nosso “tipo padrão” seria esta miscelânea da qual cada parte do corpo representaria uma “raça”. Ou ainda, simbolizaria um povo que, no Brasil, teria como tendência sua junção em um grande cocktail da miscigenação.

Na caricatura temos personalidades políticas e intelectuais do cenário nacional, a saber, Lindolfo Collor, José Maria Whitaker, Miguel Costa, Evaristo de Moraes , João Pandiá Calogeras, Juarez Távora , Carlos Saldanha da Gama Chevalier, José Bonifácio , Augusto de Lima. Dentre esses, podemos citar a participação de Evaristo de Moraes no Ministério do Trabalho de Getúlio Vargas e José Maria Whitacker, que ocupou o cargo de Ministro da Fazenda por duas vezes no início do Governo Provisório e no Governo de João Café Filho, em 1955. Sobretudo, a caricatura satiriza a variação da nossa própria “identidade racial” a partir de intelectuais e políticos.

O deputado de São Paulo, Teotônio Monteiro Barros (1901-1974), ao participar da discussão dos “tipos raciais” ponderaria que a questão étnica brasileira necessitava de controle, “especialmente as de caráter eugênico e educacional”665. Na condução dos melhores

“tipos” para o Brasil, o deputado enxergava o “ramo ariano sul europeu” e as do “ramo dólico-

loiros” como assimiláveis. No extremo oposto estariam os amarelos como “inassimiláveis”666.

Sendo assim, como notou Geraldo:

O deputado utilizou como exemplo a preocupação da Alemanha hitlerista e da Itália fascista com a questão racial. Inspirado nos caminhos que vinham sendo traçados por essas nações, o Brasil deveria evitar o perigo de formação de minorias étnicas, além do que essa imigração indesejável poderia “retardar de muito a formação do nosso tipo standard racial”.667

Este emblema da “mistura racial” para o “tipo” brasileiro não agradava os eugenistas, afinal, em suas concepções, o que era considerado como padrão era aquilo que mais se aproximava da pureza para propagarem os “talentos hereditários” aos mais próximos possíveis. Oliveira Vianna, um dos que disseminavam as notas de eugenia, argumentava que a caracterização da “mistura racial” não ocasionaria vantagens, pois na miscigenação a “raça”

665 GERALDO, Endrica. O “perigo alienígena”: política imigratória e pensamento racial no governo Vargas (1930-1945). op.cit., p. 84.

666 Ibid. 667 Ibid.

poderia degenerar-se ainda mais. Sendo assim, a fuga de compreender o Brasil como apresentando “vários tipos” se tornaria uma vertente consolidada do meio eugenista. Vianna explica:

Essa desambição natural do índio e essa mediocridade ingênita do negro se transmitem aos seus mestiços, daí a extrema sobriedade das nossas populações mestiças. Curibocas, cafuzos, mulatos, todos, com exceção de uma pequena minoria de eugênicos, vivem a mesma vida dos seus ancestrais, satisfeitos na sua miséria, contentes na sua parcimônia e incapazes de realizar, espontaneamente, o mais leve esforço para melhorar o teor da sua existência miserável. Essa ausência de estímulos de melhoria na sua psique fá-los elementos inertes e improgressivos, forças negativas, que dificultam e retardam o movimento ascensional da nossa massa social para a riqueza e para a civilização.668

A fala de Vianna relaciona-se com o cunho idealista do que entendia por “civilização”, pois era preciso ter a ânsia em ser “civilizado” e, neste caso, o elemento mestiço, negro e indígena, diante do seu passado, ainda possuíam resquícios da “falta de progresso”. Este seria um sintoma para alguns intelectuais característicos dessas civilizações “inferiores”, em que não se importariam com a “vontade progressista” que idealizavam as nações contemporâneas. A acepção de que as chamadas “raças inferiores” conservariam a inércia do “progresso” dos seus ancestrais pode ser constatada desde Nina Rodrigues, quando expôs que o espírito criminoso do negro seria advindo da composição de sua sociedade e de sua prematura e infantil moralidade.669

A ilustração 4, oferece diferentes “tipo físicos” que preenchem a “coqueteleira brasileira”. Não por acaso, do lado esquerdo da imagem, doze “padrões raciais” podem ser notados. Desse modo, há o negro, o asiático, formas físicas variadas tal qual o nariz, cabelos e olhos, onde todos eles são ingredientes de “raças estrangeiras” que resultariam no “almejado tipo padrão”. Em outras palavras, os próprios retratados seriam um exemplo de mestiçagem. O resultado disforme estabelece para nós as linhas gerais do mestiço “degenerado”, afinal, a caricatura deste “tipo nacional” tem a tendência a uma monstruosidade e fealdade com resultado da “mistura racial”, algo defensável pelos idealistas raciais que propagavam que cada “tipo humano” deveria cruzar-se com sua respectiva “espécie”.

Kehl, por sua vez, mostrou-se veemente contra o “cocktail racial” e, em várias ocasiões, referiu-se aos problemas da nacionalidade brasileira como sendo derivados da miscigenação que se descontrolava no Brasil. O termo “estandardização”, inclusive, é dito

668 VIANNA, Oliveira. O typo brasileiro: seus elementos formadores. In: Dicionário, Histórico, Geográfico e

Etnográfico do Brasil. Rio de Janeiro: IHGB, v. 1, 1922, p. 287.

por Kehl em Aparas eugênicas: Sexo e Civilização: “a estandardização humana será, pois, fatal, embora num futuro mais ou menos remoto. Caminhamos para isso”670.

Aludindo a este cocktail como uma “oficina gentium”, o Brasil representava “um grande laboratório de elementos diversos e “dentro dele terá de se operar por muito tempo um grande metabolismo racial, com a assimilação de uns e a desassimilação de outros”671. Mas para Kehl, a solução encontra-se no parágrafo seguinte, onde a saída para este mal laboratorial que representaria o Brasil estaria nas mãos do homem “branco”. Ele seria responsável pela melhoria e o progresso nacional, mesmo com os percalços das outras “raças”:

Dessa química complexa e morosa resultará, daqui a alguns séculos apesar dos prejuízos acarretados à raça branca, uma nacionalidade melhor caracterizada, um povo forte e varonil que, talvez, se emparelhará dignamente, com os melhores aquinhoados.672

Seja através dos nomes “cocktail”, “oficina”, “laboratório” ou “química”, o que percebemos é a influência da “mistura racial” e da preocupação eugênica entre os debates da hereditariedade e a vinculação de idealizar o pensamento nacional por meio de uma “raça única”. Podemos imaginar a contradição que esta caricatura teria para os ideais eugênicos de Kehl. Certamente, concordaria que a mistura geraria um “tipo disforme e degenerado”, mas