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EUGENIA, IMIGRAÇÃO E EDUCAÇÃO NO GOVERNO PROVISÓRIO A relação entre imigração e identidade nacional tem suas peculiaridades no Brasil.

QUESTÃO RACIAL E EUGENIA NO BRASIL.

4. EUGENIA, IMIGRAÇÃO E EDUCAÇÃO NO GOVERNO PROVISÓRIO A relação entre imigração e identidade nacional tem suas peculiaridades no Brasil.

Jeffrey Lesser, ao se referir a estas singularidades, comentou que uma constelação de

467 Ibid., p. 218. Para o historiador podemos dizer que “Roquette-Pinto fazia apropriações seletivas de autores como Fischer, extraindo conceitos e pressupostos científicos que pudessem legitimar ou autorizar a sua própria atuação científica, sem problematizar aspectos políticos mais emblemáticos” (Ibid., p. 227).

468 Para Souza: “Importava extrair destes autores mais a autoridade científica que emanavam de seus trabalhos do que os pressupostos que defendiam. Apoiar-se sobre a autoridade destes autores significava legitimar, entre seus pares brasileiros, o próprio trabalho científico que desenvolviam, uma vez que tanto Fischer quanto Davenport eram figuras das mais proeminentes na antropologia internacional”. (Ibid., p.235).

469 Souza relata que vários debates ocorreram e agregaram uma divisão dos intelectuais acerca da imigração. A exemplo, o autor cita a conferência de Azevedo Amaral intitulada “o problema eugênico da imigração” que acarretou em um amplo debate onde se podia perceber notoriamente as divisões contra e a favor às pressuposições de quais seriam os imigrantes ideais. Enquanto uma orientação “arianista” era protelada por Renato Kehl, Miguel Couto, Xavier de Oliveira e Oscar Fontenele, do outro lado contra este discurso estavam as lideranças de Roquette-Pinto, Belisário Penna, Levi Carneiro, Fróes da Fonseca e Fernando Magalhães. (Cf.: SOUZA, Vanderlei Sebastião de. “As leis da eugenia” na antropologia de Edgard Roquette-Pinto. op.cit., p. 226).

470 STEPAN, Nancy L. A hora da eugenia: raça gênero e nação na América Latina. op.cit., p. 172.

471 Outro importante trabalho que diz respeito à eugenia no Brasil e refere-se à participação de ambos no governo Vargas é: STEPAN, Nancy Lays. Eugenia no Brasil, 1917-1940. op.cit., p. 372-373. O texto foi publicado originalmente em: STEPAN, Nancy Lays. Eugenics in Brazil, 1917-1940. In: ADAMS, Mark B (org.). The

Wellborn science: eugenics in Germany, France, Brazil and Russia. New York: Oxford University Press, 1990,

intelectuais, políticos e outros, perceberam na imigração uma forma de melhorar a nação “marcada por anos de colonialismo português e escravidão africana”472. Sendo assim, esta relação transoceânica via no imigrante uma plausível solução para mudar ou aperfeiçoar o país. Contudo, como expressa o autor, “ocorreram com a absorção, a miscigenação e o uso de categorias raciais e étnicas cada vez mais flexíveis”473.

Em vista disso, no documento em anexo do livro Aparas eugênicas: Sexo e Civilização, que contém as principais conclusões aprovadas no Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, o item 9º mostra-nos com era imprecisa e controversa acerca da sua problemática “racial”:

O primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, embora reconhecendo o valor da seleção por meio de uma escala diferencial das correntes imigratórias em muito

desejáveis, desejáveis e indesejáveis, julga, entretanto, que o critério seletivo mais

eficaz é o exame das condições individuais de cada imigrante.474

Este item em especial reflete o quanto a pluralidade das convicções dos participantes com relação à “raça” tomou corpo. No documento que contém 31 itens, destacamos este pela dualidade que expõe as argumentações, em vista ao que analisamos no acirrado e camaleônico sentido do debate singular da eugenia no Brasil. Estudando o item, podemos perceber que o Congresso reconheceu que havia diferenças do que “se quer” como imigrante para o Brasil – algo difundido por Kehl em suas preferências do europeu ao asiático ou negro, por exemplo.475 Porém, ao julgar que o melhor elemento para identificar o imigrante seriam as “condições individuais de cada um” entendemos que a discussão flui no consenso da linha de Roquette-Pinto da não generalização do grupo de indivíduos com base no “elemento racial”. Apesar da hereditariedade ser uma ciência a ser considerada no discurso da "evolução das raças humanas", não havia unanimidade quando o mote eram as restrições com base nos tipos raciais. Pelo contrário, as discordâncias e aprovações tinham os argumentos científicos dos mais variados.

A consideração mais equitativa do documento diz respeito ao “aprimoramento” do homem, o que dialoga com as duas correntes que estabelecemos, pois apesar de um movimento mais radical por parte de Kehl e uma interpretação roquetteana mais específica do

472 LESSER, Jeffrey. Um Brasil melhor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, 2014, p. 182.

473 Ibid.

474 KEHL, Renato. Aparas eugênicas: Sexo e Civilização. op.cit., p. 260 [Grifos do autor]. Este documento compõe o referido livro com as principais resoluções do Congresso.

475 O item 22º diz: “O primeiro Congresso de Eugenia Brasileiro aconselha ao governo facilite o mais que for possível à imigração europeia para o Nordeste Brasileiro, preferentemente, de colonos agricultores” (Ibid., p. 262).

meio, ambos aceitaram os pressupostos de que seria necessária a melhoria do “povo” e que o Estado deve se esforçar para este fim. Os itens 12º e 13º se referem diretamente aos doentes mentais e criminosos, nos itens 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, ao alcoolismo. Há um apontamento por parte da ata delimitando quem deveria se evitar. Porém, quando se referem à imigração e seus descontentamentos há apenas uma classificação “subentendida” como “muito desejáveis, desejáveis ou indesejáveis”. De certa forma, não havia uma nomenclatura para quem são eles, ao menos nestes itens. Contudo, o item 22º aconselha a imigração europeia.

Independente das imprecisões do documento, ele estabelece a perspectiva de seus componentes em torno da ambiguidade da “questão racial”, que ao passo que aconselhavam nitidamente a vinda do europeu, desaconselhavam, sem citar nações ou etnias, os “indesejáveis”, mas entendem a necessidade dos olhares particulares. Esse jogo duplo que recortamos do processo eugênico é entendido por Souza sendo a forma como a “eugenia no Brasil se caracterizou por seus aspectos polissêmicos, por sua capacidade camaleônica de transitar entre as mais diversas tendências do pensamento social e científico”476.

Destaca-se aqui a importância atribuída a eugenia no meio político fazendo parte de propostas e regulamentações de leis. Assim, a eugenia estabelece o convívio dentro da sociedade, o que a fez ser pensada mediante as suas medidas e questionamentos. Neste contingente político, é possível estabelecer que os diálogos lembrados em 1929 sobre os problemas imigratórios que analisamos até aqui teriam reflexos nos anos porvindouros da Assembléia Constituinte de 1933-1934, que instituiu uma lei de imigração, em parte, aos moldes eugênicos. Nesta lei, explica Stepan, além das “cotas raciais” que eram vislumbradas pelos eugenistas, comprovações de caráter econômico e testes de adequação fizeram para das iniciativas do poder público para este controle que perdurou até 1937.477

A entrada do Governo Vargas e a crise que decorria do Crash de 1929478 deram uma reviravolta no contexto brasileiro. A revolução de 1930 apresentou um caráter estrutural de rompimento com as barreiras da oligarquia e a projeção de uma expectativa de um novo projeto para o país. Neste caso, a revolução trouxe a quebra dos obstáculos liberais que estariam desviando o Brasil do seu curso evolutivo como nação que, somada à crise de 1929,

476 SOUZA, Vanderlei Sebastião de. “As leis da eugenia” na antropologia de Edgard Roquette-Pinto. op.cit., p. 233.

477 STEPAN, Nancy L. A hora da eugenia: raça gênero e nação na América Latina. op.cit., p. 176.

478 Acerca dos acontecimentos de 1929, Gomes diz que “de maneira geral, conforme os exemplos europeu e norte-americano demonstraram, após a Crise de 1929 ocorreu um afastamento, mais ou menos radical, do paradigma clássico de Estado Liberal”. (GOMES, Ângela de Castro. Autoritarismo e corporativismo no Brasil: o legado de Vargas. In: BASTOS, Pedro Paulo Zahluth; FONSECA, Pedro Cezar Dutra. (orgs.). A era Vargas: Desenvolvimento, economia e sociedade. São Paulo: Editora UNESP, 2012, p. 73).

agravou ainda mais os sistemas econômicos e políticos do país. Ângela de Castro Gomes aponta que este Estado Liberal “era ‘inconsciente e inconsistente’ e só gerava ‘balbúrdia’. Em nosso país tínhamos um território imenso e rico; um povo cheio de potencialidades, mas não tínhamos governo”479. Em tese, a revolução romperia este sistema inerte de liberalismo proporcionando ao Estado novas possibilidades de emergir no cenário econômico, político e social, construindo uma base sólida que viabilizasse um projeto progressista para a nação.

Podemos rapidamente citar como arquétipo desse ínterim econômico-político aliado ao pensamento “racial”, a fala de Azevedo Amaral (1881-1942)480, formado em medicina e jornalista e escritor de O problema eugênico da imigração, de 1929. O aspecto “racial biológico” congregado aos processos econômicos justificava para ele a visão enferma do Brasil. Nesta quebra do liberalismo propõe uma visão autoritária da política que poderia gerenciar melhor a nação, isto é, com as tendências que em escala global via-se amadurecendo, como o nazismo e o fascismo. Não há de se surpreender como as posições autoritárias481 insurgiam no imaginário de alguns intelectuais mais radicais que pensavam determinismos e evolucionismos como fontes prodigiosas de “consertar a nação”. Este pensamento evolucionista de Azevedo em prol da cristalização de um desenvolvimento industrial aliava-se à visão do Estado autoritário e sua administração. Segundo Lúcia Lippi Oliveira, transparecia a tendência pelo “anglo-saxão”, e isto foi expresso por Amaral como “povo ideal” para os projetos da nação. Ainda, para ele, os anglo-saxões teriam um “pendor inato para aceitar sem relutância o comando de um chefe”482.

No entanto, Azevedo Amaral teve uma firme oposição no Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia acerca de suas propostas da imigração exclusiva da “raça branca”. Mas isto não significou um abandono do pensamento do autor, pois como expôs Endrica Geraldo,

479 GOMES, Ângela de Castro. O redescobrimento do Brasil. In: GOMES, Ângela M. C; OLIVEIRA, Lúcia. L; VELOSSO, Mônica. P. (orgs.). Estado Novo: ideologia e Poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 114.

480 A escolha de Azevedo Amaral não foi aleatória. Acreditamos que sua formação médica e suas posições jornalísticas contribuíram para a propagação do ideal eugênico na Era Vargas. Por isso, a identificação deste autor em nosso trabalho possui os signos da acepção eugênica na intelectualidade aliada a proposições que coadunam de forma voraz com a política. Deixamos claro não somente a participação de Renato Kehl no pensamento eugênico brasileiro, mas de tantos outros intelectuais.

481 Neste caso, Azevedo Amaral, embora retome o conceito de autoridade, diferentemente do pensamento conservador, propõe a centralização do poder. Só o governo soberano; portanto, é ele que deve corporificar toda a autoridade. (OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Autoridade e política: o pensamento de Azevedo Amaral. In: GOMES, Ângela M. C; OLIVEIRA, Lúcia. L; VELOSSO, Mônica. P. (orgs.). Estado Novo: ideologia e Poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 56). Ainda, para ele, o que legitima um governo autoritário é: “- desenvolvimento do potencial econômico e fortalecimento da segurança nacional; - robustecimento dos vínculos unificadores da nacionalidade; - salvação da soberania e projeção internacional”. (OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Autoridade e política: o pensamento de Azevedo Amaral: ideologia e Poder. op.cit., p. 61).

482 AVEVEDO, 1938, apud OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Autoridade e política: o pensamento de Azevedo Amaral: ideologia e Poder. op.cit., p. 66.

“posteriormente, Azevedo Amaral teve suas propostas retomadas na Constituinte de 1933/34,

demonstrando a continuidade dos confrontos sobre o tema”483.

Os itens do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia que dizem respeito à imigração são reflexos de como a “discussão racial”, eugênica e sanitária estavam ligadas às políticas, aos trabalhadores e ao novo governo que surgia. Ao assinalarmos este período como foco, perceberemos como a década de 1930 acirraram os debates sobre “tipos ideais” versus os “indesejáveis”. Por este ponto, Endrica Geraldo diz:

Desde o primeiro ano do Governo Provisório, os decretos sobre a entrada e a presença de trabalhadores estrangeiros revelavam a intensificação de um combate à imigração. Os defensores de políticas imigratórias mais restritivas conseguiram, a partir de então, importantes vitórias no campo legislativo. Em fins de 1930, o governo aprovou decretos visando aumentar o controle sobre o ingresso de imigrantes, além de estabelecer privilégios para trabalhadores nacionais nos centros urbanos. Em 1934, a Constituinte aprovou a “lei de cotas”, que estabelecia que cada nacionalidade de imigrantes poderia ingressar no país respeitando o limite de 2% sobre o total dos que haviam imigrado nos cinquenta anos anteriores.484

A proposta da imigração deve ser ressaltada devido a dedicação do próprio Renato Kehl neste tema. Em vista disso, o eugenista levou essa “cruzada eugênica” para coibir a entradas não somente de negros, mas de todos aqueles que fossem um “perigo” para a “mistura racial”. Estes debates estavam intrinsecamente ligados ao Governo Provisório – e permaneceu até mesmo posterior ao período Vargas485 - que insurgia no país. Para Geraldo, “assim, Kehl estava objetivamente condenando os incentivos e investimentos para a entrada de trabalhadores nipônicos”486.

As maneiras de entender as restrições à imigração eram compreendidas até mesmo pelos adeptos da eugenia de forma heterogênea. Geraldo nota como as explicações de eugenistas tornaram-se variadas sob a ótica de quais deveriam ser as restrições adotadas e quem seriam os “alvos” dessas medidas487. Para a autora, “a associação entre a vinda de imigrantes e a formação étnica ou racial do Brasil desempenhou um importante papel nos

483 GERALDO, Endrica. O “perigo alienígena”: política imigratória e pensamento racial no governo Vargas (1930-1945). op.cit., p. 58-59.

484 Ibid., p. 61.

485 Cabe a nota: “Além disso, as teorias eugenistas puderam desfrutar ainda de mais um meio de divulgação oficial em relação à questão imigratória: a Revista de imigração e colonização. Em 1938 havia sido criado o

Conselho de Imigração e Colonização, um órgão deliberativo e consultivo que estava subordinado diretamente à

Presidência da República. A partir de 1940, o Conselho começou a publicar a Revista de imigração e

colonização, a qual continuou após o final do Governo Vargas com artigos que ou foram produzidos durante tal

governo, ou que mostram ainda a permanência dessas concepções e debates.” (Ibid., p. 42). 486 Ibid., p. 15.

debates e propostas de restrições na legislação imigratória, o que se tornou cada vez mais explícito a partir de 1930”488.

Após o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia e durante a década de 1930 uma atenção cada vez maior se dava ao tema “raça” e imigração. Geraldo analisou as fontes do Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e constatou, por exemplo, que um funcionário do Departamento Nacional do Povoamento, chamado José Magarinos, possuía uma preocupação médico-legal e eugênica com os trabalhadores que provinham da imigração no final dos anos de 1934: “o fenômeno racial impera; a antropologia se nos depara como ciência mestra; a eugenia no seu conjunto de tríplice higiene e a sociologia como padrão para investigar processos que nos ponham em pleno descortino para a devida seleção”.489 E mais adiante complementa:

Sob o ponto de vista médico-sociológico, a dedução é fácil, pois que o mau elemento só nos prejudicará, e porque, mesmo admitido, só seria de conceber-se o homem eugênico dentro da concepção: física, psíquica e moral.

Será absurdo que entre nós penetre elemento que não se disponha ao trabalho e que, além disso, seja portador de enfermidades transmissíveis ou de estados mórbidos que inutilizem o próprio indivíduo.490

O historiador Fábio Koifman, observou que as ideias eugenistas foram largamente apreciadas nos debates e “formularam propostas para a política imigratória, propostas essas que ao longo do primeiro governo Vargas foram sendo realmente implementadas”491. A eugenia serviu de ferramenta teórica para aqueles que viam na imigração um perigo para a unidade nacional. O autor demonstra ao longo do seu livro, como as teses eugênicas colaboravam para aplicar a lei de restrição a determinados grupos de imigrantes com um caráter subjetivo de facilitação ou não da sua entrada no país.492

A imigração sob o ponto de vista “racial” e pertencendo às decisões do Ministério do Trabalho pareciam estar fortemente ligadas. Para os que viam na eugenia uma solução, o imigrante “ideal” deveria atender a determinadas necessidades antropológicas, pois isto traria consequência no mundo do trabalho. Assim, “o imigrante, ao contrário, deveria ser o agricultor, ‘são de corpo e de espírito, que se agite dentro das boas tendências da ordem e do

488 Ibid., p. 23.

489 MAGARINUS, 1934 apud GERALDO, Endrica. O “perigo alienígena”: política imigratória e pensamento racial no governo Vargas (1930-1945). op.cit., p. 34.

490 Ibid., p. 35.

491 KOIFMAN, Fábio. Imigrante ideal: o Ministério da Justiça e a entrada de estrangeiros no Brasil (1941-1945).

op.cit., p. 28. O estudo de Koifman centra-se nos anos de 1941 a 1945, ou seja, no Estado Novo. Entretanto, cabe

ressaltar sua importância de como o pensamento eugênico perdurou na seleção de imigrantes durante toda a Era Vargas. As digressões feitas pelo autor no início dos anos de 1930 ajudam-nos a fomentar a visão da eugenia durante este processo.

trabalho’”493. Ainda para Geraldo, “a presença desse tipo de argumento no Boletim evidencia o alcance que as concepções médicas e eugênicas exerceram no debate presente no Ministério do Trabalho”494.

Por sua vez, o Chefe do Governo Provisório, salientava que “o argumento de que a inferioridade do trabalhador nacional em relação ao estrangeiro era originada não em seu caráter mestiço, mas sim resultado de problemas educacionais, de saneamento e de saúde pública”495. Portanto, notamos que o pensamento do seu governo ainda abria caminhos para vislumbrar aspectos da eugenia e da saúde, mesmo não pertencendo exclusivamente a essa temática, pois havia os conflitos que eram inerentes à relação dos trabalhadores, como as concorrências trabalhistas, valorização do trabalhador nacional ou mesmo a Segurança Nacional, por exemplo.496

Vargas acreditava que deveria haver controle na imigração. Porém, mesmo com a crença de que o problema não girava em torno do mestiço, não significou um cessar do discurso racial perante aqueles intelectuais que pensavam o problema da imigração no Brasil. O trabalhador foi uma preocupação da Era Vargas e a mão de obra proveniente da imigração fazia parte das inquietações para a inserção tanto nacional como nas dinâmicas das relações trabalhistas. Eram diversos os debates sobre como deveriam conduzir a imigração. Enquanto homens da política, como Xavier de Oliveira, teciam fortes críticas aos japoneses, outros como Abel Chermont, da bancada do Pará, defendiam sua imigração como indivíduos assimiláveis.497

Dessa forma, indagações envolvendo “raça” e imigrações perduraram por todo o contexto do regime varguista por diferentes enfoques. Os argumentos eugenistas eram

493 GERALDO, Endrica. O “perigo alienígena”: política imigratória e pensamento racial no governo Vargas (1930-1945). op.cit., p. 35.

494 Ibid., p. 37.

495 Ibid., p. 66; RAMOS, Jair Souza. Como classificar os indesejáveis? Tensões e convergências entre raça, etnia e nacionalidade na política de imigração das décadas de 1920 e 1930. op.cit., p. 200.

496 Contudo, neste debate, Endrica pontua que “Em 1934, o Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e

Comércio contribuiu para difundir as justificativas dessas medidas, associando a imigração à ameaça de

desemprego e apresentando uma nova definição do termo “imigrante”: todo o estrangeiro que desejasse “permanecer por mais de trinta dias com intuito de exercer a sua atividade em qualquer profissão lícita e lucrativa que lhe assegure a subsistência própria e a dos que vivem sob sua dependência” (GERALDO, Endrica.

O “perigo alienígena”: política imigratória e pensamento racial no governo Vargas (1930-1945). op.cit., p. 69).

Isto será mais frequente com o início do Estado Novo, pois para a autora: “De fato, a campanha contra a imigração japonesa pôde, pelo menos até o início do Estado Novo, reunir argumentos principalmente de teor racial e político, o que até então pouco atingia imigrantes de origem alemã e italiana. Porém, o início da Segunda Guerra modificou essa situação, e estas três nacionalidades, mas especialmente os estrangeiros de origem japonesa e alemã, passaram a ser investigados e analisados não tanto a partir de qualquer hierarquia racial, mas pela situação política e militar de suas nações de origem e, muito especialmente, pelo que foi compreendido como um alto grau de organização e desenvolvimento de seus núcleos coloniais e respectivas instituições e associações” (Ibid., p. 164-165).

utilizados na descaracterização daquele “alienígena” que poderia ou não contribuir para o organismo social. Por outro lado, fatores como a Segunda Guerra Mundial e os problemas diplomáticos que surgiam nesse período trouxeram novas conjunturas referentes aos imigrantes, inclusive, perseguições aos alemães, italianos e, novamente, aos japoneses.498 Para Koifman, “a eugenia forneceu a aparência de ciência e tecnicidade tão cara aos homens de governo da época”499 e em nosso período isso se fez valer.

Queremos dizer que a eugenia não foi a única linha de argumentos restritivos com a imigração, “mas os projetos foram elaborados de forma diferenciada em relação a esses