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1- O QUE É UM EUNUCO?

3.4. Eunucos nas Cortes: Poder e Influência

Durante o reinado de Constantino-o-Grande, os eunucos possuíam grande poder e estima, similar ao que desempenhavam nas cortes orientais, tanto que, tal como ocorria nessas cortes, o imperador preferiu colocar eunucos em grandes cargos de honra, além de considerá-los como os seus mais próximos amigos.294

293 In Euthropius. 1, p. 174.

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A este respeito, a teoria de Elias295 é bastante elusiva para entender a estrutura da corte romana como um todo. Segundo o autor, parece evidente que, assim como os nobres de Versalhes, os eunucos desempenharam um papel decisivo em manter a aparência e a percepção de uma estrutura centralizada da corte com um governante absolutista. No entanto, enquanto os aristocratas (tanto os franceses quanto os romanos) lutavam constantemente por prestígio e influência entre si, os eunucos continuavam satisfeitos em simplesmente aumentar sua riqueza e influência em seu próprio estatuto, desconsiderando os demais na estrutura.

Ademais, a nobreza das cortes francesas consistia em homens e mulheres que haviam conquistado seus cargos geralmente por meio de nepotismo ou indicação monárquica. Por outro lado, os eunucos da corte romana não tinham prerrogativa de obter posições para fins parentais, portanto, podiam se concentrar apenas nos desejos do imperador e em sua própria riqueza (embora não em um sentido hedonista).

Quando, todavia, Constantino-o-Grande considerou que a administração dos eunucos, aliado ao seu excesso de poder que lhes foi ofertado, eram perniciosos ao Estado, resolveu, como medida similar às de Leão I e Severo, reduzi-los a apenas funcionários domésticos.296

Interessante ressaltar, no entanto, que o próprio facto de imperadores por várias ocasiões poderem destituir eunucos da corte devido a relatos de abuso de influência, por si, já garante ao governante mais autonomia, pois este mesmo nível de demissão não poderia ter sido alcançado com nobres, que estavam nos cargos por favores ou indicação familiar.

Para o fim de impedir a aparente ameaça em que o Império se encontrava por causa dessas personagens, publicou-se uma compilação de leis do Império Romano sob os imperadores cristãos desde 312, o Código de Teodósio, em sua metade oriental, no ano de 483. Esse código, por sua vez, apresentava um teor inquisitório, no qual se pretendia ouvir todas as críticas que houvessem em relação aos eunucos para que, se caso eles fossem considerados culpados de qualquer irregularidade ou excesso, deveriam ser punidos. O único problema era que o mero fato

295 ELIAS. 1969, p. 158-230. 296 ANCILLON. 1718, p.85.

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de os retirarem de alguns postos, tanto civis quanto militares, não resolvia o problema, haja vista que, como funcionários domésticos, eles ainda mantinham total influência com o governante.297

Já a respeito dessa influência exercida pelos eunucos no mundo grego, temos o exemplo da história de Orsines, descendente de Ciro, que teria feito grandes presentes para os principais oficiais na corte de Alexandre o Grande, negligenciando, porém, Bagoas. Ao fazê-lo, embora tivesse sido advertido de que não seria inteligente, afirmou que honraria os amigos do rei, e não seus eunucos, pois na Pérsia esse tipo de pessoas eram usados de uma maneira diferente do que eram na Grécia. Bagoas, ao ouvir o discurso, jurou que este seria a ruina de Orsines, e foi imediatamente contar a história a Alexandre, juntamente com muitas outras falsas histórias, que Orsines acabou por ser acorrentado, aprisionado e condenado à morte. Como ultraje final, porém, Orsines se dirigiu a Bagoas e disse que era frequente ouvir que as mulheres governavam anteriormente na Ásia, mas que era uma coisa nova ver o reinado de um eunuco infame.298

Porém, Luciano299 nos traz relatos de príncipes eunucos que reinaram, no mundo grego, ao contrário do que nos diz Orsines. O primeiro seria o de Philetairus, primeiro príncipe de Pérgamo que viveu por oitenta anos.300 Philetairus teria sido castrado devido a um acidente aquando da sua infância, e teria crescido como um dos homens mais estimados de seu tempo. Primeiramente, havia entretido a família de Docimus, e depois da morte de Antígono I, teria acompanhado seu mestre, que se entregou a Lisímaco, rei da Trácia. Quando, afinal, ele se viu com medo do rei, que havia se tornado um tirano sangrento, Philetairus fugiu para a Ásia, onde se apossou da cidade de Pérgamo, e de nove mil talentos pertencentes a Lisímaco. A cidade e o dinheiro, juntamente com seu próprio serviço, ele ofereceu então a Seleuco I, sem nunca, portanto, ter podido cumprir, pois Seleuco, tendo matado Lisímaco, morreu logo após este. Assim, Philetairus ainda reteve Pérgamo, reinando, pois, por vinte anos como rei absoluto.301

O segundo seria Hermias, outro píncipe eunuco que não suportava sequer ouvir menções de facas ou corte em sua presença, pois imaginava que essas palavras seriam direcionadas

297 ANCILLON. 1718, p.86.

298 Quint. Curt, Lib. 10, cap. 1. apud ANCILLON. 1718, p. 88. 299 Luc. Macr. 12.

300 ANCILLON. 1718, p. 91.

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a ele por ele ser eunuco.302 Hermias foi, juntamente com Proclo, um estudante de Siriano em Atena, por volta do ano 430 a.C., e teria voltado a Alexandria para liderar uma escola lá. A primeira menção a ele é como um escravo de Eubulus, um banqueiro biithyniano que governou Atarneu, que haveria ganhado sua liberdade e herdado o governo de Atarneu, expandindo sua influência para outras cidades vizinhas, como Assos, na Ásia Menor303. No entanto, o que mais contribuiu para sua celebridade é que ele era o amigo e admirador de Aristóteles, passando três anos com ele em Atarneus, após a morte de Platão em 348-347 a.C. A morte de Hermias tocou de tal forma Aristóteles que o fez compor um poema em honra de seu amigo.304