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Evaporação via balanço de energia

No documento recursos-hidricos-II..> (páginas 81-88)

Capítulo 2 Recursos hídricos em regiões semiáridas

3.4 Evaporação via balanço de energia

Em reservatórios profundos e de água relativamente clara, a massa hídrica armazena quantidades expressivas de energia. Este fenômeno ocorre em virtude da penetração da radiação solar na água, abaixo da superfície. A absorção da radiação solar em água pura varia amplamente com o comprimento de onda da radiação (Figura 3.5). A profundidade média de absorção é muito rasa para comprimentos de onda inferiores a 0,4 m, mas é relativamente grande para comprimentos de onda entre 0,4 e 0,6 m, intervalo em que se concentra principalmente a radiação visível azul e verde (Jensen, 2010).

A curva de absorção da radiação solar, considerando-se 100% do intervalo espectral, em água pura, ou seja, completamente clara, é mostrada na Figura 3.6. Mais da metade da radiação solar incidente é absorvida até 1 m de profundidade. Em corpos hídricos naturais, no entanto, a profundidade até onde a radiação solar alcança, depende da turbidez da água (Allen & Tasumi, 2005), isto é, maior turbidez, menor a profundidade. A turbidez é uma medida de redução da transparência da água devido à absorção e ao espalhamento da luz por matéria em suspensão. Alteram a turbidez da água materiais dissolvidos ou em suspensão como sedimentos, fitoplâncton, bactérias, vírus, e substâncias orgânicas e inorgânicas presentes na água.

Sendo a evaporação um fenômeno de superfície, qualquer radiação solar armazenada como calor não fica imediatamente disponível para consumo na evaporação (Allen & Tasumi, 2005). O calor armazenado fica disponível quando transferido para a superfície, por condução e convecção.

5 8 Aureo S. de Oliveira et al.

Obs.: Adaptado de Jensen (2010)

Figura 3.5 Profundidade de penetração da radiação solar na água pura em função do

comprimento de onda

Obs.: Adaptado de Jensen (2010)

Figura 3.6 Percentagem de absorção da radiação solar total com a profundidade em

água pura

Em lagos e reservatórios de climas temperados, por exemplo, o calor é armazenado na primavera e verão e liberado para uso na evaporação durante o outono e inverno. Este descompasso se torna mais evidente nos corpos hídricos mais profundos como

Comprimento de onda (m) P ro fun d ida de n a á gua (m )

Percentagem de absorção da radiação solar total

P ro fun d ida de n a á gua (m ) P ro fu n d id ad e n a ág u a (m )

5 9 Evaporação da água de reservatórios: Medição e estimativa por métodos micrometeorológicos observaram Yamamoto & Kondo (1968) em estudos no lago Nojiri (profundidade média de 21 m), Japão. Tasumi (2005) em revisão recente, apresentou resultados de vários estudos ocorridos naquele país. Em corpos hídricos de menor profundidade, por outro lado, incluindo o tanque classe A, a curva de evaporação da água segue a de radiação solar incidente; portanto, com evaporação máxima no verão.

O método do balanço de energia é muito demandante em dados e cálculos. Quando aplicado a corpos hídricos (reservatórios), há componentes específicos a se considerar pois a variação do armazenamento de energia na massa hídrica leva em conta, também, a energia transportada pelo acréscimo (inflow) e saída de água (outflow) e a energia removida pela evaporação em função da temperatura média da superfície (Jensen, 2010). Assim, reescrevendo a Eq. 3.13 em termos de fluxos diários, tem-se:

δQt= Rn− λρwE − H + Qv− Qw

em que:

δQt- variação diária da energia armazenada na água, MJ m-2 dia-1 Rn - saldo de radiação, MJ m-2 dia-1

λρwE - energia convertida em calor latente, MJ m-2 dia-1 λ - calor latente de vaporização da água, MJ kg-1 ρw - densidade da água, kg m-3

E - taxa de evaporação da água, m3 m-2 dia-1

H - fluxo de calor sensível na interface superfície-atmosfera, MJ m-2 dia-1 Qv - energia líquida transportada (entradas-saídas), MJ m-2 dia-1

Qw- energia transportada pela água evaporada, MJ m-2 dia-1

O saldo de radiação (Rn) pode ser medido com o auxílio de um saldo radiômetro ou estimado como se segue:

Rn= Rns + Rnl= Rg− αwRg + Rai− (1 − εw)Rai+ εwσTs4

em que:

Rns- saldo de radiação de ondas curtas, MJ m-2 dia-1 Rnl - saldo de radiação de ondas longas, MJ m-2 dia-1 Rg - radiação solar incidente (direta + difusa), MJ m-2 dia-1 αw - albedo da água, adimensional

Rai - radiação atmosférica incidente, MJ m-2 dia-1 εw - emissividade da água, adimensional

 - constante de Stefan-Boltzmann, 4,90110-9 MJ m-2 dia-1 K-4 Ts - temperatura da superfície hídrica, K.

A radiação solar incidente (Rg) pode ser medida com um piranômetro ou estimada com base na temperatura do ar via equação de Hargreaves (Hargreaves, 1985) ou na (3.13)

6 0 Aureo S. de Oliveira et al. razão entre o número real (n) e o número máximo de horas de brilho solar (N) via equação de Angstrom (Black et al., 1954). O albedo da água (αw), cujo valor médio varia de 0,04 a 0,15 (Brutsaert, 1982; 2010) depende de vários fatores relacionados à qualidade da água, rugosidade da superfície (agitação da água) e inclinação da radiação incidente. Jensen et al. (2005) estimaram αw a partir da altura do sol (graus) em estudo de evaporação no Lago Berryessa, Califórnia. A emissividade da água (εw) varia de 0,92 a 0,97 (Arya, 2001). Jensen et al. (2005) utilizaram 0,97 e Allen & Tasumi (2005) usaram εw = 0,99 no reservatório American Falls, Idaho. A diferença (1-εw) é o “albedo” de onda longa, da ordem de 0,03. A temperatura da superfície hídrica (Ts) pode ser medida com um termômetro infravermelho.

A radiação atmosférica incidente (Rai) depende da emissividade atmosférica que, por sua vez, é função da temperatura da atmosfera e grau de cobertura do céu pelas nuvens. A estimativa da emissividade atmosférica em dias de céu claro é razoavelmente simples e vários modelos estão disponíveis (Brutsaert, 1975; Prata, 1996), em geral baseados na pressão atual de vapor d’água (ea) e temperatura do ar (Ta) medidas na estação meteorológica. Para condições de céu coberto com nuvens, a emissividade pode ser estimada com um modelo sugerido por Monteith & Unsworth (2008).

Jensen et al. (2005) estimaram o saldo de radiação de ondas longas (Rnl) na superfície do lago Berryessa, usando um modelo semelhante ao da FAO 56 (Allen et al., 1998) que calcula a emitância de onda longa para céu claro e a corrige para o efeito da nebulosidade, como se segue:

Rnl= σTs4 0,38 − 0,14√e 1,28Rg

Rgo− 0,28 em que:

e - pressão atual de vapor d’água obtida na estação meteorológica, kPa Rgo- radiação solar incidente em dia de céu claro, MJ m-2 dia-1

O modelo mais simples para obtenção de Rgo estima a transmissividade atmosférica com base na altitude local, como se segue:

Rgo = (0,75 + 2 ∙ 10−5A)Ro

em que:

A - altitude local, m

Ro - radiação solar extraterrestre, MJ m-2 dia-1

A radiação solar extraterreste é a radiação incidente no topo da atmosfera, estimada corrigindo-se a constante solar pela distância relativa Terra-Sol e pelo cosseno do (3.15)

6 1 Evaporação da água de reservatórios: Medição e estimativa por métodos micrometeorológicos ângulo zenital, obtidos em função da época do ano e latitude local. Allen et al. (1998) apresentaram todos os passos para estimativa de Ro.

O componente Qw na Eq. 13, representa a energia transportada, ou seja, subtraída da massa hídrica pela água evaporada (Jensen et al., 2005). Qw corresponde a menos de 1% do calor latente utilizado na evaporação (λE) sendo, portanto, comumente desprezado no cômputo do balanço de energia do reservatório (Allen & Tasumi, 2005). O valor de Qw pode ser calculado como se segue:

Qw = ρwCw

E 1000Ts em que:

Cw - calor específico da água, MJ kg-1 K-1 E - taxa de evaporação, mm dia-1 Ts - temperatura da superfície hídrica, K 1000 - constante usada para converter mm em m

O componente Qv compreende vários processos de entrada e saída de água que podem alterar o calor armazenado na massa hídrica, como escoamento superficial, aporte artificial de água, precipitação etc. (entradas) e infiltração lateral e no fundo do reservatório, bombeamento da água, liberação via vertedouros etc. (saídas). Matematicamente, Qv por unidade de área e tempo em regiões tropicais pode ser estimado como se segue (Jensen, 2010):

Qv = VrTr+ VpTp+ ViTi− VoTo

ρwCw

A em que:

Vr - volume de água de escoamento difuso para dentro da bacia hidráulica, m3 dia-1 Tr - temperatura da água de escoamento, K

Vp - volume de água precipitada na bacia hidráulica, m3 dia-1 Tp - temperatura da água de precipitação, K

Vi - volume de água de entrada na bacia hidráulica via curso d’água (rio), m3 dia-1 Ti - temperatura da água do curso principal, K

A - área superficial da bacia hidráulica, m2

Argumenta Jensen (2010) que a energia transportada para a massa hídrica como prevê a Eq. 18, é muito pequena quando comparada a outros termos do balanço de energia, podendo ser, por isso mesmo, desprezada em muitos estudos. Em alguns casos, porém, é um termo relevante, como no da água represada próximo ao corpo da barragem, ponto em que a água tende a apresentar temperaturas muito baixas com a (3.17)

6 2 Aureo S. de Oliveira et al. profundidade e, quando liberada, pode causar variação significativa no armazenamento de energia da massa hídrica.

Um dos maiores empecilhos à aplicação do balanço de energia ou de qualquer método combinado, é estimar a energia armazenada ou liberada do reservatório quando dados de temperatura da água não estão disponíveis (Jensen, 2010). Em havendo dados, o componente Qt pode ser estimado através da análise sucessiva de perfis de temperatura (Brutsaert, 2010); como exemplo, a Figura 3.7 ilustra dois perfis de temperatura da água, obtidos no verão e outono no Lago Berryessa, Califórnia, Estados Unidos (Jensen et al., 2005).

Figura 3.7 Perfil termal do Lago Berryessa, Califórnia, Estados Unidos, em dia de

verão (10 de julho de 2003) e outono (30 de outubro de 2003)

Com base em perfis termais, Jensen et al. (2005) derivaram modelos lineares para estimativa de Qt naquele lago, em função dos balanços de onda curta e onda longa, como mostrado a seguir:

δQt= 0,5Rns− 0,8Rnl, para DDA < 180

δQt= 0,5Rns− 1,3Rnl, para DDA > 180

em que:

DDA - número de ordem do dia do ano

Allen & Tasumi (2005) estudaram a evaporação da água do reservatório American Falls, sul de Idaho. Instrumentos instalados e operados na margem do lago permitiram a coleta de dados para solução de modelos aerodinâmicos e do balanço de energia. Neste estudo, os autores negligenciaram Qw e Qv e obtiveram δQt como termo residual na Eq. 13. Portanto, δQt pode ser obtido via perfis de temperatura ou como termo (3.19a) (3.19b) Temperatura da água (oC) P ro fundi da de ( m )

6 3 Evaporação da água de reservatórios: Medição e estimativa por métodos micrometeorológicos residual do balanço de energia. A Figura 3.8 ilustra a variação média horária do δQt em relação aos demais componentes do balanço de energia no mês de julho de 2004, segundo Allen & Tasumi (2005).

Obs.: Adaptado de Allen & Tasumi (2005)

Figura 3.8 Média horária dos componentes Rn, E, H e densidade de fluxo de

energia armazenada (δQt) durante o mês de julho de 2004 para o reservatório American Falls, Idaho

Definidos os procedimentos de obtenção de Rn e δQt, a determinação da evaporação da água do reservatório (λE) como resíduo do balanço de energia requer, necessariamente, o cálculo do fluxo de calor sensível (H) por um método aerodinâmico (Eq. 7); neste caso δQt é obtido via perfis de temperatura.

Allen & Tasumi (2005) também utilizaram no reservatório American Falls, um sistema de razão de Bowen (Eqs. 10 e 11), conforme mostra a Figura 3.4. As posições dos equipamentos (correlação de vórtices e razão de Bowen) eram ajustadas em função do avanço ou recuo do leito do reservatório, de modo que os instrumentos pudessem ficar o mais próximo possível do leito para leituras representativas na camada atmosférica desenvolvida sobre o reservatório.

A equação do balanço de energia com razão de Bowen para estimativa da evaporação, é: λE =Rn− δQt 1 + β (3.20) F luxo de e ne rg ia (W m -2) Tempo (h)

6 4 Aureo S. de Oliveira et al. em que:

β - razão de Bowen, adimensional

Δ - diferença de valores da propriedade do ar entre as alturas 1 e 2

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