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Capítulo 3. Eventos de leitura em uma sala de aula da Escola do Assentamento

3.4 Eventos de leitura

3.4.2 Eventos de letramento não-literário

Os eventos de letramento não-literário referem-se às situações de interação de professora e alunos mediadas por textos não-literários, ou seja, textos não definidos como tal ou que não se objetivam a um trabalho estético, ficcional ou não-pragmático (PAULINO, 2001). Esta classificação tem duas justificativas. De um lado, quer marcar o quanto o grupo dos textos literários é predominante em relação a qualquer outro tipo de texto, nesta sala de aula. De

outro lado, quer também demarcar que o tempo de leitura dos alunos desses textos não- literários é menor. Isso significa que se está referindo aos diferentes textos a que os alunos têm acesso em sala de aula, textos com intenção informativa, expositiva, comunicativa, exceto com intenção estética ou ficcional.

O quadro abaixo apresenta um resumo dos eventos de leitura em sala com textos não- literários.

Eventos de letramento não-literário Leitura de mensagem eletrônica

Situações de interação de professoras e alunos mediadas por uma mensagem eletrônica xerografada. A mensagem foi recebida, pela professora, de uma espanhola que visitou o assentamento e ficou hospedada em sua casa. A finalidade desse evento é informar os alunos sobre um gênero textual e ocorreu uma única vez no ano de 2007.

Leitura na Revista Ciências Hoje

Situações de interação de professora e alunos com revistas Ciências Hoje para Crianças. A finalidade desse evento é ampliar a experiência dos alunos com outros textos impressos sobre temáticas de interesse da turma. Os alunos foram orientados a selecionar um texto da revista que lhes interessasse, fizessem a leitura em casa e, no dia seguinte, contassem para a turma. Esse evento ocorreu uma vez no ano de 2007.

Leitura no livro didático de ciências

Situações de interação de professora e alunos mediados pelo livro didático de Ciências - Coleção Conhecer e Crescer, de autoria de Érica Santana e refere-se à 3ªsérie do Ensino Fundamental, publicado pela Escala Educacional no ano de 2005 e distribuído no PNLD de 2007 - de uso individual. Os textos foram lidos oralmente pelos alunos e comentados pela professora, estabelecendo-se mais uma situação de imbricação oralidade/escrita. No interior dessa situação, intercalaram-se outras situações de interações mediadas pelo minidicionário Aurélio Buarque de Holanda. Esse evento ocorre cotidianamente no ano de 2007.

Leitura no livro didático de geografia

Situações de interação de professora e alunos mediados pelo livro didático de Geografia - Geografia: interagindo e conhecendo o mundo, publicado em 2001 pela Editora do Brasil e distribuído no PNLD de 2004. Os textos são lidos oralmente pelos alunos e comentados pela professora estabelecendo-se mais uma situação de imbricação oralidade/escrita. No interior dessa situação, intercalaram-se outras situações de interações mediadas pelo minidicionário Aurélio

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Buarque de Holanda. A finalidade desse evento é o ensino e a aprendizagem de conteúdos de geografia. Esse é um evento cotidiano no ano de 2007.

Esses eventos indicam aspectos gerais do letramento não-literário nesta sala de aula. O livro didático se coloca como o grande representante desse letramento, como será descrito e analisado no capítulo seguinte. Ele está presente em todas as áreas do conhecimento escolar. Em uma dimensão macro, eles representam a presença do global, do distante, de propostas e projetos para a escola em níveis mais amplos. Os livros didáticos e os livros de literatura fazem parte da política pública do MEC para o Ensino Fundamental.

As crenças sobre a leitura se manifestaram fortemente. A leitura oral permite à professora acompanhar o processo ensino-aprendizagem tanto da leitura quanto dos conteúdos a ela vinculados. Ela também se manifesta como fundamental para aproximar os alunos da cultura escrita e para permitir à professora avaliar a capacidade leitora dos alunos. Para os alunos, a leitura oral parece ter o valor de colocá-los como participantes ativos dos eventos e demonstrar para a professora e o grupo o seu domínio. Dessa forma, há uma crença sobre o valor da oralidade para o aprendizado escolar. Para a professora, aprende-se a ler lendo e podendo fazê-lo, até certo ponto no seu ritmo. Uma outra crença da professora passa pelo valor que tem os livros didáticos e livros de literatura para o aprendizado. Todavia, esses livros só têm valor se acompanhados da leitura oral.

Em relação aos impressos e manuscritos, houve espaços sistemáticos nas interações para os dois tipos. Os manuscritos constituíram os eventos de leitura oral de textos produzidos pelos alunos. O caderno constitui um volume considerável de interações de leitura oral, o que colocou a escrita manuscrita em um plano muito importante nesta sala. Articula-se nessas interações, a produção escrita e oral dos alunos em espaços coletivos. Os impressos constituíram em especial os eventos com livros didáticos e livros de literatura.

As situações de interação de professora e alunos com os textos (impressos e manuscritos) em eventos de leitura foram preponderantemente orais. Em algumas interações, professora e alunos partiram da oralidade para a escrita. Em outras interações, professora e alunos partiram da escrita para a oralidade desses textos, constituindo em sua maioria eventos de leitura oral. Em outras ainda, as interações se constituíram de imbricações constantes entre oralidade e

escrita, prática mais constitutiva de eventos de leitura de disciplinas escolares como Ciências e Geografia.

Em entrevista, a professora situa o projeto de letramento:

“os meninos da terceira já sabem diferenciar um texto informativo de um narrativo, acho que o ponto de partida pode ser por ai... né... pra identificar outros tipos né de texto... então eu não sei se você já viu mais eu tenho uma pastinha lá na escola... direto eu tiro aquela pastinha... ela fica lá no fundo do armário... ali eu tenho fôlderes... eu tenho revista... eu tenho tudo quanto é tipo de suporte né de leitura... eu tenho ali... aí eu trabalho muito aquilo com eles... toda vez que eu sinto necessidade de entrar com aquele material eu entro... aí eles fazem análise de alguns... e isso ajuda muito... tem ajudado muito... de vez em quando eu busco essa pastinha e pego aqui ó... esse material aqui... qual que é né... o motivo dele... pra que que isso aqui serve... né? que tipo de texto é esse aqui? o que que ele quer com isso aqui?” (Entrevista com a professora em 1º de novembro de 2007) Esse trecho no contexto da entrevista mostra que o letramento não-literário tem sido objeto de atenção, mas não foi sistematizado como se pode observar em relação ao letramento literário. Dessa forma, parece que os textos não literários entram na sala de aula para uma primeira apresentação e/ou reconhecimento dos alunos, ou seja, marcam o início de um processo de familiarização com este gênero.

Esse quadro mais geral será aprofundado no capítulo seguinte com a análise dos eventos de leitura, a partir de duas grandes categorias, a materialidade dos textos e os modos de ler. Essas categorias, como já citado, são muito utilizadas por historiadores da leitura e foram também definidas por Rockwell (2001) como centrais para estudos dos livros escolares, incluindo a produção oral em torno do ato de ler e as crenças sobre a leitura, como citado. A produção oral fez parte da análise das interações, portanto é constitutiva das análises da materialidade dos textos e dos modos de ler e serão retomadas no capítulo final ao discutir também as crenças que envolvem cultura escrita e cultura oral. As interações indicam, explicitam ou dão pistas do processo de apropriação dos textos por professora e alunos possibilitando assim a compreensão das práticas de leitura nesta sala de aula da Escola do Assentamento.

As análises do que se desenvolverão no capítulo seguinte vão possibilitar que se evidenciem as práticas de leitura e as várias dimensões que se interrelacionam e se tensionam em diferentes jogos de força e de interesse na constituição dessas práticas em um projeto de

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educação do campo: a trajetória de professora e dos alunos, as condições materiais e simbólicas da sala de aula e da escola, a burocratização do estado e do sistema público de ensino, as tradições na forma e nos conteúdos escolares de uma cultura escolar, o contexto social mais próximo do assentamento de reforma agrária, a organicidade e princípios do MST, o movimento por uma educação do campo, as representações e crenças sobre a escrita e a oralidade evidenciadas nas disposições coletivas da enunciação.

Capítulo 4. Práticas de leitura em uma sala de aula da Escola do