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Capítulo IV – Arquitetura Vernacular

4.3 Evolução da arquitetura vernacular

Desde sempre que o Homem teve necessidade de construir um abrigo para se proteger, em seu auxílio, este possuía sentidos primários de subsistência bem desenvolvidos, criando uma forte relação com o lugar e assim extrair dele o melhor para o seu bem- estar físico.

Foram necessárias muitas gerações, para se chegar à criação de formas e processos de construção, que segundo as caraterísticas de cada povo, se relacionassem com os diferentes tipos de clima e geografias. Quando isso se proporcionou, verificou-se que os edifícios eram construídos com técnicas rudimentares, contudo, mesmos estas sendo simples e passivas, visavam acima de tudo a maximização das condições de conforto, socorrendo-se apenas dos recursos naturais disponíveis, sendo para isso imprescindível a preocupação por determinadas questões, como por exemplo as caraterísticas geográficas, a melhor forma de isolamento, a orientação do edifício, e geometria a par dos materiais. Tem-se como exemplo disso as casas de madeira, típicas dos países nórdicos, onde as vastas áreas de floresta sugerem o material, material este usado há já milhares de anos e que permite a proteção ao calor de verão e isolar o frio no inverno; um outro exemplo são os yurts, umas habitações transportáveis da Ásia central e da Mongólia que consistiam numa estrutura em madeira, forrada por um tecido impermeabilizado com leite de burra fermentado e correias de lã e que oferecia grande resistência aos invernos polares e ao calor tórrido das planícies (Fernandes e Mateus, 2011).

A arquitetura vernacular é portanto conhecida pelas próprias caraterísticas das comunidades e do seu modo de habitar, dessa forma, reflete os diversos condicionalismos com que se confronta (geográficos, económicos, sociais e culturais). Isto torna-se percetível com as diferenciações regionais perante diferentes materiais e as diferentes formas de os usar devido às técnicas de cada local, também face às especificidades climáticas, às práticas culturais e ao próprio sistema económico.

Figura 4.2 – Yurt original. Fonte: Rodsbot.com, 2012 Figura 4.1 – Habitação de madeira em Zakopane.

Esta forma de arquitetura, evoluiu durante milhares de anos desde o aparecimento dos primeiros aglomerados populacionais no Neolítico, sendo as suas potencialidades transmitidas de geração em geração. Contudo este sentido, nunca sendo esquecido, foi perdendo peso à medida que as sociedades iam evoluindo, e com eles as próprias técnicas construtiva. Porém, no século XVIII, como reação ao barroco, acompanhado pelo interesse da razão e da natureza que se vivia na altura, a arquitetura vernacular ganha uma nova dimensão. Sendo que o contacto com a natureza era considerado purificador.

A aristocracia, a nobreza e, inclusive, os reis influenciados foram os grandes impulsionadores desta nova moda, incluindo até, nos jardins dos seus palácios e castelos, cabanas e aldeias semelhantes às do mundo rural, exemplo disso é a aldeia que Maria Antonieta mandou construir, a partir de 1783, nos jardins de Versalhes.

Esta tendência verificou-se por toda a Europa, contudo, na Inglaterra o interesse pela habitação unifamiliar tradicional foi mais longe, até ao ponto de esta constituir uma referência para o resto dos países europeus.

Pugin (1812-1852), foi um dos principais responsáveis por esse feito, mostrando um particular interesse pela recuperação da harmonia das aldeias históricas, sendo a sua intenção a de fazer “reviver” a Europa cristã medieval representada pela arquitetura tradicional. Mais tarde outros arquitetos juntaram-se a este pensamento, sendo que já não se pretendia apenas potencializar a tradicional, ou de integrar o desenho de todos os elementos (exteriores, interiores e objetos decorativos), mas sim procurar a herança da arquitetura de cada lugar, sendo esta uma das mais marcantes épocas da arquitetura vernacular.

Contudo, chegaram em simultâneo, tempos conturbados, relativos à Revolução Industrial, que veio implementar grandes alterações nas sociedades, em grande parte devido à evolução tecnológica que deu início à rutura das tradições e consequentemente quebrou a evolução deste movimento. Com isso, e perante outros motivos associados, como o movimento de êxodo rural vivido na época, os meios rurais ficaram abalados com falta de mão-de-obra para a produção agrícola, e com ela, partiram também os conhecimentos e experiências, acumulados ao longo dos tempos.

Enquanto as fábricas proliferavam e a população se concentrava nos centros urbanos, aparecia a necessidade de albergar toda a classe operária. Surgiu então o considerado período negro na história da habitação do homem, com o aparecimento dos bairros operários que ofereciam condições miseráveis e desumanas de habitabilidade, sendo que para além do seu crescimento desmesurado, quase não tinham luz nem ventilação (Goitia, 1996).

A industrialização trouxe consigo novas matérias e novas técnicas ao nível da construção, sendo que este período, foi conhecido por uma grande evolução do vidro, cimento e aço. Estes novos processos construtivos, vieram homogeneizar as formas de construção que antes tanto variavam com os diferentes lugares e culturas.

Assim, no século XX essas raízes com o passado, são completamente cortadas, sendo que com o Movimento Moderno, a transparência, luz, ar e sol ganharam um peso tal que em pouco tempo estes elementos tornaram-se base para o trabalho dos artistas e arquitetos, que se tentavam desprender das recentes cidades sujas e negras da revolução industrial com os seus novos modelos simplista e higienistas. As novas imagens da arquitetura expressavam-se como fortes e aplicáveis em qualquer geografia, o que fez com que rapidamente chegasse também ao meio rural, que por ser mais pobre, via no Modernismo o reflexo de uma vida melhor. Isto levou à descaraterização e ao desprezo de determinados métodos de construção vernaculares (Cerqueira, 2005).

Este novo pensamento trouxe consequências graves ao ambiente, sendo que, a Arquitetura Moderna recorria essencialmente a materiais industriais de fraca resistência térmica, perante isso, percebeu-se que as novas estruturas só poderiam garantir o adequado conforto interior com auxílio de sistemas mecânicos de climatização, desta forma, a arquitetura do século XX foi investindo neste caminho sem pensar nas consequências que isso traria ao ambiente.

Esta tendência foi-se desenvolvendo cada vez mais com a proliferação das energias não renováveis na década de quarenta, onde se verificou uma distribuição massiva da eletricidade e uma fácil e barata acessibilidade aos combustíveis fósseis. E veio mais tarde a piorar com o aumento da construção, principalmente na segunda metade do século XX, no pós-Segunda Guerra Mundial, onde as estruturas estandardizadas eram ainda mais baratas (Fernandes e Mateus,2011).

Contudo, os efeitos deste consumo desenfreado revelaram-se, e em 1973, a crise energética veio levantar questões sobre os comportamentos desorientados das populações. O relatório “The Limits to Growth”, lançou informações preciosas, sob as quais, se desenvolveu o primeiro chamado “edifício ecológico”. Este consistia essencialmente no regresso às formas de construção tradicionais, ao uso de materiais naturais e ao recurso a energias renováveis (Schittich, 2003). A partir daí, coexistiu um esforço por parte dos grandes gabinetes de arquitetura, em encontrar soluções na otimização dos recursos energéticos, baseando-se em energias renováveis e não poluentes.

O século XXI começou portanto com uma preocupação em mudar os hábitos pouco sustentáveis das populações. Sendo que os autores do relatório “Limits to Growth” acreditam que a questão da Sustentabilidade se vai tornar numa nova revolução, tão influente e profunda como outras revoluções verificadas ao longo da história, como é o caso da Agrícola ou da Industrial.

Nos últimos anos, o tema da sustentabilidade, ganhou de fato, grande relevo no domínio da Arquitetura e edificação, ao se constatar o estado da construção ao nível global, rapidamente se percebe o porquê da emergência da aplicação do termo. Segundo o Relatório de Brundtland, este setor está longe de encontrar as metas da sustentabilidade e põe ainda em risco as gerações vindouras. Isto porque a indústria da construção, que constitui ainda uma dos maiores setores da economia europeia é responsável por um impacto ambiental relativo a 30% das emissões de carbono produzidas na EU, sendo que os edifícios representam 40% do consumo total de energia na União Europeia (EPBD, 2010).

Com o intuito de reduzir os impactos destes valores, a União Europeia, estabeleceu metas para tornar a construção de edifícios mais eficientes, prevendo assim a médio prazo uma redução de 50% dos consumos de energia, a redução de 30% de matéria-prima e uma redução de 40% dos resíduos (Torgal & Jalali,2010). Para se alcançarem estes objetivos, é necessário que se encontrem novas soluções construtivas. Segundo alguns autores, torna-se pertinente nesta fase, pensar no futuro da construção tendo em conta o seu passado, que era mais sustentável.

É neste intuito que aparece o estudo pela arquitetura vernácula, que ao longo de sucessivas gerações, é ainda o reflexo de uma época mais sustentável, onde se sabia

lidar com os escassos recursos existentes. Sendo que cada vez mais esta forma de pensar é vista como um elemento chave na discussão sobre a identidade e pertinência de se voltar a construir consoante as características do local. Podendo esta contribuir para a redução dos desperdícios e dos consumos energéticos através da utilização de técnicas tradicionais e materiais locais, desenvolvidos para a adaptação a um território e clima específicos (Ribeiro, 2008).