• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II – Turismo e hotelaria

2.3. Hotelaria

2.3.1. Evolução da hotelaria

O serviço de alojamento e de restauração para turistas é um dos elementos principais do turismo, conforme se expõe nesta secção. Os turistas saem da sua residência, do seu ambiente habitual e do seu conforto, viajam e pernoitam pelo menos por uma noite, o que significa que precisam de um meio de alojamento para dormir e de serviço de alimentação (UNWTO, 2008). Neste sentido é oportuno analisar a evolução da hotelaria para compreender a sua relevância no contexto global do turismo.

De acordo com Marques (2003), “o negócio da hospedagem é quase tão antigo como a própria civilização e está diretamente ligado à necessidade de deslocação”. Se recuarmos aos primórdios da história, podemos constatar que as pessoas se movimentavam entre vários locais para procurar alimentos e um clima adequado para sobreviverem. Este tipo de deslocações periódicas, que promoviam uma aproximação entre as famílias, tribos e povos, criou um estilo de vida nómada. Ao longo da história ocorreram vários factos que contribuíram para a deslocação de pessoas, que originaram a necessidade de alojamento, alimentação e segurança.

Os Jogos Olímpicos organizados em Atenas, no tempo da Grécia Antiga, originavam a deslocação dos atletas e de muitas pessoas para assistirem aos jogos, tal como acontece atualmente com a organização dos grandes eventos desportivos, gastronómicos e vínicos, musicais e culturais. Posteriormente, a rede de estradas e pontes que foram construídas no território do Império Romano permitiu a deslocação de pessoas, tropas e o desenvolvimento do comércio, dando origem à criação de núcleos urbanos com ‘Tabernas’ e ‘Hospedarias’ que forneciam aos viajantes e aos animais (cavalos) alimentação, alojamento e

32

(alguma) segurança. Destacam-se também as termas, que os romanos instalaram no seu território e que atraíam muitas pessoas.

As deslocações dos Cruzados, que iam para outras terras combater os infiéis, bem como as peregrinações aos Lugares Santos, promoveram o aparecimento de hospedarias em abadias e mosteiros, que cuidavam dos peregrinos e lhes proporcionavam hospitalidade ao longo do caminho (Popp, Silva, Marques, Cardone, & Fernandes, 2007). A possibilidade de navegar alguns rios para transportar pessoas e mercadorias (vinho do Porto) e do transporte ferroviário deram origem ao aparecimento de hospedarias junto aos portos e às estações de caminho-de-ferro.

Com o desenvolvimento das viagens foi necessário introduzir algumas regras, direitos e deveres. Em 1245, em França, foi criado o primeiro decreto legal que determinada que somente as pessoas em viagem se poderiam alojar em hospedarias. Em 1315, outra lei estabeleceu alguns direitos e deveres para o hospedeiro e para o hóspede, como por exemplo, as indemnizações nos casos de roubo ou de morte do hospedado. Mais tarde, em 1407, foi estabelecida a obrigatoriedade do registo dos hóspedes. Em Portugal, destaca-se, em 1645, um alvará de D. João IV que tornou obrigatória a emissão de passaporte assinado pelo Rei, para todos aqueles que pretendiam sair do país.

Nos Estados Unidos, no final do século XVI, com o crescimento das cidades portuárias, apareceram muitas hospedarias e tabernas para alojar e alimentar os viajantes que vinham de outros países. Em Londres, em 1774, foi inaugurado o primeiro hotel convencional, pertencente a David Low, enquanto em Portugal, em Sintra, abria o Hotel Lawrence. Mas em Nova York, destaca-se a abertura de um hotel com setenta quartos e, mais tarde, em Boston, o Tremont House, com 170 quartos, considerado nessa época um modelo hoteleiro para todo o mundo.

A revolução agrícola e mais tarde a industrial vieram contribuir para o desenvolvimento dos transportes, que permitiram incrementar as trocas comerciais e o transporte de pessoas, entre cidades e países, o que implicava a necessidade de as alojar e alimentar. Destaca-se a primeira viagem coletiva organizada por Thomas Cook, em 1841, num comboio fretado para cerca de 570 pessoas, que foram assistir a uma manifestação antialcoólica (Cunha, 2003).

O primeiro hotel com aquecimento central nos Estados Unidos foi o Eastern Exchange Hotel, em Boston, em 1846. Treze anos mais tarde, surgiu um hotel com elevador, que tornou possível aumentar o número de andares nos edifícios, principalmente nas cidades. A primeira revista hoteleira, ‘The Hotel World’, foi publicada nos Estados Unidos em 1875.

33

Uma personagem que contribui para o desenvolvimento da hotelaria foi César Ritz. Em 1889, abriu em Londres o Hotel Savoy, com um novo conceito hoteleiro, considerado o primeiro hotel de luxo na europa, com iluminação elétrica, quartos com casa de banho e boletim informativo em diferentes idiomas. Posteriormente deu origem aos hotéis de luxo da marca Ritz, que podemos encontrar nas principais capitais e cidades europeias e, mais tarde, à escola hoteleira ‘César Ritz Colleges’. Contudo, a primeira escola hoteleira na Europa foi fundada por Jacques Tschumi, em 1893, em Ouchy, Lausane, Suíça, a Ecole hôtelière de Lausanne (“Ecole Hôtelière de Lausanne - History,” 2014).

O desenvolvimento dos transportes, automóvel, ferroviário, marítimo e aéreo, durante o século XX, veio revolucionar por completo a forma de deslocação das pessoas e das mercadorias (Popp et al., 2007), tornando as distâncias mais curtas, rápidas e acessíveis, incrementando consideravelmente o aumento do número de turistas. Destacam-se as viagens transatlânticas e o desenvolvimento do conceito de viagem low cost, que tem contribuído, de forma decisiva para o aumento do número de turistas em vários destinos, como por exemplo no Porto e em Lisboa (Turismo de Portugal, 2016). Algumas companhias aéreas (Air France; KLM; Swissair; Lufthansa; etc.) criaram marcas hoteleiras, como complemento à sua atividade. O direito a férias pagas proporcionou o aumento do tempo de lazer e do poder de compra das pessoas, contribuindo, assim, para viajarem, principalmente, durante o seu período de férias. Por outro lado, tem-se verificado uma mudança na estrutura familiar, com a mulher/mãe a dar entrada no mundo do trabalho e a fazer carreira profissional, o que, aumentando os rendimentos das famílias, possibilitou o acesso às férias, dando origem a novos conceitos hoteleiros, mais direcionados para este mercado (C. Johnson, 2012).

A transição da sociedade industrial para a sociedade de informação e de conhecimento proporcionou novos modos de vida e de comportamentos de consumo, gerando novos mercados que procuram serviços hoteleiros diferenciados, com tecnologia, valor acrescentado, entre outros, que foram gerando uma hotelaria mais heterogénea e com hóspedes mais exigentes (C. Johnson, 2012).

Contudo, estas mudanças, entre outras, contribuíram para o crescimento e desenvolvimento da indústria hoteleira, de forma muito diversa, para responder às inúmeras necessidades e desejos dos turistas. Este crescimento impõe uma necessidade de existir uma mão-de-obra cada vez mais qualificada, com conhecimentos e competências adequadas às necessidades da hotelaria, conforme se pode ver na Figura 13. (Castelli, 1995).

34

Figura 13 - Evolução dos meios de transporte / meios de alojamento / mão-de-obra

Fonte: Castelli (1995)

A hotelaria tornou-se na ‘casa global’ do turista, que se converteu desde um serviço básico (alojamento e alimentação) em espaços e serviços diversos, que vendem sonhos para dar resposta às inúmeras expectativas e necessidades dos turistas. Podemos, portanto, concluir que o desenvolvimento da indústria hoteleira está associado à viagem, ao desenvolvimento dos transportes, às formas de comunicação, da legislação, do desenvolvimento do turismo e do aumento do tempo de lazer, do crescimento económico, dos eventos, entre outros fatores. Segundo Marques (2003) “sem hotelaria, não há turismo; sem bons estabelecimentos hoteleiros, não há bom turismo; sem bom serviço, não há bons estabelecimentos hoteleiros”. De seguida, abordaremos o conceito de hotelaria e de hospitalidade.