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EVOLUÇÃO DO CONCEITO

No documento MAJ Duarte da Costa (páginas 83-90)

DO ESTADO NAÇÃO

EVOLUÇÃO DO CONCEITO

A existência de grupos dotados de forte homogeneidade e comunhão de identidades individuais a que chamamos comunidade leva-nos à ideia de Nação que, umas vezes intencionalmente, outras por mero descuido de linguagem, se confunde com Estado, sendo certo que lhes correspondem conceitos substancialmente diversos. Temos assim que o conceito de Nação é usado com os mais diversos significados; por vezes coincide com a noção de Estado, outras é-lhe superior em âmbito para em outras circunstâncias lhe ser inferior. O que pode ilustrar-se, com o artigo 3º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que consagra que o princípio de toda a Soberania reside essencialmente na Nação. Porém, na aparente coincidência entre Estado e Nação, este preceito reenvia-nos à questão: que entender por Nação? Por outro lado, encontramos ainda o seu uso em expressões onde a ideia de Nação nos remete para um conceito de raiz cultural comum e assume uma posição supra-estatal como a Nação árabe, Nação europeia. Um outro exemplo encontramo-lo no aforismo norte-americano “the Nation and the States”, em que a Nação é entendida como comunidade nacional pluriestatal, embora federativa, isto é, a Nação infra-estatal. Em ambos os casos não há coincidência entre os conceitos de Nação e de Estado; outros exemplos poderíamos dar em que aquela coincidência se verifica. É sem dúvida a Revolução Francesa que marca o início da importância actual das nacionalidades. Na Constituição de 1793, já se refere a soberania do povo e a universalidade dos cidadãos; mais tarde, em plena I Guerra Mundial, o presidente norte-americano Wilson, proclamaria num dos seus Catorze Pontos o

princípio das nacionalidades que defende a coincidência entre a Nação e o Estado. Contudo, não pode dizer-se que tal princípio tenha tido grande aplicação prática ou, pelo menos, que tenha havido uma experiência homogénea em torno da sua aplicação. Umas vezes não teve aplicação prática por questões conjunturais (Estónia, Letónia e Lituânia que foram independentes entre as duas guerras, deixaram-no de ser e agora são-no novamente) ou por razões endógenas ou exógenas que possibilitam a independência (é o que sucedeu, com nacionalidades integradas na Jugoslávia, com a independência dos checos e dos eslovacos), outras há em que foi viável (no Luxemburgo e na Bélgica). Numa perspectiva algo redutora, a questão central que se nos coloca é decorrente da dicotomia expressa na relação poder político e conjunto de pessoas que abrange - o povo. Por povo, que não podemos nem devemos confundir com população - conceito puramente demográfico ou estatístico que refere o conjunto de indivíduos que em determinado momento está presente no espaço territorial do Estado, incluindo estrangeiros e apátridas. Nem tão pouco se deve confundir com cidadãos. É que este é um conceito jurídico que opera a fusão das duas expressões em termos tais que lhes unifica o sentido. A cidadania mais não é que a prova de identidade que mostra a relação ou vínculo do indivíduo com o Estado, isto é, o estado de cidadania, o status civitatis. Quer dizer, reporta-se a uma esfera de direitos e deveres do indivíduo. Ora a cidadania determina-se, em abstracto, pelo jus sanguinis, pelo jus soli ou por um sistema misto. Ora, esta conexão de cidadania, sendo relevante do ponto de vista jurídico, pode não o ser de qualquer outro ou até não o ser de nenhum dos restantes pontos de vista. É certo que esta óptica jurídica tem a vantagem de, sendo de aplicação universal, obviar aos inconvenientes das dimensões política e ideológica a que se encontra vinculado o ser humano. Mas, é exactamente aí que radica também a sua fraqueza, o seu inconveniente. Por isto mesmo prefere-se a noção sociológica

de povo. Povo será então a continuidade do elemento humano, projectado historicamente no decurso de várias gerações e dotado de valores e aspirações comuns. Curiosamente Cícero já o definia atendendo à dupla dimensão do conceito - jurídico e sociológico - ao afirmar que o povo é a reunião da multidão associada pelo consenso do direito e pela comunhão da utilidade. Curioso é notar que o conceito de povo é desconhecido na Idade Média, época em que o conceito de Estado parte da noção de território e da organização feudal para justificar o poder através da propriedade. Da modernidade, inspirada pelas ideias da Revolução francesa, e do liberalismo burguês da segunda metade do século XVIII viria a surgir a nova teoria do Estado partindo exactamente do povo que de objecto, durante o absolutismo, com a democracia, passa a sujeito. Desta noção de povo se arranca para a de Nação quando lhe juntamos um território próprio, que ele ocupa. Contudo, o todo, a Nação, é mais que o mero somatório das partes (povo e território). Pode-se definir Nação como sendo um grupo humano no qual os indivíduos se sentem mutuamente unidos, por laços tanto materiais como espirituais, bem como conscientes daquilo que os distingue dos indivíduos componentes de outros grupos nacionais. É exactamente este acentuar de identidade de sentimento - idem sentire - que estabelece a diferença em relação ao mero somatório das partes e que possibilita a existência de uma Nação não exactamente coincidente com um povo.. Daqui a evidente possibilidade de o humano se poder organizar em formas nacionais independentemente do Estado, no plano sincrónico antes dele ou depois dele e no diacrónico acima ou abaixo dele. Com Mancini, em meados do século XIX, viríamos a obter um importante e decisivo contributo, para fixar o conceito como sendo uma sociedade natural de homens, com unidade de território, origem, costumes e língua, estruturados numa comunhão de vida e consciência social, para defender o entendimento de que as Nações são obra de Deus e os Estados,

entidades arbitrárias e artificiais, criadas frequentemente pela violência e pela fraude. Em síntese, temos assim configurados os três elementos ou factores essenciais potenciadores do surgir e definir da Nação a partir do povo e do território: factores naturais (território, raça e língua); factores históricos (tradição, costumes, leis e confissão religiosa); factores psicológicos (consciência nacional), sendo certo que nenhum deles pode ser tomado isoladamente para a se explicar o conceito, erro este já muitas vezes cometido ao longo da história da humanidade. A Nação é a síntese espiritual de todos estes factores, ainda que algum ou alguns deles lhe faltem. Relevante é que os existentes sejam suficientes para desta sua síntese surgir a consciência nacional. Renan que considerava o conceito de Nação como uma ideia clara na aparência, mas que se presta aos mais perigosos equívocos, na sua conferência na Sorbonne qualificava-a como uma alma, um espírito, uma família espiritual e, deixando de lado a questão da língua e da raça, acrescentava que o que constitui uma Nação é haver feito grandes coisas no passado e querer fazê-las no porvir, é um plebiscito de todos os dias, como a existência do indivíduo é uma afirmação perpétua da vida. Foi Maquiavel que, ao iniciar “O Príncipe”, introduziu no léxico o emprego que fazemos da palavra Estado ao afirmar que todos os Estados, todos os domínios que têm tido ou têm império sobre os homens são Estados, repúblicas ou principados. O termo aguentou a república de Bodin e consagrou-se universalmente na linguagem dos tempos modernos e da idade contemporânea. Contudo, esta acepção de ordem política da sociedade é conhecida desde a Antiguidade. Encontramo-la na polis grega, na civitas e na respublica romanas, personificando a aderência à ordem política e à cidadania. No imperium e regnum, durante o apogeu do Império Romano, encontramo-la já inflectida na acepção de organização de domínio e de poder. Na Idade Média transfigura-se em Laender (países) para nos conduzir à ideia de território. Nesta

evolução da ideia de Estado que viria a ser explanada na obra “O Príncipe” encontramos referência aos principais elementos constitutivos da moderna concepção: poder político (elemento formal), o homem (elemento humano - população, povo ou Nação, conforme se adopte uma óptica demográfica, jurídica ou cultural) e o território. Para Duguit, o Estado, é o grupo humano fixado em determinado território, onde os mais fortes impõem aos mais fracos a sua vontade. Concepção esta que apenas peca ao considerar, afinal, uma necessidade de relação de força entre dois grupos que podendo verificar-se não é essencial à existência do Estado. Por isto é preferível a noção de Jellinek que o concebe como sendo a corporação de um povo, assentada num território e dotada de um poder originário de mando. Do exposto se conclui da não necessária coincidência entre a Nação e o Estado que, quando analisados em concreto, podem conduzir-nos a sentidos e alcances completa e perfeitamente díspares, sendo certo que desta disparidade decorre, tantas vezes, a causa principal, se não única, de gravíssimos conflitos internos.

BIBLIOGRAFIA

BOBBIO, Norberto; Dizionário di Politica; Unione Tipográfico

BRAILLARD, Phillipe-Teoria das Relações Internacionais; Edições da Fundação Calouste Gulbenkian

GELNER, Ernest-Nações e Nacionalismo; Gradiva

McHENRY, Robert, Editor; The New Encyclopaedia Britannica; Encyclopaedia Britannica, Inc.

RENAN, Ernesto; Qu’est ce que c’est ene nation?; Edições da Universidade Católica; 1982 OUTHWAIT, William; Dicionário do Pensamento Social do Século XX; Dinalivro

SCHULZE, Hagen; Estado e Nação na História da Europa; Editorial Presença

FONTES DA INTERNET

http:\\europa.eu.int http:\\lcweb.loc.gov

ANEXO B

DA SOBERANIA

Soberania, é o termo que normalmente designa o poder político no Estado moderno dotado da plenitude da capacidade de direito em relação aos demais Estados. Vulgarizado desde o séc. XVI através de Jean Bodin (1580), justifica-se sobretudo a partir do Tratado da Westefália (1648), que sela a ruptura da Europa após a Reforma, a sua divisão em Estados independentes com fronteiras precisas e o termo da supremacia do Papa. Soberania significa então na ordem interna, supremacia e pretensão ao poder ilimitado: os reis e soberanos não admitem nenhuma autoridade não só acima como além da sua. E significa ainda na ordem externa, independência de qualquer outra autoridade da mesma natureza e o acesso ao sistema de Estados europeus livres e iguais.

Em sentido lato, pode-se afirmar que o conceito político-jurídico de Soberania indica o poder de mando de última instância, numa sociedade política e, consequentemente, a diferença entre esta e as demais associações humanas em cuja organização não se encontra este poder supremo, exclusivo e não derivado. Este conceito está pois intimamente ligado ao poder político: de facto a Soberania pretende ser a racionalização jurídica do poder, no sentido da transformação da força em poder legítimo, do poder de facto em poder de direito.

Obviamente são diferentes as formas de caracterização da Soberania de acordo com as diferentes formas de organização do poder que ocorreram na história humana, já que em todas elas é sempre possível identificar uma autoridade suprema, mesmo que na prática

esta autoridade se explicite ou venha a ser exercida de modos bastante diferentes.

De fundamental é a importância do conceito de Soberania para o estudo da Teoria do Estado e do Direito, já que todas as constituições que regem os países actuais a consignam de forma expressa, assim como as Cartas e Documentos das Organizações Internacionais. É um princípio vigente, pese embora os interesses e argumentos que de tempos a tempos contra si se levantam. Existem mesmo aqueles para quem a Soberania já passou de moda quer como conceito quer como realidade, devidos às repentinas e espectaculares mudanças ocorridas na cena internacional. Estas mutações registam ao mesmo tempo a desagregação de impérios como o da União das República Socialistas Soviéticas, a integração regional de Estados como no caso da União Europeia, a aparição de Confederações ao redor da Rússia e a criação da Comunidade de Estados Independentes, o desmembramento de Estados nacionais como no caso da antiga Jugoslávia, a reunificação de países divididos como no caso da Alemanha e inclusive a intenção de se reforçarem autonomias regionais como sucedeu com a Espanha e o Canadá. O inegável processo de globalização que abarca praticamente todos os aspectos da vida social, incrementou a interdependência dos conceitos quer do direito quer da ciência política.

É neste universo político-jurídico que se irá inscrever este estudo por forma a perceber-se do que está envolvido dentro deste conceito tão vasto abarcado pela palavra Soberania.

No documento MAJ Duarte da Costa (páginas 83-90)