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2.2 –EVOLUÇÃO DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS LIGADO AO PATRIMÓNIO

A ideia oficialmente expressa de preservar surge a partir do Renascimento com base em testemunho, designando-se por “Antiqualhas” os edifícios cujo cariz é digno de destaque devido à sua relevância, expressa na transmissão e contributo dos seus valores culturais.

No Reinado de D. João V surge de forma escrita e decretada, no âmbito da intervenção do Património o primeiro instrumento legal, o Alvará de 20 de Agosto de 1721 ( século XVIII), transcrevendo-se [2.1]:

“...da Academia Real da História Portuguesa Eclesiástica, & Secular, que procurando examinar por si & pelos académicos, os Monumentos antigos que havia, e que podiam descobrir no Reino, dos tempos em que nele dominaram os Fenícios, Gregos...e por ignorância vulgar se tinham consumido, perdendo-se por este modo um meio muito próprio e adequado, para verificar muitas noticias da venerável antiguidade...”. ”Daqui em diante nenhuma pessoa de qualquer estado, qualidade e condição que seja desfaça, ou destrua em todo, nem em parte qualquer edifício que mostre ser daqueles tempos, ainda que em parte esteja arruinado...”

Aparece desta forma uma primeira acção legislativa relacionada com o Património edificado, como descoberta dos valores deixados por um passado longínquo. Refere que a Academia Real da História Portuguesa deve inventariar e conservar os monumentos antigos, não devendo em caso algum ser destruído em todo ou em parte edifícios que demonstrem ser desse tempo.

De referir a presença das palavras “monumentos antigos”, como fazendo parte da Lei e do senso e uso comum da época, bem como a ausência de definição da mesma, sendo a mesma ainda utilizada nos dias de hoje em contextos culturais e patrimoniais.

Apesar da data deste alvará, só no final do século XIX é que foi especificado o conceito de “monumento histórico”, iniciando-se aí as preocupações com o Património e salvaguarda dos imóveis.

Em 1876 surge um Decreto com indicação da necessidade de habilitar Técnicos para intervir em monumentos, definindo o papel do Estado no inventário, vigilância, conservação e reparação dos monumentos históricos [2.1].

Em 1880 surge a primeira listagem de categorias de imóveis a classificar, encontrando- se estes agrupados em seis classes, nomeadamente [2.1]:

• Obras primas de arquitectura e da arte portuguesas;

• Edifícios com significado para o estudo da história das artes; • Monumentos militares;

• Estatuária;

• Padrões e arcos comemorativos; • Monumentos pré-históricos.

Não existe conhecimento relativo à aprovação oficial desta listagem, mantendo-se contudo como elemento de referência [2.1].

As classificações de imóveis só tiveram inicio no século XX, nomeadamente através da Portaria de 10 de Abril de 1901 que estabeleceu a importância de todos os elementos que pudessem contribuir para o conhecimento aprofundado e exaustivo da história antiga. [2.2]

Posteriormente, em 24 de Outubro de 1901 foi assinado o Decreto Orgânico com a criação do Conselho dos Monumentos Nacionais, referindo-se a classificação de monumentos nacionais [2.3]“...sob os aspectos arqueológico, histórico e arquitectónico,

tal como se menciona a fiscalização superior da conservação quer os mesmos edifícios fossem propriedade do Estado ou de quaisquer indivíduos ou colectividades.”

Três meses após a publicação deste decreto, foi publicado o Decreto de 30 de Dezembro de 1901 que estabeleceu as “Bases para a classificação dos imóveis que devem ser considerados monumentos nacionais”, referindo no 1º artigo o seguinte [2.4]: “Os

imóveis, por natureza ou destino, cuja conservação represente, pelo seu valor histórico, arqueológico ou artístico, interesse nacional, serão classificados monumentos nacionais.”

As categorias e critérios de classificação surgem nos inícios do século XX, sofrendo sucessivos aperfeiçoamentos ao longo do mesmo século.

A preservação do Património surge antes da instauração da República e sendo desde logo defendido acima de quaisquer interesses públicos e privados.

O primeiro imóvel a ser classificado foi o castelo de Elvas, através do Decreto de 27 de Setembro de 1906. Posteriormente, em 14 de Janeiro de 1907, foram classificados os monumentos mais emblemáticos e marcantes: Mosteiros da Batalha, Jerónimos e Alcobaça, Convento de Cristo, Sés da Guarda, de Lisboa, de Évora e de Coimbra e a Torre de Belém.

Em 1910 foi publicado um Decreto de classificação segundo o tipo de imóvel e alargando o conceito de Monumento, dividindo o mesmo pelas seguintes categorias:

• Monumentos pré-históricos (Antas e outros monumentos);

• Monumentos Lusitanos e Lusitano-Romanos, Castros, Entrincheiramento (exclusivo Cava de Viriato em Viseu);

• Povoações Romanas;

• Marcos miliários, pontes, templos, arcos, fontes; • Estátuas (Lusitanos de Montalegre);

• Inscrições, túmulos e sepulturas;

• Monumentos militares (castelos, torres e padrões);

• Monumentos Civis (Paços Reais, Municipais, Episcopais, Universitários, Misericórdias, Palácios Particulares e Casas Memoráveis, Hospitais, Aquedutos, Chafarizes, Fontes, Pontes, Arcos, Padrões comemorativos e Pelourinhos);

• Trechos arquitectónicos.

À semelhança do que tinha sucedido no século XIX, em 1910 foi instituída a República, extintas as ordens religiosas e abolidos os títulos nobiliárquicos, o que possibilitou o abandono, ruína, mudança de funções e aproveitamentos menos próprios dos edifícios e do uso do seu recheio [2.2].

Houve a necessidade de criar instituições mais concordantes com o sistema político, reorganizando a instituição do património Cultural. Esta instituição designou-se de Conselho de Arte e Arqueologia e foi dividida pelo país: Lisboa, Porto e Coimbra.

O Conselho de Arte e Arqueologia teve, além de outras funções, a de apresentar propostas de classificação ou a sua apreciação, bem como velar pela conservação dos mesmos.

Esta instituição foi criada pelo Decreto n.º 1 de 26 de Maio de 1911, extinguindo-se o Conselho dos Monumentos Nacionais.

Neste Decreto surge novamente a concessão do título “Monumento Nacional” [2.5]:

“aos imóveis cuja conservação represente pelo seu valor artístico, histórico ou arqueológico, interesse nacional, será feita por decreto, sob proposta do Conselho de Arte e Arqueologia da respectiva zona, procedendo parecer da sua comissão de monumentos.”

Também estabelece um detalhe de grande importância e que ainda é nos dias de hoje mantido, a “expropriação por utilidade pública”, em caso de oposição por parte do proprietário à classificação, transcrevendo-se o seguinte [2.5]: “ os imóveis que forem

propriedade particular, serão também classificados, podendo proceder-se quando o proprietário se oponha à classificação, a expropriação por utilidade pública, mediante lei especial que a autorize.”

Surge também a necessidade de outro critério para a classificação diferente da de “monumento nacional” [2.5]: “Os edifícios que, sem merecerem a classificação de

monumentos nacionais, ofereçam, todavia, algum interesse, sob o ponto de vista artístico ou histórico, serão descritos em cadastro especial; e nenhuma obra de conservação ou restauração poderá realizar-se neles, sem que o respectivo projecto haja sido aprovado pela comissão de monumentos da respectiva área.”

Neste contexto o bem, quer seja privado ou público, foi sendo defendido pelo Estado, acima de quaisquer interesses, sendo lançadas as preocupações de manter, preservar e salvaguardar o Património edificado, bem como a necessidade do estabelecimento de critérios que permitem clarificar e dividir os “monumento nacional”.

O Decreto n. 11445 de 13 de Fevereiro de 1926 surgiu com um reforço da divisão entre “monumento nacional”, e “outros imóveis de interesse” mas sem acrescentar algo de concreto acerca dessa necessidade, transcrevendo-se [2.6]: “Os imóveis, que sem

interesse público, sob o ponto de vista artístico, histórico ou turístico, serão, com essa designação, descritos em cadastro especial...”.

Além deste artigo, um outro veio dar um reforço à ideia da necessidade de se proceder a divisão ao nível dos monumentos [2.6]: “à data de publicação desta Lei consideram-se

como regular e legitimamente classificados os monumentos que o tenham sido por decretos anteriores, organizando-se duas listas: uma para os monumentos nacionais; outra para os imóveis de interesse público, histórico, artístico ou turístico, a que se refere o artigo 115º.”

Contudo esta nova classe de classificação foi simplesmente aplicável apenas à Arqueologia [2.6]: “Os monumentos nacionais serão inscritos em cadastro geral, de

modelo superiormente estabelecido, classificados por épocas arqueológicas ou períodos históricos e distribuídos por distritos e concelhos...”

Esta evolução dos conceitos dá-nos a ideia intermédia da cada vez maior necessidade da abrangência de classificação como “Imóvel de Interesse Público” para outros imóveis não merecedores do título “monumento nacional”.

No Decreto n.º 15216 de 14 de Março de 1928 tornou-se o mesmo conceito prática comum para todos os imóveis [2.7]: “Propor superiormente a classificação de

“Monumentos Nacionais” ou de “Imóvel de Interesse Público”.

A consciência de se estarem a perder pelourinhos e toda a história relativa a estes, foi decretado no Decreto n.º 23122 de 11 de Outubro de 1933, com a classificação dos mesmos como Imóveis de Interesse Público.

A necessidade de distinguir de forma institucional certas dúvidas entre cultura e ensino, foi classificada no Decreto-Lei n.º 26957 de 28 de Agosto de 1936, com referência aos valores paisagístico, étnico, arqueológico, arquitectónico de Portugal, bem como as mesmas contribuírem para o cadastro, inventário e classificação.

Posteriormente assistiu-se de forma implícita às ligações urbanístico - arquitectónicas e arquitectura popular com o meio ambiente, através da Lei n.º 2032 de 11 de Junho de 1949, nomeadamente na Base I [2.8]: “As câmaras municipais devem promover a classificação,

elementos ou conjuntos de valor arqueológico, histórico, artístico ou paisagístico existentes nos seus concelhos. Se as entidades competentes os não classificarem como tais, poderão as câmaras promover, junto das mesmas entidades, a sua classificação como valores concelhios.”

Com esta Lei foi estabelecido um novo valor de interesse para a classificação de imóveis, o valor concelhio ou interesse municipal.

Alguns anos mais tarde foi publicado o Decreto-Lei n.º 13/85 de 6 de Julho, conhecida como “1º código, A Lei do Património Cultural Português”, que deu continuidade aos critérios anteriormente estabelecidos, bem como ao seu enquadramento jurídico. Este Decreto foi revogado, pelo Decreto-Lei n.º 107/2001 de 8 de Setembro, contendo este as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural. Este decreto recente mantém a vertente da salvaguarda, protecção e valorização, bem como toda uma influência dos contextos internacionais de recomendações e convenções, sobre salvaguarda, protecção e valorização.