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Exceções à regra da obrigatoriedade da sanação preliminar

17. Vício de qualidade do produto

17.1. A sanação do vício

17.1.3. Exceções à regra da obrigatoriedade da sanação preliminar

O Código de Defesa do Consumidor estabelece exceções à regra da etapa de sanação preliminar. O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas sempre que o reparo, em razão da extensão do vício, puder

300Como já decidiu a Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no voto condutor do

Desembargador Aguilar Cortez, “o consumidor não é obrigado a sujeitar-se a experiências de tentativa e erro por tempo

indefinido” RT 742/237-238. Neste julgado, a consumidora encaminhou o veículo à concessionária para reparo em cinco ocasiões diferentes e os vícios não foram sanados.

301

Nos esclarece Vilson Rodrigues Alves: “Lapso precluso é o intervalo de tempo encerrado, extinto, sem que etimologicamente se encontre delimitação ao âmbito exclusivamente processual. Há prazos de direito processual como os há de direito material, sem que se justifique diacronicamente a aplicação do signo linguistivo tão-somente aos prazos processuais. Em todas as hipóteses de extinção do direito, da pretensão, da ação e da exceção de direito material, como também de extinção da ação de direito processual, há preclusão, aqui preclusão processual., nas demais preclusão material.” In ALVES, Vilson Rodrigues. Da Prescrição e da Decadência no Novo Código Civil. 3ª Edição. Campinas: Servanda Editora, p. 62.

comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor, ou tratar-se de produto essencial.

A eliminação do vício é uma medida que, sem dúvida, favorece o fornecedor porque privilegia a conservação do negócio jurídico, tão importante numa economia de fabricação e distribuição massificada. No entanto, a solução não poderia ser aplicada em sacrifícios dos interesses do consumidor. Por isso o CDC, ponderando os interesses em jogo, definiu algumas hipóteses em que o consumidor está dela dispensado.

O reparo do produto, como já mencionado, implica na substituição de peças secundárias. Quando o reparo envolver a substituição de peça principal ou conjunto de componentes de modo que o produto possa vir a sofrer perda das suas qualidades originais, ou provocar a redução da funcionalidade de outras partes, o consumidor poderá superar a fase de sanação.

Mesmo no regime do Código Comercial, Cunha Gonçalves esclarecia que o comprador podia optar pela mera reparação do vício, mas não era obrigado a aceitar a coisa que, embora reparada, já não tivesse o valor, a resistência, a potencialidade de uso daquela íntegra, nova, e perfeita tal como prevista ao tempo da contratação.302

A avaliação da perda de qualidade ou características originais do produto deverá ser feita caso a caso, de acordo com as expectativas do consumidor. Anota Luis Daniel Pereira Cintra que o preceito é abrangente, pois

302 GONÇALVES, Luiz da Cunha. Da Compra e Venda no Direito Comercial Brasileiro. 2º ed. São Paulo : Max

“não se vislumbra hipótese em que o comprometimento da qualidade ou

característica do produto não reflita no respectivo valor”.303

Para ilustrar a propriedade do raciocínio do autor, citamos decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que condenou o fornecedor à substituição de um automóvel por outro do mesmo modelo ou a restituir o preço equivalente do mesmo veículo zero quilômetro, posto que a eliminação do vício constatado no produto (desalinhamento do monobloco) demandava a sua remontagem com modificação da numeração original, realização de nova pintura, etc.

A fabricante argumentou que o reparo seria realizado por técnicos habilitados e seguiria todos os dados do projeto original do bem, levando à entrega de um veículo com estado “semelhante a um novo”, sendo na sua ótica a recusa do consumidor uma intransigência injustificada. Decidiu o Tribunal, acertadamente, que um veículo em estado de novo não equivale a zero quilômetro, como fora aquele adquirido originariamente pelo consumidor, e que o reparo, devido à magnitude do vício, evidentemente implicaria na desvalorização do produto no mercado.304

A diminuição do valor é outra hipótese que exclui a etapa de sanação. Como já dissemos, o reparo de produtos novos, adquiridos por um

303 CINTRA, Luís Daniel Pereira. Anotações sobre os vícios, a prescrição e a decadência no código de defesa do consumidor. Revista Direito do Consumidor. São Paulo : Revista dos Tribunais, n.º 8 : 118-145, p. 125.

304TJRS, 3ª C, AC nº 593021272, j. em 8.4.1993, rel. Des. Jauro Duarte Gehlen, v.u., RDC 9/135/139. A aquisição do

veículo, no caso citado, foi realizada durante a vacatio legis do CDC. O tribunal fundamentou a decisão no art. 159, do CC/1916, sob o argmento de que a montadora incorreu em culpa ao ter colocado no mercado um veículo com problemas estruturais, ocasionando dano ao patrimônio do adquirente.

preço elevado, geralmente causa uma significativa depreciação do seu valor de mercado.

Por fim, supera-se a sanação caso o produto seja essencial. Zelmo Denari sustenta que produtos essenciais “são aqueles insuscetíveis de

dissociação, formados pela mistura e confusão dos respectivos componentes”.305

Pensamos que o fato de um produto cujas partes sejam insuscetíveis de desagregação não lhe qualifica como essencial; indica a impossibilidade fática de serem sanados, vez que o reparo implica na substituição de peças ou componentes. A noção de produto essencial, ao nosso sentir, alcança também os produtos ditos compósitos.

A essencialidade, assim, deve ser aferida levando-se em conta a natureza do próprio produto (critério objetivo) ou à sua destinação segundo às necessidades concretas do consumidor (critério subjetivo). A aquisição para utilização imediata, como, por exemplo, a aquisição de chuveiro elétrico no período de inverno, ou de um aparelho de ar condicionado no verão, justificaria a exceção em comento.306

305 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.

174.

306 GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. 5ª ed. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1998, p. 89.

17.2. Direitos do consumidor em caso de vício de qualidade do produto

Não tendo sido o produto sanado no prazo de trinta dias ou sendo o caso de superação dessa etapa, terá o consumidor o direito de exigir: a) a substituição do produto; b) o desfazimento do contrato com a restituição das quantias pagas; ou c) o abatimento proporcional do preço.

Desde logo, cumpre ressaltar que não há hierarquia entre essas soluções. Compete ao consumidor optar por aquela que melhor atenda ao seu interesse.