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Extensões do conceito de consumidor

10. Responsabilidade solidária entre fabricante e vendedor

11.2. Extensões do conceito de consumidor

Carlos Ferreira de Almeida ensina, com propriedade, que “a

pluralidade e a variabilidade das definições de consumidor explicam-se pela sua funcionalidade”.204 É possível a convivência de diversos conceitos de consumidor no interior de um mesmo sistema jurídico, variando a definição de acordo com o grau de proteção pretendido e o instituto a ser aplicado.

O Código de Defesa do Consumidor, além do conceito de consumidor padrão ou em sentido estrito, estipulou outros três, denominados consumidores por equiparação. Cumpre-nos precisar os fins e o alcance de cada um deles.

11.2.1. Coletividade de pessoas

Considera-se consumidor “a coletividade de pessoas, ainda que

indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” (art. 2º,

parágrafo único, do CDC).

Esse conceito, segundo a definição legal, abrange todas as relações jurídicas de consumo existentes no mercado, identificáveis ou não. É a

partir dele, como bem lembra Maria Antonieta Zanardo Donato, que se opera a proteção jurisdicional dos consumidores de forma coletiva.205

Com fundamento nesse conceito, qualquer um dos legitimados do art. 82, do CDC, poderá propor ação coletiva para se obter um provimento jurisdicional e beneficiar todos os consumidores de um produto com vício de fabricação, por exemplo. Estar-se-ia, nesta hipótese, diante de interesses individuais homogêneos, nos termos do artigo 81, inciso III, do mesmo código.206

11.2.2. Consumidor vítima de acidente de consumo

O CDC, para fins de aplicação do regime jurídico de responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto e do serviço, equiparou todas as vítimas do evento a consumidores (art. 17).

A expressão “todas as vítimas do evento”, do denominado “acidente de consumo”, revela uma larga ampliação subjetiva do conceito jurídico de consumidor em sentido estrito.

A vítima é qualquer pessoa, física ou jurídica, ou ente despersonalizado que vier a sofrer um dano, pessoal ou material, por

205 DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor: conceito e extensão. São Paulo : Revista dos Tribunais,

1994, p. 169.

206 Considerando as soluções preconizadas pelo Código para os casos de vício, ensina Luiz Guilherme Marinoni que a

sentença, na hipótese do ajuizamento de ação coletiva, teria natureza declaratória: “a sentença de procedência, no caso em

que se alega adimplemento imperfeito que violou direitos individuais homogêneos, deve apenas declarar que o réu cumpriu de maneira defeituosa a sua obrigação, entregando aos consumidores produto com vício de qualidade” (p. 412-413) Caberia aos consumidores, segundo o Professor, quando da habilitação individual, optarem pelo cumprimento de uma das soluções, de acordo com o desejo de cada um.

conseqüência de um defeito – falta de segurança - do produto ou serviço. É irrelevante a aquisição ou utilização do produto ou serviço como destinatário final.207

Nesses termos, é considerada vítima do acidente do consumo, além do consumidor em sentido estrito, o empresário (pessoa física) ou sociedade empresária (pessoa jurídica) que adquiriu um produto, por exemplo, para o exercício da sua atividade ou com o propósito de revendê-lo.208

O conceito em questão contempla ainda a pessoa que mesmo não tendo adquirido ou utilizado o produto ou serviço, encontrava-se casualmente no momento da eclosão do defeito e, por isso, também sofreu um dano dele decorrente. É o denominado “bystander”, um mero terceiro que não ostenta qualquer vínculo jurídico com o consumidor em sentido estrito ou com o fornecedor.209

A finalidade do conceito é permitir a toda e qualquer pessoa, independentemente da sua qualidade (consumidor em sentido estrito ou terceiro), o ressarcimento dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais junto ao fabricante, produtor, construtor, importador, fornecedor ou prestador do serviço, com fundamento no regime jurídico de responsabilidade civil por fato do produto ou serviço. O dever de segurança imposto ao fornecedor pelo CDC

207 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos; GRINOVER, Ada Pellegrini; et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. 5ª ed. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1998, p. 81.

208 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos; GRINOVER, Ada Pellegrini; et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. 5ª ed. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1998, p. 81.

209 Ibid., p. 81, DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor: conceito e extensão. São Paulo : Revista dos

Tribunais, 1994, p. 195 e MARINS, James. Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto: Os acidentes de consumo

revela a adoção de uma política pública que busca a proteção pessoal de todos que vivem na hodierna sociedade industrial.

Na hipótese de responsabilidade por vício do produto e serviço não se opera a extensão.210 Isso porque o vício de qualidade ou quantidade não ultrapassa o próprio produto ou serviço, não atingem outras coisas ou a incolumidade física-psíquica do consumidor, muito menos de terceiros.

11.2.3. Consumidor exposto às práticas comerciais

Diz o art. 29, do Código de Defesa do Consumidor: “Para os fins

deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.

O CDC atribui a qualidade de consumidor às pessoas, mesmo indeterminadas, expostas às práticas previstas no Capítulo V (que abrange a disciplina da oferta, publicidade, práticas abusivas, cobrança de dívidas, dos bancos de dados e cadastros de consumidores, e relativo à proteção contratual) e no Capítulo VI (que cuida das cláusulas abusivas e dos contratos de adesão).

O ponto a ser destacado diz respeito às pessoas referidas na definição. Para alguns, o preceito não deve ser interpretado isoladamente, mas em combinação com o art. 2º, caput, do CDC.211 Então, somente aquele que

210 MARINS, James. Responsabilidade da Empresa pelo Fato do Produto: Os acidentes de consumo no Código de Proteção de Defesa do Consumidor. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993, p. 72.

211 ZANELLATO, Marcio Antônio. Considerações sobre o conceito jurídico de consumidor. Caderno Jurídico. São Paulo, v

pode vir a ser destinatário final estaria contemplado. Outra linha de pensamento sustenta que o conceito é de maior amplitude e supera o elemento teleológico, o que permite incluir, além dos consumidores em sentido estrito, todos os agentes econômicos que atuam no mercado, sendo suficiente à exposição às práticas referidas no dispositivo.212

Entendemos que as pessoas contempladas no art. 29 são aquelas do art. 2º, caput, do CDC. São as pessoas potencialmente consumidoras em sentido estrito. Isso porque a função do conceito em comento é ampliar o grau de proteção dos consumidores que ainda não são partes em um contrato, mas que podem vir a ser.

O legislador - esclarece Fábio Ulhoa Coelho - “considera que a

tutela (...) não se pode restringir ao momento posterior ao acordo entre o consumidor e o fornecedor, mas, ao contrário, deve antecedê-lo, para que tenha um caráter preventivo e mais amplo”.213 A função do conceito, portanto, é

proteger os consumidores potenciais, determináveis ou não, de forma preventiva em relação às práticas a que se refere o artigo 29.

212 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4ª. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais,

2002, p. 290-291, e GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. 5ª ed. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1998, p. 397 e ss.

213 Comentários ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Coord. Juarez de Oliveira. São Paulo: Saraiva, 1991, p.