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3 CAPÍTULO II EXCLUSÃO SOCIAL E VIOLÊNCIA O HOMEM COMUM

3.1 EXCLUSÃO SOCIAL E NÃO-CIDADANIA NA

O grande beneficiado pelo Programa Povo na TV era o excluído social que não tinha acesso ao poder público por interferência da burocracia para reivindicar melhoria na qualidade de vida. O excluído social descobriu no programa uma forma de pressionar as autoridades por melhorias se utilizando da praça pública mediática preconizada por Habermas. É preciso conhecer um pouco mais esse público produto social da contemporaneidade.

A cidadania, a fragilidade dos vínculos sociais, fragmentação, a precariedade do trabalho, o espaço de não-cidadania no universo da exclusão social na periferia e no espaço urbano em geral são algumas das questões emergentes e conseqüentes do neoliberalismo, da globalização e da modernização.

Essas questões são analisadas por Maria da Penha Smarzaro Siqueira no artigo “Crescimento Urbano, Modernização e Fragmentação” (2003). Ela aponta fatores que vão desembocar, na década de 90, no que ela caracterizou como “a nova pobreza e exclusão social”, que deixam os parâmetros tradicionais e transitam em diferentes classes sociais, fenômeno desencadeado, especialmente, pela precariedade das relações de trabalho e ruptura dos laços sociais.

O processo de modernização econômica das últimas décadas do século XX redefiniu a questão social e a dinâmica metropolitana brasileira. Entretanto, no novo paradigma da modernidade não pode ser esquecida a questão da desigualdade no processo de desenvolvimento, pois há distorções na “modernidade desigual brasileira” nas áreas de educação, saúde e assistência social. No caso do Brasil, o processo de urbanização/metropolização está associado ao crescimento urbano desordenado, à carência de infra-estrura e à pobreza.

Para Siqueira (2003, p.168), “não podemos nos refugiar na lógica modernizadora dos anos 90 para explicar os recentes problemas urbanos que se expressam no Brasil”. Alguns desses problemas são o crescimento urbano apoiado no êxodo rural, a existência de favelas e outras precariedades das condições de vida nas cidades brasileiras, que agravam os problemas socioespaciais urbanos.

Korwarick apud Siqueira (Ibidem) considera como entrave no projeto de modernização do país fatores como a falta de investimento na classe trabalhadora e as precárias condições de integração dos centros metropolitanos com a população que vive na periferia em situação de miséria. Velloso apud Siqueira (Ibidem) afirma que modernidade no Brasil não é apenas crescer, mas colocar a questão social como prioridade na agenda nacional, com combate à pobreza, redistribuição de renda e cidadania.

Siqueira (2003, p.169) destaca que desde o início dos anos 90 intensificou-se o processo de reestruturação produtiva. Uma década depois se confirmam que as novas dimensões globais revelam novas dimensões socioespaciais. E faz um alerta:

As metamorfoses não são inocentes, e as cidades têm mostrado o lado perverso desse processo, porque nelas se concentram mais do que em qualquer lugar, a riqueza e a degradação social. É um contexto urbano de confronto entre a modernização, a riqueza e a pobreza que as cidades brasileiras caminham em direção à “cidade global”.

Siqueira aborda a questão das mutações ocorridas na dinâmica social no processo de modernização com a reestruturação produtiva, a desestabilização do mundo do trabalho, o que demanda uma reavaliação dos mecanismos de reprodução das formas de integração social e de vida nas cidades. A sua preocupação é com a crescente exclusão social. E adverte: “Trata-se de um processo inacabado, com tendências contraditórias e contínuas, que superam os limites da antiga noção de pobreza no Brasil”. (2003, p.185).

Carlos apud Siqueira (2003, p.170) cita os contrates nos espaços da configuração urbana desigual:

A cidade se abre frente a um universo contraditório permeada pelo brilho da cidade-espetáculo, redefinida e moderna, pelo obscuro mundo da periferia, pelas manifestações de pobreza em diferentes estilos, pelo frágil traço de reprodução social e aparece também enquanto lugar de fragmentação social e espacial. Nela se produz e reproduz a articulação contraditória entre a riqueza e a pobreza e se manifestam os desequilíbrios, as situações de conflito e as tendências da sociedade urbana, que se apresenta, em parte, real e concreta, e, em parte, desigual e possível.

Para Siqueira, na realidade urbana das cidades brasileiras os aspectos determinantes são as atividades de trabalho e a moradia, porque expressam “formas de desigualdades e de fragmentação socioespacial”. Davidovich apud Siqueira (Ibidem) descreve dois tipos de cidades – a cidade legal com população integrada ao seu contexto socioeconômico, seja a elite tradicional ou grupos ascendentes e a cidade ilegal onde a desordem urbanística prevalece através de favelas e loteamentos periféricos.

Ao analisar os principais centros urbanos brasileiros, Siqueira (2003, p.173) destaca Belo Horizonte e Brasília como exemplos de cidades planejadas. Belo Horizonte com seu “vigor simbólico no seu núcleo central”, mas que abriga também favelas e as contradições. Brasília, capital do país, é considerada o maior exemplo na América Latina de cidade moderna e planejada, que mantém “forte estrutura de segregação socioespacial, com espaços planejados e estruturados para abrigar a classe pobre nas conhecidas cidades satélites”.

Por outro lado, na avaliação de Siqueira (2003, p.173) o crescimento urbano acelerado e desordenado, a partir do início dos anos 60, da periferia da Grande Vitória é resultante da diferenciação espacial e social e da inexistência de uma política habitacional eficiente dirigida ao atendimento da população de baixa renda. Vitória possui “favelas espalhadas na região do centro, ocupando morros e ganhando lugar de destaque na paisagem urbana”. As habitações carentes normalmente barracos de madeira são a expressão da miséria urbana.

Para Siqueira, a deteriorização das condições de vida nas regiões urbanas tem como conseqüência o aumento da pobreza, da violência e dos conflitos sociais. Segundo ela, as periferias estão cada vez mais inchadas, precárias, violentas e

pobres. Ela ressalta a incapacidade do poder público acompanhar o crescimento urbano acelerado:

A tendência maior é a multiplicação dos problemas socioespaciais, uma vez que o crescimento urbano no Brasil não aparece como forma de distribuir as pessoas e os benefícios em um quadro mais igualitário, com perspectiva de alargamento dos direitos de cidadania. Muito pelo contrário, estabelece e articula a fragmentação da própria vida. (Ibidem).

A política social brasileira perpassa pela questão de moradia popular criada especialmente para abrigar a classe operária. As vilas operárias surgiram como uma forma de realizar ações de higienização seguindo a tendência dos médicos sanitaristas da virada do século XIX e início do século XX, retirando as populações pobres, imigrantes e operários, que eram colocados em situação similar socialmente, dos centros urbanos e transferindo-os para a periferia, realizando uma verdadeira “operação de limpeza” das áreas nobres. Ao longo dos anos os governos entenderam que a questão social se resolveria a partir da solução do problema de moradia, tornando essa questão o eixo principal das políticas públicas brasileiras.

Ao se referir a contradição dos séculos XIX e XX, Boaventura (1997, p.77) defende que o fracasso do projeto de modernidade se dá na medida em que atende algumas promessas em excesso enquanto é incapaz de cumprir outras, o que gera a sensação de vazio e crise atual, ou seja, uma situação de transição: “como todas as transições são simultaneamente semicegas e semi-invisíveis, não lhe é possível nomear a atual situação. Por esta razão tem lhe sido dado o nome inadequado de pós-modernidade”.

Ele define o projeto de modernidade como ambicioso e revolucionário “pela complexidade interna, riqueza e diversidade de idéias novas. [...] As possibilidades são infinitas, mas por o serem, contemplam tanto o excesso das promessas como o déficit do seu cumprimento”. (Ibidem, p. 77-78).

Boaventura (1997, p. 255) acredita que nos últimos vinte anos houve revalidação social e política do ideário liberal com revalorização da subjetividade em detrimento da cidadania.

A aspiração de autonomia, criatividade e reflexibilidade é transmutada em privatismo, dissocialização e narcisismo, os quais acoplados à vertigem produtiva servem para integrar, como nunca, os indivíduos na compulsão consumista. Tal integração, longe de significar uma cedência materialista, é vivida como expressão de um novo idealismo, um idealismo objectístico. A natureza do consumo metamorfoseia-se.

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