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A execução da planta da cidade, a chegada do trem e a transformação da 14 de Julho na rua principal

CAMPO GRANDE: PLANTA DE 1909, ORGANIZADA PELO ENG MUNICIPAL NILO JAVARI BAREM

3. A execução da planta da cidade, a chegada do trem e a transformação da 14 de Julho na rua principal

No período que compreendeu desde a fundação de Campo Grande em 1872, até as duas primeiras décadas do século XX, houve o início do processo de incorporação do território mato-grossense ao mercado nacional, a expansão da área de abrangência do mercado monopolista paulista, a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e a posição geográfica privilegiada de Campo Grande, como alguns dos motivos locais, 24

Na sua tese O Mais importante era a raça... p 30-46, Marco Aurélio Machado de Oliveira faz no capítulo 1.2 uma explanação sobre os motivos que levaram os sírios e libaneses, que chegaram em Mato Grosso, no final do século XIX e início do século XX, a se fixarem primeiramente em Corumbá e posteriormente se deslocarem para Campo Grande.

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regionais, nacionais e internacionais que propiciaram a sua elevação ao posto de principal entreposto comercial do estado. A união de todos esse fatores contribuiu também, para o início de um processo que a levaria à situação de mais importante cidade do sul de Mato Grosso, em substituição a Corumbá.

Foi, então, a junção das conjunturas externas e dos acontecimentos internos, nas primeiras décadas do século passado, que deram a Campo Grande as suas principais características no que se refere aos estudos deste item. A primeira delas é o formato quadriculado do seu desenho de cidade, com ruas retas e largas, buscado em consonância com as preocupações de higienização e sanitarização das principais cidades brasileiras e européias, conforme foi analisado em item anterior. A outra característica é a definição da função de entreposto comercial e o estabelecimento do comércio e da pecuária de gado bovino para corte como principais bases da sua economia.

Portanto, a chegada do trem, a estruturação urbana de Campo Grande e a transformação da 14 de Julho em rua principal são assuntos que devem ser analisados levando-se em consideração três momentos distintos, mas complementares.

O primeiro desses momentos refere-se até o ano de 1907, quando ficou estabelecida a inclusão de Campo Grande no traçado definitivo da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Até aquele fato decisivo, o pequeno vilarejo era constituído de casas alinhadas uma ao lado da outra, ao longo da margem direita do córrego Prosa, tomando o formato de uma rua. Os seus habitantes tinham contato com novas idéias por meio de um sistema de comunicação e trocas de mercadorias, chegadas à vila geralmente em lombos de burros ou carros-de-boi. Tanto as informações quanto as mercadorias eram trazidas de Aquidauana que, por sua vez, as recebia de Corumbá, via fluvial, ou trazidas de São Paulo e do Triângulo Mineiro, por intermédio dos boiadeiros negociantes de gado, existindo, ainda, uma quarta rota de chegada de mercadorias, num comércio fronteiriço, clandestino, proveniente do porto de Concepción, no Paraguai, conforme argumentação de Cleonice Le Bourlegat, na tese já citada.

Mas, mesmo assim, naquele momento referido, tudo acontecia na vila de forma muito lenta, numa situação bem típica do modo de vida do

campo, onde o tempo é determinado pelas estações do ano. Isso torna-se mais evidente ao ser verificado que, embora a vila estivesse emancipada desde 1899, a implantação definitiva do município com a eleição do primeiro intendente só aconteceu em 1902 e a primeira sessão da Câmara Municipal ocorreu somente em 1905, quando foi aprovado o primeiro Código de Posturas para o Município. Esse modo de vida era refletido nas relações entre os habitantes e deles com o espaço em que habitavam, assim como nas condições de higiene e de moradia, em forma de pequenos ranchos.

Desta forma, refletindo as relações sociais existentes, ao mesmo tempo em que induzia novas relações, o espaço urbano de Campo Grande começou a ser estruturado junto à confluência dos córregos Prosa e Segredo, a partir de uma única rua, no sentido oeste – leste, com um largo na ponta leste, que servia como estacionamento para as carretas-de-bois dos mascates e dos boiadeiros26. Existia também um rego d’água, construído pelos moradores para o abastecimento das famílias, com a intenção de evitar a perfuração de vários poços. Captada numa pequena cachoeira, próxima à nascente do Córrego Prosa, aquela obra de engenharia primitiva tinha um percurso pela parte mais alta, ao norte do local onde se localizavam as casas27 e tornou-se um elemento tão importante naquela sociedade que teve a sua utilização regulamentada, inicialmente por meio verbal e, posteriormente, através do Código de Posturas, permanecendo o seu uso até 1911, mesmo depois da efetivação da planta da cidade.

O segundo momento refere-se ao período de 1907, após a decisão da inclusão de Campo Grande no traçado definitivo da ferrovia, até 1914 com o fim das obras e a liberação do tráfego de trens entre Bauru e Porto Esperança. Nesse período, foi elaborada, aprovada e construída a planta da cidade, estabelecendo para aquele grupo de habitantes novas maneiras de relacionamento entre eles e deles com o meio em que viviam.

A execução da planta, juntamente com a decretação pela Câmara Municipal do Código de Posturas, aprovado em 1905, aprofundou as mudanças que já estavam acontecendo nas relações sociais do pequeno vilarejo. Com

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Este largo ficou conhecido, posteriormente, como praça Costa Marques e atualmente é denominada de praça dos Imigrantes. Recentemente foi revitalizada e tornou-se uma feira permanente de artesanatos. 27

eles, ficaram estabelecidos, além de novos padrões de comportamentos, que incluíam novas relações de vizinhança, também uma maior importância para a intendência, pois, além da responsabilidade da obra de construção da planta, ela era a responsável pela venda, arrendamento ou concessão dos lotes28.

Para a implantação da nova forma na estrutura espacial daquele lugarejo, foram necessárias as demolições de alguns ranchos que impediam o alinhamento das ruas, e que foram determinadas por Amando de Oliveira, encarregado pela intendência para acompanhar as obras que, mais de uma feita, de punhos cerrados, explicava que a casa do seu fulano ou beltrano não devia forçar a rua a se acotovelar...29. Até mesmo a velha capela de Santo Antônio, construída pelo fundador da cidade, não resistiu ao avanço das novas idéias e alguns anos depois da implantação da planta da cidade foi demolida, pois atrapalhava o trânsito em uma das ruas abertas30. Esses exemplos demonstram a convicção, por parte do poder instituído, da necessidade das obras, assim como reforça os argumentos de Cleonice Gardin31 de que em Campo Grande houve uma vitória da concepção laica republicana, em disputa com a igreja, na estruturação do seu espaço urbano.

Após as obras de implantação da referida planta, observou-se o início do processo de ocupação das novas áreas abertas. Em pesquisa efetuada no arquivo histórico de Campo Grande – ARCA, pude observar nos livros de atos e despachos da Intendência Municipal que, entre os anos de 1910 e 1914, a quase totalidade dos atos do intendente referia-se aos registros de solicitações de lotes, por parte dos moradores da vila, por compra, arrendamento ou aforamento perpétuo, sendo essa última modalidade aquela que prevalecia32.

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A planta já previa a divisão dos lotes que, segundo o memorialista Paulo Coelho Machado, no seu livro,

Pelas ruas de Campo Grande: A Rua Velha... foram numerados de 1 até 382, p. 109.

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RODRIGUES, J. Barbosa. A história de Campo Grande... p. 90 30

Projetada para a esquina da Rua 7 de Setembro com a Avenida Calógeras, a nova igreja só teve a sua construção iniciada em 1919, conforme Alvará n.º 158, emitido em 05/08/1919. ARCA, Livro 5a caixa 04.

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Gardin, Cleonice. CAMPO GRANDE: entre o sagrado e o profano... 32

Não foi possível identificar, através dos registros nos livros, quais eram os critérios para distribuição dos lotes requeridos. Apenas foi possível observar que existia um procedimento que envolvia o requerimento do solicitante e a publicação em, pelo menos, três editais (não consegui identificar como eram feitos esses editais). Após essa etapa, caso não houvesse nenhuma reclamação, por parte de algum cidadão, era enviada uma correspondência para o órgão encarregado do controle de propriedades de terras, do governo do Estado, em Cuiabá, para que o mesmo registrasse a cedência.

Nos mesmos registros, foi possível notar que, em 1910, as atividades comerciais ainda se restringiam à antiga rua única, denominada a partir da aprovação da planta de Rua Afonso Pena33. Naquele ano, quando a 14 de Julho ainda era chamada de travessa, foram emitidos seis alvarás para o exercício de atividade comercial, sendo que apenas um dos comércios seria localizado fora da Rua Afonso Pena, mais precisamente, na Rua Santo Antônio, conforme quadro 1.

QUADRO 1