Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações Sobre seu Uso 40
2.6 A Execução do Tamborim Por Outros Músicos Não Considerados Tamborinistas 93
Nesta seção, iremos relatar opiniões de alguns dos grandes músicos que não têm o tamborim como primeiro instrumento, mas que tinham, ou têm com ele, uma estreita relação de paixão e respeito, pois fizeram grandes registros com esse instrumento em shows e gravações.
Especificamente trataremos de um baterista, um baixista, um pandeirista, dois cavaquinistas e um cantor. A escolha desses músicos vem da admiração pelos trabalhos que desenvolvem nas bandas dos cantores e sambistas Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho.
O primeiro a ser relatado entre eles chama-se Hércules Pereira Nunes35, um baterista com 61 anos de carreira profissional. Há muitos anos faz do grupo de Paulinho da Viola. Nós o encontramos num show em que tocava tamborim, e não bateria como de costume. Notamos a desenvoltura com que manuseava o instrumento, haja vista que em sua discografia consta uma dezena de aparições no tamborim (BANCO DE MÚSICAS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E CULTURA, 2015).
Ao relatar sobre a maneira de tocar tamborim, Hércules aproveita e faz um depoimento sobre o Mestre Marçal.
Eu trazia a escola antiga em que me baseei e me baseei também na escola de Mestre Marçal, que é de um tempo antigo também. Só que ele era considerado um dos maiores ritmistas do Brasil. Mestre Marçal era um elemento fabuloso, muito amigo, muito brincalhão e foi uma perda não só para nós músicos, mas também para a música popular brasileira [...] Mestre Marçal foi uma figura imprescindível no mundo do samba (NUNES, 2015).
O segundo músico a que nos referimos é Dininho (Horondino Reis da Silva), companheiro de Hércules na banda de Paulinho, seja no contrabaixo ou em dupla de tamborinistas, em shows e gravações.
Dininho toca com Paulinho da Viola desde 1970. Já tocou com João Nogueira, Elton Medeiros, Rafael Rabello, entre outros. Ele relatou que seu primeiro contato com a percussão foi com o pandeiro, aos 5 anos de idade, na Rádio Nacional, onde seu pai (Dino Sete Cordas) tocava com Jacob do Bandolim. Dininho relembra seu início como músico: ³2SDQGHLULVWDWRGDYH]TXHHXLDDVVLVWLUDRVVKRZVSHJDYDXP segundo pandeiro e me botava na mão. Ficava nós dois tocando junto. E aí o ritmo foi um negócio muito forte desde pequeno.´ (SILVA, H., 2015).
Em alguns discos de Paulinho da Viola, encontra-se uma grande quantidade de faixas gravadas pela dupla, inclusive em algumas em que Mestre Marçal se faz presente tocando cuíca. Dininho conta que, quando entrou na banda de Paulinho, encontrou Mestre Marçal e seu parceiro Elizeu. Foi nessa oportunidade que ele, observando, começou a aprender as levadas.
Então, muitas coisas eu fui vendo o jeito que ele tocava e como eles combinavam dois tamborins, as vezes três, para não embolar, para não ficar fazendo a mesma coisa. Eles tocavam cada um com uma batida diferente, sendo que essas três batidas se entrelaçavam. Aqueles três tocando [Luna, Elizeu e Marçal] davam a impressão de que tinha uns quinze tocando [...] Então, quando a gente ia gravar, que o Luna era incorporado, eu ficava vendo como eles faziam o tipo de batida e aí aprendi isso. Vendo assim, então, às vezes eu toco com eles aqui no conjunto (SILVA, H., 2015).
E a respeito da função do tamborim, Dininho a define desta maneira:
Eu acho que o tamborim é o que dá molho ao ritmo, é porque a maioria dos instrumentos de ritmo são aqueles instrumentos quase que VyQRPHVPRWLSRGHEDWLGDFRPRRVXUGR³SXPSXPSXPSXP´FRP uma variação ou outra. Agora RWDPERULPID]³WDWDWiWLWDWiWFKL´ [...] eles têm várias, eu adoro tocar tamborim justamente por isso, para você ficar mais livre. Sempre respeitando aquilo que eu falei, senão fica um rolo miserável todo mundo tocando. Você não pode pegar três tamborins e todo mundo improvisar ao mesmo tempo, não dá [...] Aí, se você está sozinho, aí é outro negócio (SILVA, H., 2015).
Para ilustrar o idiomatismo da dupla Dininho e Hércules, iremos comentar um pequeno trecho de uma gravação feita para um disco de Paulinho da Viola e Ensemble, chamado Samba e Choro Negro. Trata-se de um disco para um selo alemão, num projeto em que convidavam artistas de diversos países e Paulinho foi o artista brasileiro escolhido. A faixa escolhida, Não é assim, traz participação de Mestre Marçal na cuíca.
Figura 61: Tamborins: Hércules e Dininho. Não é assim, 1993. 0:00-0:09 (faixa 5 do CD).
Outro músico membro da banda de Paulinho da Viola, um dos fundadores do grupo de choro Nó em Pingo D¶água e participante de tantos outros grupos, Celsinho Silva (Celso José da Silva), é reconhecido por ser uma grande referência no pandeiro e tem como influência o mestre e pai Jorginho do Pandeiro.
Celsinho pode ser ouvido tocando tamborim em diversas gravações. O que chama a atenção foi a gravação do grupo Nó em Pingo D¶água em parceria com o pianista e compositor Cristovão Bastos36, do ano de 2002, o CD Domingo na Geral lançado pela Lumiar Discos.
36 Bem Transado, Clique Music UOL. Disponível em: <http://cliquemusic.uol.com.br/discos/ver/bem-
A partir de então começamos a dar maior atenção à sua maneira de tocar o tamborim. Celsinho comenta como foi o começo por sua admiração pelo tamborim:
Eu ia nas gravações que meu pai ia fazer. Eu sempre acompanhava meu pai e lá eu via o trio de Luna, Elizeu e Mestre Marçal tocando tamborim e gostei muito. Na verdade aprendi tudo ali. Tudo que eu sei fazer, de tocar aprendi vendo aquelas pessoas tocando, que era tudo ao vivo, todo mundo junto. E me apaixonei pelo tamborim, gosto muito de tocar. Aprendi aquelas levadinhas mais ou menos, tinham três levadas (SILVA, C., 2015).
Como constatado, Celsinho também menciona Mestre Marçal como referência. Isso possivelmente deve-se ao convívio de Celsinho com ele desde criança. Seu pai, Jorginho, além de ter trabalhado com Mestre Marçal a vida toda, tinha com ele uma grande amizade. ³E o que eu sabia era tudo em cima de Mestre Marçal, naquela batida dele. Não é igual, não tenho pretensão nenhuma, mas eu tento fazer o melhor possível da batida de Mestre Marçal [...]. Dei sorte de conhecer esses caras e aprender [...]. Foi tudo vendo em gravação.´ (SILVA, C., 2015).
Nessa gravação, Celsinho gravou as duas linhas dos tamborins. A entrada dos tamborins acontece logo após a introdução, por volta dos 35 segundos da faixa, juntamente com a entrada da melodia. Na Figura 62, vemos a frase de início dos tamborins.
Figura 62:
Tamborins de Celsinho Silva. Domingo na Geral, 2002. 0:35-0:47 (faixa 6 do CD).
Cabe mencionar também Oswaldo Cavalo (Oswaldo Muniz Góes de Carvalho), cantor e ritmista que faz parte do coro da banda do cantor Zeca Pagodinho há décadas. Participou por muitos anos de inúmeras gravações de sambas-enredo para o carnaval do Rio de Janeiro. Como corista, acompanhou também Dona Ivone Lara, o grupo vocal As Gatas, MPB-4, entre outros. Mais recentemente, podemos observar Oswaldo auxiliando a percussão nos vídeos de Zeca Pagodinho, seja nos caxixis, xequerê, ou tamborim.
Oswaldo faz questão de ressaltar o trabalho que realizou na banda de Mestre Marçal e fala da influência deste, quando afirma:
Eu não sou percussionista, sou ritmista, sou vocalista. Tenho facilidade de tocar alguns instrumentos de percussão, até porque fui rodeado de nego bom pra caramba, então pra mim foi fácil tocar. O
tamborim é um instrumento que tem um encanto. E eu toquei com um cara chamado de Mestre Marçal e vi Luna e Elizeu tocar também [...] aquele trio era incontestável (CARVALHO, 2015).
Oswaldo também menciona algumas levadas que aprendeu vendo alguns ritmistas tocarem, como os que integravam a bateria da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense do Rio de Janeiro. Menciona ainda uma levada que aprendeu ouvindo de Jorge Benjor, além do teleco-teco. O cantor cita ainda que o ³tamborim tem várias batidas, fui escutando, escutando e como você não lê nada, tem que prestar atenção em tudo, ouvir o máximo possível em casa e tocar em casa também, pra poder fazer alguma FRLVD´ (CARVALHO, 2015).
Paulinho Galeto (Paulo Soares) é cavaquinista profissional há muitos anos. Gravou com inúmeros grupos de samba, dentre eles Samba Som 7, Originais do Samba e Exporta Samba, e há muitos anos é membro da banda de Zeca Pagodinho.
Paulinho menciona que aprendeu muito com os mais experientes, entre eles Belôba (Carlos da Silva Pinto), um dos mais requisitados percussionistas de samba do Rio de Janeiro e que, segundo Paulinho, é um grande tamborinista. A respeito da percussão e da relação entre tamborim e cavaco, Paulinho afirma:
Percussão eu domino um pouco, tamborim, pandeiro, tantã a gente aprende, tu tá ali no meio e você respira isso. [...] o tamborim pra mim é a palhetada do cavaquinho, é minha mão direita, é certinho, não tem pra onde correr. O repicado que tu faz é o lance do tamborim da percussão, na minha opinião (SOARES, 2015).
Paulinho também tocou em shows e gravRXFRP0HVWUH0DUoDO³(XWRTXHL com ele na Polygram a música Peço a Deus. Tive esse prazer. Eu sou um cara feliz.´ (SOARES, 2015)
Alceu Maia é cavaquinista, violonista, arranjador, compositor e produtor musical. Começou tocando violão e depois foi para o cavaquinho. Produziu Roberto Ribeiro, Diogo Nogueira, Agepê, entre outros. Várias de suas composições já foram
gravadas por grandes nomes da música popular brasileira. Além disso, ele se diz muito fã de Mestre Marçal.
Alceu diz que, quando começou a tocar profissionalmente como cavaquinista, também começou a tocar tamborim num grupo de samba e conta que se espelhava muito em certas gravações. Somente depois veio a saber que era Mestre Marçal que tocava nessas faixas que ele estudava. Nas ocasiões em que tocava com esse grupo de samba, havia momentos em que somente se fazia percussão para acompanhar os dançarinos e, nesse momento, Alceu tocava tamborim, como disse ele.
A levada de cavaco de Alceu está muito explícita em nossos ouvidos, seja em Vai Passar ou em Feijoada Completa, ambas de Chico Buarque, ou em Tô
Voltando, de Paulo César Pinheiro e Mauricio Tapajós, e imortalizada na voz de
Simone, somente para citar algumas canções. De volta ao tamborim, Alceu tece seu ponto de vista sobre a relação de função musical entre tamborim e cavaquinho:
Eu vejo uma relação muito forte entre o cavaquinho e o tamborim. Tem muito material didático no YouTube de péssima qualidade [...] Mas tem coisa boa também. O estudante tem um material enorme na internet e tem que saber filtrar o que é bom ou ruim. Uma das coisas que muitos dos professores falam, e é uma coisa que quando eu dava aula eu falava muito pros meus alunos, é justamente a relação entre o tamborim e o cavaquinho (MAIA, 2015).
Assim como o fez Paulinho, Alceu chama a atenção para a levada do tamborim de teleco-teco, para que ambos façam a mesma levada e para que sejam feitas as acentuações em cima disso. Também fala da importância do instrumento dentro de um grupo ou uma gravação.
E o tamborim é aquele instrumento que não aparece na base de muitos instrumentos, quando você tem tantã, repique, surdo, reco-reco, dois pandeiros, mas ele está ali. Ele dá aquele suingue do samba. Ele está com sua personalidade marcada ali. A personalidade marcante dele está fazendo presente ali naquela levadinha gostosa. Às vezes você tem o samba rolando, e você está numa mixagem, você tira o tamborim e muda o sentido todo do samba. Ele dá aquela divisão característica. [...] Um instrumento muito fácil de tocar mal e muito
difícil de tocar bem [...] Se você vai fazer uma levada de samba- enredo, uma coisa que o pessoal chama de carreteiro é uma coisa. O teleco-teco é outra, e quando você grava três tamborins, você tem cada um fazer sua batida certinha para não ficar embolado (MAIA, 2015).
Alceu também não deixou de mencionar Mestre Marçal:
Mestre Marçal primava pela elegância ao tocar, ele não tocava de qualquer maneira, ele não tocava assim, tipo, vou tocar para ganhar esse dinheiro. Ele tocava com o coração mesmo. Muito elegante, colocar bem as frases do tamborim ou da cuíca que ele tocava bastante. Eu tive a oportunidade de trabalhar com o Mestre Marçal na banda da Clara Nunes quando eu estava começando, em 1977/78. Ele sempre acolhia a galera mais nova, dando força e sempre com dedicação. Ensaio chegava na hora, era um cara muito pontual, também nessa coisa de profissionalismo mesmo. Sempre muito elegante mesmo, não só no tocar, mas como se vestir, como falar. Ele era muito querido por todo mundo e respeitado por sua competência e pelo jeito de tocar (MAIA, 2015).