VINÍCIUS DE CAMARGO BARROS
O USO DO TAMBORIM POR MESTRE MARÇAL:
LEGADO E ESTUDO INTERPRETATIVO
CAMPINAS 2015
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Artes
VINÍCIUS DE CAMARGO BARROS
O USO DO TAMBORIM POR MESTRE MARÇAL:
LEGADO E ESTUDO INTERPRETATIVO
Dissertação de Mestrado apresentada a Pós-Graduação do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Música. Área de concentração: Música: Teoria, Criação e Prática.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Augusto de Almeida Hashimoto
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À
VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO
DEFENDIDA PELO ALUNO VINÍCIUS DE CAMARGO BARROS, E ORIENTADO PELO PROF. DR. FERNANDO AUGUSTO DE ALMEIDA HASHIMOTO.
ASSINATURA DO ORIENTADOR
______________________________
CAMPINAS
Para Léia, Guilherme e Fernando com carinho.
Agradecimentos
Aos meus pais, Márcio e Marite, e meus irmãos, Murilo e Felipe, pelo apoio irrestrito sempre.
Ao orientador Prof. Dr. Fernando Hashimoto pela confiança e pelas preciosas intervenções.
Aos professores que integraram as bancas de qualificação, recital e defesa do mestrado, José Alexandre Carvalho, Budi Garcia, Leandro Barsalini e Carlos Stasi.
A família Marçal (Armando e Niltinho).
Aos amigos Rodrigo Morte, Guilherme Marques, Guca Domenico, Rodrigo Marinonio, Leandro Lui, Rogério Boccato, Deni Domenico, Nelton Essi, Rodolfo Arilho, Osvaldo Bigaram, Vana Gierig, Antonio de Almeida (Toniquinho) e Glaúcia Vidal que estiveram presentes desde o principio do me ajudando com o projeto.
Aos meus professores Rui Carvalho (meu primeiro incentivador), Eduardo Gianesella, Luis Caldana, Luiz Guello (pela sugestão do tema), John Boudler, Carlos Stasi, Alberto Ikeda e Gersinho da Banda.
A todos que gentilmente, sem medir esforços se dispuseram a participar com inúmeras contribuições, Barão do Pandeiro, Beto Cazes, Oscar Bolão, Paulinho Bicolor, Vitor Pessoa, Sérgio Barba, Danilo Moura, Teco Martins, Lua Lafaiette, Hélio Cunha. Mário Séve, Profa Liliana Bollos, Camila Bonfim, Fábio Prado, João Mauricio Galindo e Sérgio Freddi.
A todos os entrevistados que muito contribuíram para essa pesquisa, especialmente Marcos Alcides da Silva (Esguleba) que nos apoiou e ajudou com as entrevistas e ensinamentos.
A Contemporânea e seu diretor Roberto Guariglia.
Carlo Careqa que nos introduziu a Chico Buarque, bem como Vinicius França, Mário Canivello pelos esforços em fazer essa intermediação.
$0DUN/DPEHUWXP³LUPmR´TXHJDQKHLKiPXLWRVDQRV, que se dispôs a entrar na fase final para ajudar com as entrevistas realizadas com Caetano Veloso e Chico Buarque.
Aos amigos e companheiros de mestrado, Paola Albano, Nath Calan, Igor Brasil.
Aos amigos e músicos excepcionais participantes desde sempre que enriqueceram meu sonho, Daniel Allain, Gabriela Machado, Rubinho Antunes, Fernando Corrêa, Sidnei Borgani, Marinho Andreotti, Wesley Vasconcellos, Luiz Guello, Danilo Moura, Nelton Essi, Deni Domenico e Leandro Lui.
E ao Prof. Dr. Fábio Oliveira, amigo e conselheiro que muito me ajudou.
RESUMO
A presente dissertação investiga a atuação do músico Nilton Delfino Marçal (Mestre Marçal), tendo como enfoque sua performance como ritmista. Apesar da atuação de Mestre Marçal em vários instrumentos de percussão, essa pesquisa é delimitada somente a sua execução ao tamborim. O período que engloba essa pesquisa se encontra entre os anos de 1963 e o final da década de 1980. São discutidos alguns procedimentos musicais adotados pelo músico de forma recorrente, a serem tomados como aspectos distintivos em sua performance e, portanto, vistos como traços característicos de seu estilo. O cruzamento de dados provenientes de transcrições e análises musicais com dados oriundos da história oral, que compõe a base para esta discussão, tem por objetivo responder a hipótese central deste trabalho, que considera Mestre Marçal um dos principais pontos de contato entre duas gerações, uma relacionada com seu pai Armando Marçal e Bide, ambos da Turma do Estácio, e a outra relacionada posteriormente com a Turma do Cacique de Ramos.
Palavras-chave: Mestre Marçal;; tamborim;; percussão brasileira;; estudo interpretativo;;
performance.
ABSTRACT
This dissertation deals with the musician Nilton Delfino Marçal (Mestre Marçal) with emphasis on his performances as percussionist. In spite of Mestre Marçal having a great career playing all kinds of Brazilian percussion instruments, this research is focused on his work with the tamborim. The period in which this research encompasses goes from WRWKHHQGRIWKH¶V5HFXUUHQWPXVLFDOSURFHGXUHVDGRSWHGE\0HVWUH0DUoDO will be discussed and taken as a distinctive aspect of his performance and seen as characteristic of his style. The crossing of data provided by transcriptions and musical analyses with data collected through oral history serve as basis for this discussion. The main objective is to respond to the central hypothesis of this research, which considers Mestre Marçal to be one of the main links between two generations, one that includes his father, Armando Marçal and Bide, both from the Turma do Estácio, and the later one from the Turma do Cacique de Ramos.
Keywords: Mestre Marçal;; tamborim;; Brazilian percussion;; interpretative study;;
performance.
Lista de Ilustrações
Figura 1: Repique de anel. ... 7
Figura 2: Repique de mão. ... 7
Figura 3: Frase de tamborim em Making Memories, de Vana Gierig. ... 8
Figura 4: Capa do LP Batucada Fantástica, de Luciano Perrone. ... 17
Figura 5: Capa do LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz. ... 18
Figura 6: Contracapa do LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz. ... 18
Figura 7: Ampliação dos nomes dos ritmistas da gravação. LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz. ... 19
Figura 8: Foto do desfile do Carnaval de 1969. Império Serrano. Fonte: Acervo O Globo. ... 20
Figura 9: Foto da cuíca de Mestre Marçal. ... 22
Figura 10: Pelão com o presente de Mestre Marçal... 22
Figura 11: Capa do LP Nira Gongo, do conjunto Os Baluartes. ... 23
Figura 12: Capa do LP Marçal, de Mestre Marçal. ... 25
Figura 13: Capa do LP Recompensa, de Mestre Marçal. ... 29
Figura 14: Capa do LP Senti Firmeza, de Mestre Marçal. ... 30
Figura 15: Capa do LP Sem meu tamborim não vou, de Mestre Marçal. ... 30
Figura 16: Capa do LP A incrível bateria, de Mestre Marçal. ... 31
Figura 17: Capa do LP Pela Sombra, de 1989, Mestre Marçal... 33
Figura 18: Capa do LP Entre Amigos, de 1990, Mestre Marçal. ... 34
Figura 19: Capa do LP Sambas-enredo de todos os tempos, de Mestre Marçal. ... 36
Figura 20: Logomarca do CIEP Mestre Marçal, Rio das Ostras. ... 39
Figura 21: Tamborim com pele de cobra e cabo. ... 42
Figura 22: Tamborim com pele fixada por tachinhas metálicas. ... 42
Figura 23: Tamborim sextavado com afinadores individuais. ... 42
Figura 24: Modelo atual de tamborim. ... 42
Figura 25: Duty Free, Aeroporto de Guarulhos. ... 43
Figura 26: Tamborins em exposição, Duty Free, Aeroporto de Guarulhos. ... 43
Figura 27: Tamburica com 8 tamborins. ... 66
Figura 28: Notação para tamborim (BOLÃO, 2003). ... 68
Figura 29: Exemplo de escrita de complemento executado com os dedos percutindo a parte inferior do tamborim. ... 69
Figura 30: Exemplo de escrita do toque com a baqueta na pele. ... 69
Figura 31: Exemplo de levada de Mestre Marçal com a notação utilizada. ... 69
Figura 32: Nota entre parênteses ou nota fantasma. ... 69
Figura 33: Levada utilizando notas fantasma. ... 70
Figura 34: Exclusão do toque na parte inferior do tamborim. ... 70
)LJXUD/HYDGDGH0HVWUH0DUoDOVHP³YLUDU´RWDPERULP ... 70
Figura 36: Grafia para toque virado. ... 70
Figura 37: Escrita para tamborim virado. ... 71
Figura 38: Tamborim tocado de forma tradicional ... 71
Figura 39: Tamborim tocado virado. ... 71
Figura 40: Levada de teleco teco. ... 71
Figura 41: levada de teleco-teco com o toque virado. ... 72
Figura 42: Frigideira utilizada no samba. ... 72
)LJXUD$FHQWRVFRPVHPLFROFKHLDV³DEHUWR´HWRTXH³DEDIDGR´QRVWDPERULQV ... 73
Figura 44: Toque no aro e pele simultaneamente. ... 73
Figura 45: Tamborins e cuíca. Egotrip. Blitz 3 (1985). 3:15-3:22 (faixa 1 do CD). ... 74
Figura 46: Final da música Egotrip (1985). Tamborins e surdo. 03:28-04:18 (faixa 2 do CD). ... 75
Figura 47: Tamborim de Marçalzinho. Alagados (1986), 1:00-1:06 (faixa 3 do CD). ... 76
Figura 48: Parte final de tamborim de Marçalzinho. Alagados (1986), 4:22--4:58 (faixa 4 do CD). ... 77
Figura 49: Levada de Bateria. Alagados. Paralamas do Sucesso. ... 77
Figura 50: Parte de tamborim. Choros n. 6, Villa-Lobos. ... 81
Figura 51: Parte de tamborim. Variações Rítmicas, Marlos Nobre. ... 81
Figura 52: Diferentes maneiras de segurar o tamborim. ... 82
Figura 53: Frase de tamborim agudo. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali ± compassos 7 a 42. ... 86
Figura 55: Frase de tamborim grave. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali.compassos 11 a 42. ... 87
Figura 56: Frase de tamborim tocado na madeira. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali. ... 87
Figura 57: Frase do tamborim grave com mudança de acento. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali. .... 88
Figura 58: Manuscrito da partitura de Jobimniana, de Cyro Pereira.compassos 133-138. ... 89
Figura 59: Frase de tamborim de teleco-teco. ... 89
Figura 60: Entrada tamborim Jobimniana. Cyro Pereira ... 91
Figura 61: Tamborins: Hércules e Dininho. Não é assim, 1993. 0:00-0:09 (faixa 5 do CD). ... 95
Figura 62: Tamborins de Celsinho Silva. Domingo na Geral, 2002. 0:35-0:47 (faixa 6 do CD). ... 97
Figura 63: Microfone Sennheiser 421. ... 102
Figura 64: Transcrição de Sandroni (2001a) da música Na Pavuna... 108
Figura 65: Introdução de Leva Meu Samba, 1941. 0:01-0:10 (faixa 7 do CD)... 109
Figura 66: Tamborim na entrada de voz, Leva Meu Samba, 1941. 0:11-0:20 (faixa 8 do CD). ... 109
Figura 67: Introdução de Vira Esses Olhos pra Lá, 1943. 0:03--0:13 (faixa 9 do CD). ... 110
Figura 68: Levada principal de Vira Esses Olhos pra Lá. 0:13-1:09 (faixa 10 do CD). ... 110
Figura 69: Primeira variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:10-1:14 (faixa 11 do CD). ... 111
Figura 70: Segunda variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:43-1:49 (faixa 12 do CD). ... 111
Figura 71: Última variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:53-1:58 (faixa 13 do CD)... 111
Figura 72: Introdução, tamborim, Não diga a Minha Residência. 1944. 0:01-0:10 (faixa 14 do CD). ... 112
Figura 73: Tamborim, entrada de voz, Não diga a Minha Residência. 0:10-0:20 (faixa 15 do CD). ... 112
)LJXUD³&RPHQWiULRV´GHWDPERULPNão Diga a Minha Residência. 0:37-0:47 (faixa 16 do CD). ... 113
Figura 75: Final, tamborim, Não Diga a Minha Residência. 2:28-2:38 (faixa 17 do CD). ... 113
Figura 76: Introdução, tamborins, Deixa Essa Mulher pra lá. 0:01-0:10 (faixa 18 do CD). ... 114
)LJXUD7DPERULQV³SHUJXQWDVHUHVSRVWDV´Deixa Essa Mulher pra lá. 1:38-1:43 (faixa 19 do CD). .... 114
)LJXUD³&RQYHUVD´HQWUHWDPERULQVDeixa Essa Mulher pra lá. 2:00-2:05 (faixa 20 do CD). ... 114
Figura 79: Variação de levada de tamborim, Deixa Essa Mulher pra lá. 2:21-2:30 (faixa 21 do CD). ... 115
Figura 80: Caixeta ou wood block. ... 116
Figura 81: Tamborim utilizado na gravação de Tamborins, Batucada Fantástica (1963). ... 118
Figura 82: Primeira parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:12-0:27 (faixa 22 do CD). ... 119
Figura 83: Segunda parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:27-0: 41 (faixa 23 do CD). ... 121
Figura 84: Terceira Parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:42-0:56 (faixa 24 do CD). ... 123
Figura 85: Robertinho Silva tocando tamborim. ... 124
Figura 86: Robertinho Silva tocando caxixis... 124
Figura 87: Sapato de Trecê, entrada do tamborim, 1:13-1:26 (faixa 25 do CD) ... 125
Figura 88: Sapato de Trecê, segunda seção. 1:27-1:40 (faixa 26 do CD). ... 126
Figura 89: Sapato de Trecê, terceira seção. 1:41-1:52 (faixa 27 do CD). ... 127
Figura 90: Sapato de Trecê, quarta seção. 1:53-2:05 (faixa 28 do CD) ... 128
Figura 91: Sapato de Trecê, final. 2:47-2:59 (faixa 29 do CD). ... 129
Figura 92: Introdução de Pára-raio ... 130
)LJXUD³3HUJXQWDHUHVSRVWD´GH3iUD-raio, melodia com percussão. 0:51-0:57 (faixa 31 do CD). ... 130
Figura 94: Exemplo de variações cadenciais de Pára-raio. 0:57-1:04 (faixa 32 do CD). ... 131
Figura 95: Melodia junto com aro e semicolcheias de Pára-raio. 1:10-1:23 (faixa 33 do CD). ... 132
Figura 96: Imparidade rítmica em Amor Barato. 0:08-0:12 (faixa 34 do CD). ... 132
Figura 97: Fraseado de imparidade rítmica. ... 134
Figura 98: Imparidade 7+9, tamborins, introdução de Amor Barato. ... 134
Figura 99: Introdução, Vai Passar, Chico Buarque. 0:01-0:08 (faixa 35 do CD). ... 136
Figura 100: Repetição introdução, Vai Passar, Chico Buarque. 0:08-0:11 (faixa 36 do CD). ... 137
Figura 101: Parte final repetição, Vai Passar, Chico Buarque. 0:12-0:15 (faixa 37 do CD). ... 137
Figura 102: Primeira variação cavaco e tamborim. Vai Passar. 0:45-0:50 (faixa 38 do CD) ... 138
Figura 103: Segunda variação cavaco e tamborim, Vai Passar. 0:49-0:58 (faixa 39 do CD). ... 138
Figura 104: Terceira variação cavaco e tamborim, Vai Passar. 1:38-1:41 (faixa 40 do CD). ... 139
Figura 105: Uníssono de tamborins, Vai Passar. 2:46-3:05 (faixa 41 do CD). ... 140
Figura 106: Frase de tamborim, Coração oprimido. 0:41-0:51 (faixa 42 do CD). ... 141
Figura 107: Repetição frase de tamborim 2, Coração Oprimido. 1:06-1:15 (faixa 43 do CD). ... 141
Figura 108: Final tamborins, Coração Oprimido. 3:03-3:10 (faixa 44 do CD). ... 142
Figura 109: Introdução, Esta Melodia, tamborins. 0:00-0:06 (faixa 45 do CD). ... 143
Figura 110: Tamborins em Esta Melodia, compassos 48 a 50. 0:53-0:56 (faixa 46 do CD) ... 144
Figura 111: Tamborins uníssonos, Esta Melodia. 1:44-1:47 (faixa 47 do CD) ... 144
Figura 113: Acentos do tamborim junto com a melodia. 1:10-1:15 (faixa 49 do CD) ... 146
Figura 114: Exemplo do ritmo de cabula extraído de Oliveira (2008). ... 146
Figura 115: Variação de levadas de surdos. Fonte: Costa e Gonçalves (2012). ... 147
Figura 116: Três tamborins. Fonte: Bolão (2003). ... 147
Figura 117: Três tamborins, O Meu Guri. 0:49-0:57 (faixa 50 do CD). ... 148
Figura 118: Luna, Mestre Marçal e Elizeu gravando em estúdio. ... 148
)LJXUD³&RPHQWiULRV´GHWDPERULPGRIUDVHDGRGH0HVWUH0DUoDO ... 149
Figura 120: Toque de aro e pele do fraseado de Mestre Marçal ... 149
Figura 121: Levadas sem utilização dos aros. ... 150
Figura 122: Levadas de duo. Mestre Marçal e Luna. ... 150
Figura 123: Levadas do trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal. ... 151
Figura 124: Variação de tamborins utilizadas por Luna, Elizeu e Marçal. ... 154
Figura 125: De Mamadeira, tamborins. 0:49-0:59 (faixa 51 do CD). ... 155
Figura 126: Tamborins, Beto Cazes, Leviana. 0:01-0:09 (faixa 52 do CD). ... 157
Figura 127: Beto Cazes e Mestre Marçal gravando em 1986. Fonte: Arquivo Beto Cazes. ... 158
Figura 128: Transcrição de melodia e tamborins, Nas Asas da Canção. 1:13-2:07 (faixa 53 do CD). ... 161
Figura 129: Tamborins de São Mateus. ... 163
Figura 130: Tamborins, Grupo Cadeira de Balanço. 0:10-0:26 (faixa 54 do CD). ... 165
Figura 131: Tamborins, chamada, Cadeira de Balanço. 0:45-0:49 (faixa 55 do CD). ... 165
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional ... 11
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações Sobre seu Uso ... 40
2.1. Os Tamborinistas ... 48
2.1.1 Alcebíades Maia Barcelos ± Bide ... 48
2.1.2 Armando Vieira Marçal ... 49
2.1.3 Bucy Moreira, Arnô Canegal e Raul Marques ... 50
2.1.4 Roberto Bastos Pinheiro ... 53
2.1.5 Elizeu Félix ... 54
2.1.6 O Trio ... 55
2.2 O Tamborim na Escola de Samba ... 60
2.3 O Tamborim Além da Escola de Samba e da Roda de Samba ... 67
2.4 O Tamborim Utilizado na Música Contemporânea ... 81
2.5 O Tamborim na Orquestra ... 85
2.6 A Execução do Tamborim Por Outros Músicos Não Considerados Tamborinistas ... 93
2.7 Técnicas de Gravação do Tamborim em Registros Sonoros da MPB ... 101
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo Interpretativo ... 106
3.1 O Tamborim Antes de Mestre Marçal ... 107
3.2 Traços Idiomáticos da Performance do Mestre Marçal ... 117
Capítulo 4. O Legado ... 152
Considerações Finais ... 167
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 171
Introdução
A presente dissertação investiga a atuação do músico Nilton Delfino Marçal (1930-1994), que ficou conhecido no meio musical como Mestre Marçal. Reconhecido por suas contribuições como cantor, passista, compositor, diretor de bateria e ritmista, Mestre Marçal é apontado neste trabalho como o principal ponto de contato entre duas gerações de ritmistas1: 1) os anteriores a ele, vindos da turma do bairro Carioca do Estácio, e que no final da década de 1920 desenvolveram uma nova maneira de tocar o samba;; e 2) a geração responsável por consolidar uma variante do samba que aparece a partir da metade dos anos 1970, e representada pelos músicos consagrados do Cacique de Ramos2, segundo o pesquisador e compositor Nei Lopes (LOPES, 2003, p. 110).
A primeira geração foi a das primeiras gravações de discos no Brasil e dos primeiros trabalhos nas rádios, que com o tempo foram mudando a programação. O samba era proibido, mas tornou-se entretenimento da classe média e com isso, muitos cantores e cantoras foram levados a programas de auditório. Desta forma, conseguiam patrocínios para manter suas estruturas, além de recursos para investimentos em instrumentos e aparelhos de som, bem como para pagamento de músicos acompanhantes.
De certa forma, esses programas contribuíram para o estabelecimento da música popular. As rádios Nacional e Mayrinque Veiga, duas das mais poderosas do Rio de Janeiro, empregavam a maioria dos músicos da época.
Neste trabalho serão estudados procedimentos musicais associados ao estilo desenvolvido por Mestre Marçal no tamborim, que podem ser tomados como elementos característicos de sua performance enquanto ritmista, bem como o legado que nos deixou.
1 ³ritmista 7HUPR EUDVLOHLUR V P SO µULWPLVWDV¶ 1RPH GR µLQVWUXPHQWLVWD¶ TXH DFRPSDQKD P~VLFDV populares em conjuntos ou orquestras, geralmente executando apenas um instrumento, mesmo quando há D SUHVHQoD GH XP µEDWHULVWD¶ 2 PDLV FRPXP p TXH VH HVSHFLDOL]H HP Xm ou alguns deles, como µDWDEDTXHV¶ µJDQ]iV¶ µPDUDFDV¶ µWDPERULP¶ µFODYHV¶ HWF 2 DFRPSDQKDPHQWR p JHUDOPHQWH H[HFXWDGR SRUPHLRGHGHVHQKRVUtWPLFRVUHSHWLWLYRVHFRPSRXFDVYDULDo}HV´)581*,//2S 2 Cacique de Ramos ± bloco carnavalesco fundado em 1961, no bairro de Ramos, Rio de Janeiro, tendo iniciado seus encontros musicais somente em 1970, debaixo de uma tamarineira, onde seus músicos faziam uma roda de pagode. Ali surge a primeira geração de compositores que não construíram suas carreiras dentro de escolas de samba, tais como Arlindo Cruz, Sombrinha, Zeca Pagodinho e Jorge Aragão. No entanto, o principal nome do pagode não se limita somente a um artista. Também oriundo do bloco, o Grupo Fundo de Quintal torna-se a mais importante manifestação do gênero até hoje.
Devido à extensa e diversificada carreira musical de Mestre Marçal e à impossibilidade de realizar um levantamento completo e definitivo de gravações durante o período dessa pesquisa, a pesquisa ficou delimitada à atuação de Mestre Marçal em somente um instrumento: o tamborim ± e seu uso em diversos contextos musicais. Esta decisão deve-se à importância do tamborim para o samba, assim como pela contribuição peculiar de Mestre Marçal no desenvolvimento do instrumento. O tamborim foi um dos primeiros instrumentos de Mestre Marçal, bem como um dos mais utilizados em gravações.
O tamborim tem função muito importante dentro do samba, seja num grupo pequeno ou numa escola de samba. Na avenida, além das coreografias, o tamborim executa difíceis trechos musicais devido à complexidade das frases, além da velocidade atual das baterias, que exigem muita habilidade do ritmista. Numa formação menor, a µlevada¶3 do tamborim é um dos fios condutores da música. Cabe a ele a função de marcar o padrão que identifica o samba. Um exemplo são as levadas do cavaquinho no samba e até mesmo a levada que acabou servindo a João Gilberto, que a incluiu em seu violão na Bossa-Nova, FRQIRUPH FRQWD 0HQHVFDO ³A batida dele [João Gilberto] me surpreendeu e era tudo o que queríamos para tocar o samba. Ele criou o estilo passando a batida do tamborim para o violão´0(1(6&$/
Assim, busca-se verificar, através do levantamento de dados provenientes da análise musical, combinados com informações coletada junto a fontes primárias, especialmente oriundas de história oral, em que medida as contribuições musicais de Mestre Marçal tiveram impacto sobre tal geração de ritmistas. A parte central da pesquisa tem por finalidade realizar um estudo interpretativo sobre a performance musical de Mestre Marçal em gravações de áudio, com foco no tamborim.
Mestre Marçal tornou-se mais conhecido do público brasileiro a partir da gravação do seu primeiro disco como cantor em 1978, numa homenagem ao seu pai,
3 ³1D WHUPLQRORJLD GRV P~VLFRV SRSXODUHV D OHYDGD p XPD FpOXOD UtWPLFD RX UtWPLFR-harmônica, que caracteriza determinados acompanhamentos da melodia principal, constituindo fator básico de LGHQWLILFDomRGRVJrQHURVPXVLFDLV´. (TRAVASSOS, 2005, p. 18)
Armando Vieira Marçal, e ao seu parceiro, o compositor e ritmista Alcebíades Maia Barcelos, conhecido como Bide. Anteriormente a isso, Mestre Marçal já frequentava os estúdios diariamente e havia trabalhado em rádio, televisão e bailes. Formou com Roberto Bastos Pinheiro (Luna) e Elizeu Félix um dos trios de ritmistas que mais gravaram nos últimos 40 anos e cuja principal marca era o famoso trio de tamborins. Porém, seu reconhecimento ocorreu através de músicos, produtores, artistas e outras pessoas ligadas ao samba. Após o primeiro LP autoral de 1978, Mestre Marçal gravou outros sete discos. Como diretor de bateria da Portela, Mestre Marçal ganhou o maior prêmio individual do carnaval de 1986, o Estandarte de Ouro. Na década de 1980, integrou a banda de Chico Buarque e, paralelamente, continuou gravando com regularidade em estúdios de gravação e trabalhando na orquestra da Rede Globo como ritmista. Permaneceu na banda de Chico Buarque até 1994, ano em que veio a falecer.
Ainda que a percussão popular brasileira seja reconhecida mundialmente, há uma grande lacuna nos estudos a respeito desse assunto. O mesmo ocorre com a percussão erudita brasileira, como atesta o texto do professor Fernando Hashimoto:
Apesar da percussão popular brasileira ser respeitada e admirada no mundo todo, não acontece o mesmo com a percussão de concerto, ou erudita. O material histórico e documental é falho e escasso. Há poucos registros sobre sua história e poucos estudos sobre a produção de música para percussão no país. Esse primeiro espanto, com o tempo se transformou em indignação e em senso de obrigação pessoal que sinto na manutenção da história e da valorização da percussão sinfônica brasileira (HASHIMOTO, 2003, p. 8).
Até mais ou menos a década de 1970, Mestre Marçal, juntamente com Bastos (Luna) e Elizeu, seu pai Armando Marçal e os músicos Bide, Bucy Moreira, Arnô Canegal, Raul Marques, Heitor dos Prazeres, João Machado Guedes (João da Baiana) e Angenor de Oliveira (Cartola) representavam os principais nomes da percussão no samba. Deve-se citar seus seguidores e companheiros das gerações atuais de percussionistas, como José Belmiro Lima (Mestre Trambique), Ovídio Brito, Marçalzinho (filho de Mestre Marçal) e Marcos Alcides da Silva (Esguleba) o qaul faz um relato sobre o Mestre Marçal:
E a gente, acho que todos, o rapaz aí que começou a tocar, eu, que tenho 51 anos de idade agora, que começou querer a ser batuqueiro, se inspirou no Marçal. O Marçal era uma pessoa importante;; além de ele ser um grande músico, era uma pessoa que dava chance de você poder ouvir ele tocar [...] Eu me inspirei muito no Mestre Marçal [...]. Mestre Marçal pra mim continua sendo o melhor ritmista do Brasil, é imortal, nunca vai sair da mente do brasileiro (SILVA, M., 2015).
Chico Buarque completa:
Conheci o Mestre Marçal nos estúdios da Polygram, no início dos anos 70. Ele formava com Luna e Elizeu o trio de ritmistas mais requisitado para gravações de samba. Não tenho certeza, mas acho que eles participaram da gravação de Apesar de você e Desencontro, lado A e lado B do meu primeiro disco na Polygram, um compacto simples. Antes de conhecê-lo e de me encantar com ele pessoalmente, eu já o admirava como músico, sem contar que ele era filho do compositor Marçal, parceiro de Bide em maravilhas como Agora é cinza e A primeira vez (BUARQUE, 2015).
Conforme já observado, a escolha de Mestre Marçal como objeto deste estudo deve-se à grande diversidade de funções por ele desempenhadas ± ritmista de estúdio, integrante de grupos atuante em shows, diretor de bateria de escola de samba, e por ser uma referência unânime entre os músicos. Ao longo da pesquisa, observamos uma escassez de material sobre Mestre Marçal, tanto em vídeo como em áudio, principalmente no período de 1953 (sua primeira gravação em estúdio) até o final dos anos 1960.
Um possível motivo dessa dificuldade pode ter relação com determinadas gravações desse período em que se estabeleceu a Bossa Nova, em que a maioria das situações, apresenta uma instrumentação básica em formato de trio (piano, baixo, bateria). Quando havia percussão, era discreta. E até mesmo o baterista possuía uma função de pouco destaque, sendo as vassourinhas sua maior companhia4. Os ritmistas
4 ³Escovinhas 7HUPREUDVLOHLURVI3O3OXUDOGHµHVFRYLQKD¶GLPLQXWLYRGHµHVFRYD¶&RQMXQWRGHILRV GH DUDPH ILQRV FRP R PHVPR FRPSULPHQWR HP PpGLD ´ DPDUUDGRV RX IL[DGRV QXPD GDV extremidades de modo que na extremidade livre as pontas tendam a se afastar, tomando a forma de um kQJXOR TXH VH DEUH FRPR XP OHTXH RX DEDQR 6mR XWLOL]DGDV SDUD SHUFXWLU LQVWUXPHQWRV GH µSHOH¶
continuavam trabalhando, mas não com grande frequência. Os bailes, shows e programas de rádio ocorriam, mas essas gravações não eram regularmente registradas e somente no final da década de 1960 e meados da década de 1970, podemos encontrar nas gravações o ressurgimento da percussão.
Dentre as inúmeras gravações daquela época, uma chamou bastante atenção. Trata-se do primeiro disco de Cartola, de 1974, com produção de João Carlos Botezelli, mais conhecido como Pelão, e gravado pelo selo Marcus Pereira. Nesse disco, a cuíca de Mestre Marçal ganhou grande destaque.
Com o passar dos anos, a indústria fonográfica foi se desenvolvendo, fazendo com que outros grandes ritmistas se destacassem juntamente com Mestre Marçal. A essa nova maneira de tocar e à criação de novos instrumentos, cita-se alguns criadores, como Edmundo Pires de Vasconcelos, o Doutor, com o repique de anel5, e Ubirany Felix Nascimento, com o repique de mão6. Os instrumentos encontram-se ilustrados nas Figuras 1 e 2, respectivamente.
VREUHWXGR µFDL[DV¶ H µSUDWRV¶ SHORV µEDWHULVWDV¶ (VVD WpFQLFD GH H[HFXomR VXEVWLWXLQGR DV µEDTXHWDV¶ WUDGLFLRQDLVWHYHRULJHPFRPRVLQVWUXPHQWLVWDVGHµMD]]¶QDSURFXUDGHXPDSHUFXVVmRPDLVVXDYHHGH XPD IULFomR OHYH GD µSHOH¶ SDUD DFRPSDQKDU DV IUDVHV PXVLFDLV S. Prokofieff [sic] XVD µHVFRYLQKDV¶ QR µSUDWRVXVSHQVR¶HPµ3HGURHR/RER¶). Na música popular brasileira podem ser usadas percutindo RµFDVFR¶GH µWLPEDV¶FRP XPD GDV PmRVHQTXDQWRD RXWUD SHUFXWH D µSHOH¶&RQKHFLGDVWDPEpPFRPR µYDVVRXULQKD¶ VmR FKDPDGDV GH µEUXVKHV¶ µUK\WKP EUXVKHV¶ RX µZLUH EUXVKHV¶ >LQJO@ µVSD]]ROD¶ µVSD]]ROH¶µVSD]]ROLQR¶µVFRYROR¶µVFRYRORGHILO¶RXµVFRYRORGHIHUUR¶>LWDO@µEURVVHHQILOGHPHWDO¶ µEDODL¶ RX µEDODL PpWDOOLTXH¶ >IU@ µ6WDKOEUVWH¶ µ'UDKWEUVWH¶ µ-D]]EHVHQ¶ µ%HVHQ¶ H µ%HVLQ¶ >DOHP@ µHVFRYLOODV¶>HVSDQ@HµPHWsORFKND¶>UXVVR@9HUWDPEpPµUXWH¶´ (FRUNGILLO, 2003, p. 120).
5 ³5HSLTXHGHDQHOFRQVLVWHHPXPUHSLTXHGHHVFRODGHVDPEDFRPSHOHGHFRXURHPDPERVRVODGRVGH afinação grave e preso ao pescoço com um talabarte. Ao mesmo tempo que percutimos com uma das mãos a membrana inferior, com anéis ou dedais nos dedos da outra mão tocamos no corpo de metal do LQVWUXPHQWR2GHGRSROHJDUGHVVDPHVPDPmRpXWLOL]DGRQDSHOHGHFLPDSDUDID]HUYDULDo}HVQRULWPR´ (BOLÃO, 2003, p. 45).
6 ³5HSLTXHGHPmR6HXFULDGRU8ELUDQ\ Felix Nascimento, do grupo Fundo de Quintal, conta que, não havendo um instrumento disponível pra tocar, utilizou-se de um tom-tom de uma bateria que havia na casa. Mais tarde, num pagode na quadra do bloco Cacique de Ramos, encontrando-se na mesma situação, começou a fazer ritmo num repique comum de escola de samba. Por causa da excessiva ressonância do instrumento, resolveu tirar a membrana de um dos lados, dando-lhe, assim, a forma definitiva que hoje conhecemos. Colocado sobre a perna, o repique é perFXWLGRFRPXPDGDVPmRVQDSHOHHRXWUDQRIXVWH´ (BOLÃO, 2003, p. 51).
Figura 1: Repique de anel.
Figura 2: Repique de mão.
Naquela época, como se pode observar em fichas técnicas encontrados em trabalhos de samba, e mais tarde confirmado por músicos e técnicos, existiam músicos especialistas em um único instrumento. Além dos já citados acima, vale destacar nomes bastante comuns nas fichas técnicas, como por exemplo Beterlau no agogô, Geraldo Bongô (que, apesar do nome, era especialista em congas ou atabaques), Wilson Canegal no chocalho, Zeca da Cuíca, e Jorge José da Silva (Jorginho do Pandeiro), entre outros.
A motivação para realizar essa pesquisa teve início há dez anos, em conversa sobre samba e especificamente sobre o tamborim, durante ensaios da Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo, com o baterista e percussionista Roberto da Silva (Robertinho Silva). O músico é um dos nomes consagrados da história da música brasileira e reconhecido por suas significativas contribuições à banda do cantor e compositor Milton Nascimento, bem como por trabalhos com João Donato e Egberto Gismonti, assim como contribuiu muito na divulgação do uso em trio de tamborins pelos músicos Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Robertinho Silva gravou vários discos autorais.
Robertinho me mostrou, nesses ensaios, algumas das levadas de tamborim que Mestre Marçal utilizava, as quais conheceu após conversa com Marçalzinho, filho de Mestre Marçal. A partir desse momento iniciei uma busca por material sobre a
utilização do tamborim, envolvendo tanto novos aprendizados como também acesso a outras fontes, como por exemplo nessa busca conheci a obra de Bolão (2003), que é escrita para trio de tamborim utilizando algumas dessas levadas.
De certa forma essa pesquisa inicial começou a interferir na minha atuação profissional. No ano de 2005, participei da gravação do CD do grupo Comboio e para a música Futebol de Chico Buarque, fiz um arranjo percussivo na entrada da obra utilizando as três famosas levadas de tamborim, e ao final, uma batucada com diferentes padrões de tamborins copiados de um samba-enredo da Portela. Outra influência direta de Mestre Marçal em meus trabalhos musicais, é a gravação do CD Making Memories (2013), do pianista alemão Vana Gierig, em um contexto fora do samba, onde a diretriz musical principal é realizar experiências envolvendo uma variedade de ritmos junto a um trio de jazz sem que haja nenhum tipo de restrição à performance. No caso desse trabalho, o tamborim aparece com uma dessas levadas na faixa homônima do CD, cuja frase rítmica utilizada se encontra ilustrada na Figura 3 abaixo.
Figura 3: Frase de tamborim em Making Memories, de Vana Gierig.
A ³OHYDGD´ citada acima, muito usual no samba, era desconhecida por mim, e a descoberta veio através de Robertinho Silva, que tinha Mestre Marçal como referência habitual. Outras levadas tiveram o mesmo efeito, ou seja, a assimilação e inserção em outros estilos musicais. Essa influência sobre sambistas fez com que eu escolhesse Mestre Marçal como figura principal a ser estudada mais profundamente, de modo a divulgar aos futuros percussionistas e ritmistas sua importância no cenário musical brasileiro.
Em artigo escrito ao jornal Folha de São Paulo, publicado no dia 27 de janeiro de 1988, Jorge Caldeira afirma sobre Mestre Marçal que ³seu trabalho tem, por si só, uma função pedagógica que não deveria ser desprezada, ao menos em função do
mercado potencial que representa o aprendizado e aperfeiçoamento dos muitos sambistas deste país´.
Em outro momento, o escritor Paulo Luna discorre:
Vinte e um anos depois de sua morte, já quase não se fala em Mestre Marçal e seus discos não foram reeditados. Para ter acesso à suas gravações é preciso uma atenta e dedicada pesquisa. Quando, na verdade, seus discos deveriam estar sendo tocados constantemente em emissoras de Rádio e Televisão, e seu nome reverenciado a cada carnaval, assim como os nomes de tantos outros sambistas relegados ao esquecimento. Mestre Marçal é uma lenda a ser contada e recontada por todos até o dia em que sua obra brilhe e seja cultuada na intensidade que merece (LUNA, 2015).
É oportuno destacar também a opinião do escritor Tárik de Souza a respeito da importância que Mestre Marçal exerceu na percussão do samba no meio musical EUDVLOHLUR³6HKiRXQkQLPHSUtQFLSH3DXOLQKRGDViola na dinastia do samba, Mestre Marçal seria o duque do baralho, como o Ellington do jazz, um mestre dos timbres inauditos. Senhor das misteriosas afinações de ganzás, cuícas, tamborins e surdos.´ (SOUZA, 2003, p. 81).
Essa dissertação foi organizada da seguinte maneira: no Capítulo 1, realiza- se um levantamento da trajetória profissional de Mestre Marçal;; no Capítulo 2 e seus subcapítulos, enfoca-se o tamborim desde sua constituição física, incluindo uma listagem sucinta do seu emprego em diversos contextos musicais;; o Capítulo 3 consiste no estudo interpretativo de alguns procedimentos relacionados à performance de Mestre Marçal no período em que a pesquisa foi delimitada. Esses procedimentos foram organizados em: a) utilização de rim shot no tamborim;; b) o uso do tamborim fazendo ³FRPHQWiULRV´;; c) o uso do tamborim como solista;; d) tocando tamborim em duo;; e) tocando em trio;; e por último, apresentamos as considerações finais.
Para discorrer sobre os procedimentos selecionados foram utilizadas transcrições e análises musicais. Este material musical levantado a partir das
transcrições foi confrontado com as informações coletadas junto a fontes primárias, como por exemplo, uma série de entrevistas semiestruturadas realizadas com importantes personagens do meio musical relacionados com a trajetória profissional de Mestre Marçal.
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Nilton Delfino Marçal, mais conhecido como Mestre Marçal, era o segundo de uma tríade de percussionistas consagrados no cenário musical brasileiro (juntamente com seu pai e seu filho). Nasceu no Rio de Janeiro, no dia 7 de setembro de 1930, no bairro de Ramos, vindo a falecer no dia 9 de abril de 1994. Mestre Marçal era o segundo de três irmãos;; Iara, a irmã mais velha, faleceu quando tinha 12 anos e o outro irmão, Valdir, faleceu com um ano e meio de idade. Seu pai foi Armando Vieira Marçal, compositor, ritmista da Rádio Nacional, lustrador de móveis e parceiro de Alcebíades Barcelos, o Bide. Armando e Bide formaram uma das duplas de maior sucesso na música brasileira, segundo o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira (2015). A terceira geração veio através do seu filho Armando de Souza Marçal, conhecido como Marçalzinho. Considerado um dos percussionistas de maior destaque na música brasileira atual, Marçalzinho tem um currículo invejável, tendo trabalhado com os artistas internacionais Pat Metheny, Stefano Bollani e com praticamente todos os artistas da nossa MPB, dentre eles João Bosco, Djavan, Gal Costa, Lulu Santos, entre outros, segundo ainda o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira (2015). Como forma de esclarecimento ao leitor, ressaltamos que neste texto nomeia-se Nilton Delfino Marçal como Mestre Marçal. O nome Armando Marçal refere-se ao seu pai e Marçalzinho, a seu filho, Armando de Souza Marçal.
Mestre Marçal esteve próximo da música desde criança. Com sete anos, começou a tocar tamborim e ganhou de presente uma cuíca feita por seu pai. Como o próprio Mestre Marçal conta:
Eu comecei no samba com 9 anos de idade. Eu nasci em 30, em 39 eu comecei a militar no samba. Me lembro que meu primeiro ano de desfile foi na Escola de Samba Recreio de Ramos. Nessa época, o desfile era na Feira de Amostra. A feira de Amostra lá no Rio era onde hoje é o Monumento dos Pracinhas. Depois de lá, nós vínhamos pra Praça XI. Onde tinha o famoso Samba Duro. O cara ia buscar o outro lá fora, metia a perna no crioulo pra ver, tu ver aquela montoeira de pano no alto, era pra ver que o crioulo tava descendo. Era famosa a batucada, não existe mais, acabou (Entrevista de Mestre Marçal ao produtor Fernando Faro no Programa Ensaio, TV Cultura, 1991).
O ambiente musical da casa promovia o aprendizado. Todo final de semana, Mestre Marçal ficava observando seu pai e Bide tocando e compondo;; conforme FRPHQWD³o pagode em casa começava QRViEDGRHDFDEDYDQDVHJXQGD´. Os µEDPEDV¶ do samba da época, Paulo da Portela, Bucy Moreira, Carlos Galhardo, Gilberto Alves, também frequentavam sua casa, e era no quintal que eram realizados os ensaios da escola de samba. Além disso, Mestre Marçal ia sempre aos programas de rádio para assistir a seu pai tocar (CABRAL, 2011, p. 400).
Uma história curiosa relatada por Mestre Marçal no programa Ensaio da TV Cultura, mostra o caminho que ele iria trilhar:
Eu me lembro de uma ocasião... O coroa me deu um dinheiro para eu pagar a mensalidade da escola. E eu saí com o dinheiro para pagar a mensalidade. Cheguei na Rua das Missões e vinha descendo um bloco. Eu não tinha nada na mão. Entrei em uma casa de instrumentos e comprei um pandeiro, entrei no bloco e me desengomei, mas alguém PH³FDJXHWRX´. &KHJXHLHPFDVDHHOHGLVVH³escuta aqui, você foi na escola?´ Eu disse: ³IXL´. ³Você pagou a escola?´ Digo: ³paguei´ ³Cadê o recibo?´ Eu digo: ³perdi [risos]´. Aí o bicho pegou... Alguém MiWLQKD PH ³FDJXHWDGR´ que eu estava num bloco. Não tinha nada... Na rua, estou vendo a rapaziada ciscando no tapete, eu comprei um pandeiro e fui à luta também (Entrevista de Mestre Marçal ao produtor Fernando Faro no Programa Ensaio, TV Cultura, 1991).
Mestre Marçal desfilou no Carnaval até 1942. Ao mesmo tempo, continuou se aperfeiçoando em vários instrumentos de percussão, como o surdo e o pandeiro, além da cuíca e do tamborim.
No dia 20 de junho de 1947, seu pai, então com 44 anos, foi à RCA Victor para receber pagamentos de direito autoral e, dando um sorriso, caiu no sofá e morreu. Mestre Marçal, que já havia perdido a mãe muito jovem, perdeu então o pai. Nesse dia se desfazia a dupla Bide e Marçal, a qual tinha composto mais de 120 músicas. Bide nunca mais compôs uma música sequer após a morte do parceiro. O que Bide fez em realidade foi ³adotar´ Mestre Marçal como filho. Foi Bide quem conseguiu seu primeiro emprego, tendo-o indicado para o posto de seu pai na Rádio Nacional.
Mestre Marçal foi testado, e aprovado, pelo baterista Luciano Perrone, e a partir de então, Mestre Marçal passou a tocar ao lado de Heitor dos Prazeres, João da Baiana, Bide, Tião, Caboré e Joça no pandeiro. Tocava nos programas de César Augusto e Paulo Gracindo. Paralelamente, tocava com Herivelto Martins ou em gafieiras, onde também cantava, segundo relata Cabral (2011, p. 401).
Luciano Perrone foi muito importante para Mestre Marçal: em primeiro lugar por tê-lo aceito na Rádio Nacional, seu primeiro emprego como músico profissional, e em segundo lugar por proporcionar sua primeira gravação, em 1953. Perrone nasceu em 08 de janeiro de 1908 e faleceu em 13 de fevereiro de 2001, e é reconhecido por ser peça central no uso da bateria no Brasil, bem como pela execução de música brasileira no instrumento. Perrone construiu uma carreira sólida, tocando em cinemas, shows, realizando turnês e tocando em programas de rádio. Sua batida de samba ficou notabilizada a partir de 1927, quando tocava na Orquestra de Simon Bountman. Durante uma viagem, conheceu o maestro, arranjador e compositor Radamés Gnattali, com quem trabalhou desde o início da Rádio Nacional. Conselheiro de Radamés, Perrone fez sugestões que mudaram a concepção de arranjo no Brasil, e suas sugestões, sem dúvida, ajudaram a mudar, pelo menos em parte, a concepção musical da época. Não poderíamos deixar de falar de Luciano Perrone.
³1D5iGLR1DFLRQDODRUTXHVWUDQmRSRVVXtDPXLWRVULWPLVWDV/XFLDQR Perrone, baterista da orquestra, se esforçava em suprir o vazio causado pela falta de mais percussões e pediu ao maestro que transferisse a marcação rítmica para os instrumentos de sopro. Em atendimento ao companheiro, a partir de 1937, Radamés começou a utilizar desenhos rítmicos da percussão nos demais grupos de instrumentos da orquestra. Luciano narra com detalhes a história: Íamos, eu e Radamés, andando na Rádio Nacional, em direção à sala do $OPLUDQWH TXDQGR SHGL DHOH XP DUUDQMR ³GLIHUHQWH´ 5DGDPpV FRP DTXHOHMHLWRGHOHFRPHoRXDSHUJXQWDU³'LIHUHQWHFRPR"2TXHpTXH YRFrTXHUTXHHXIDoD"´([SOLTXHLTXHVHHVFUHYHVVHULWPRGHVDPED para os instrumentos de sopro a minha vida ficaria mais fácil na bateria. Quando chegamos na sala do Almirante, havia uns papéis de música na escrivaninha. Radamés pegou e foi logo escrevendo. No dia seguinte, no ensaio da rádio, os pistons, trombones, etc. estavam tocando dentro do ritmo do samba. Nas gravações, porém, o primeiro arranjo desse jeito foi meVPRSDUD³$TXDUHODGR%UDVLO´(OLIVEIRA & MARTINS, 2006, p. 181)
Logo após ter entrado na Rádio Nacional, Mestre Marçal foi convidado por Luciano Perrone a fazer sua primeira gravação. No livro Escolas de samba do Rio de
Janeiro (CABRAL, 2011), seu autor, Sérgio Cabral, pergunta a Mestre Marçal se ele se
lembra de quando ocorreu a gravação: ³Claro que lembro. Foi um samba da Unidos da Capela chamado Abre Alas, gravado por Jorge Goulart, na Continental, em 1953. Quem me levou foi o baterista Luciano Perrone. Toquei tamborim.´ (CABRAL, 2011, p. 401).
Infelizmente, não conseguimos documentos que comprovassem outras gravações realizadas por Mestre Marçal nesse período. Somente tem-se a informação dessa gravação por ter sido relatada pelo próprio Mestre Marçal.
A escassez de documentos sobre a vida de Mestre Marçal, aliada à falta de informação nos encartes dos LPs da época, criam um hiato que deixa senão, uma dúvida: Mestre Marçal atuou em diversas gravações nesse período ou não? Nesse mesmo período pré bossa nova, houve grande produção musical de samba com Zé Keti, Geraldo Pereira, Adoniran Barbosa e Nelson Cavaquinho. Logicamente que a percussão se fazia presente, diferentemente das gravações do começo dos anos de 1930, em que é difícil distinguir quais instrumentos foram utilizados. No período dos anos 1950 é possível distinguir quais instrumentos de percussão foram empregados, apesar de não haver informações sobre os participantes das gravações.
Na década de 1960, de acordo com nosso levantamento, encontramos pouquíssimas gravações com a participação de Mestre Marçal. Duas dessas gravações ocorreram com o mesmo grupo, Sambistas do Asfalto: uma de 1960, no disco Assim é o
Samba, e outra de 1967, no disco Sambistas do Asfalto, com Astor Silva (maestro e
arranjador) nos arranjos.7 Como dissemos anteriormente, não é possível identificar qual, ou quais, instrumentos Mestre Marçal tocou nessa gravação. No ritmo estavam três dos seus antecessores (Arnô, Bucy e Raul), que talvez tenham sido fonte de inspiração para
o trio de tamborins de Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Completando a sessão, estavam Gilberto na percussão e Wilson das Neves na bateria.
Segundo o levantamento realizado, uma das gravações mais importantes que Mestre Marçal fez nessa década talvez seja justamente com Luciano Perrone. Lançado em 1963, o LP Batucada Fantástica ± Vol. 1 de Perrone, este é um disco exclusivamente de percussão e bateria, cuja capa é mostrada na Figura 4.
Esse disco contém 22 faixas com vários ritmos, e pode ser considerado uma fonte riquíssima tanto para os percussionistas daquela época, quanto para os atuais. Luciano foi acompanhado nessa gravação pelo grupo Ritmistas Brasileiros. Entretanto, o disco não possui encarte com a ficha técnica dos participantes da gravação.
Marçalzinho, ouvindo a gravação, confidenciou que seu pai participou da gravação desse disco tocando o tamborim na faixa número 5, chamada Tamborins (MARÇALZINHO, 2014). Nessa música fica bem perceptível a maneira de tocar tamborim de Mestre Marçal: a escolha de uma afinação mais aguda do que aquelas constantes de gravações anteriores, e também o uso do toque com a baqueta no aro do instrumento. Esses procedimentos se tornariam características marcantes da performance de Mestre Marçal ao longo de sua carreira. Esse recebeu o ³Grande Prêmio InternacLRQDO GR 'LVFR´, concedido pela Academia Charles Cros, de Paris, na França (ROSALEME, 2000).
Figura 4: Capa do LP Batucada Fantástica, de Luciano Perrone.
Uma das poucas gravações na qual fica identificada claramente a atuação de Mestre Marçal com destaque, é o LP Na Batida do Samba, s/d, de Alberto Paz, onde Mestre Marçal inusitadamente aparece como timpanista. Em conversas informais com ritmistas da velha guarda é possível perceber o orgulho ao comentar essa ousadia, de colocar um instrumento de orquestra sinfônica, como os tímpanos, na avenida junto a uma escola de samba. Não há informação exata de quando isso ocorreu, mas intui-se que foi em meados dos anos de 1960, como relata o Mestre Marçal:
Minha vida é a escola de samba. É um negócio assim, meio [...] vim vindo, vim vindo, vim vindo, passei pela Recreio de Ramos, Unidos da Capela, depois fundamos uma escola de samba em Olaria que saiu com o nome Esquina do Pecado, depois fui pro Império Serrano onde lancei os tímpanos, instrumento de orquestra sinfônica, lancei no samba (Entrevista de Mestre Marçal ao produtor Fernando Faro no Programa Ensaio, TV Cultura, 1991).
A Figura 5 mostra a capa do LP de Alberto Paz, em que Mestre Marçal é a figura inspiradora da capa, além de executar os tímpanos na gravação. Observando-se a
capa do disco, nota-se que as baquetas ilustradas na foto se parecem com aquelas usadas na escola de samba para os surdos e não com baquetas tradicionais de tímpanos.
Figura 5: Capa do LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz.
Figura 6: Contracapa do LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz.
Figura 7: Ampliação dos nomes dos ritmistas da gravação. LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz.
Não podemos afirmar se essa gravação ocorreu antes ou depois da aparição do instrumento em desfiles na avenida. À convite de Natalino José do Nascimento, mais conhecido como Natal da Portela, Mestre Marçal mudou do Império Serrano para Portela. Por um bom tempo ele permaneceu tocando tímpanos até se tornar o diretor de bateria.
Conforme matéria do Jornal do Brasil GH GH IHYHUHLUR GH ³O Império será a sétima escola a desfilar, contando como trunfo para vitória sua bateria, que virá com Marçal destacando-se nos WtPSDQRV´.
Figura 8: Foto do desfile do Carnaval de 1969. Império Serrano. Fonte: Acervo O Globo.
Marçal ³[...]tocou o mesmo tímpano sempre alugado à Rádio Nacional até 1977, quando ascendeu à direção da bateria da Portela.´ (matéria na Revista VEJA, 2 de maio de 1979).
Ainda no final da década de 1960, é possível encontrar algumas gravações com mais informações sobre os percussionistas. O LP Gente da Antiga, de Clementina de Jesus, Pixinguinha e João da Baiana, conta com a presença não só de Mestre Marçal, mas também de Luna e Elizeu. O produtor foi Hermínio Belo de Carvalho que, em conversa, conta sobre o projeto desta pesquisa e sobre o trio de ritmistas:
Trabalho, aliás, que se faz mais do que oportuno. Costumo dizer que, sem esse trio [Luna, Elizeu e Marçal] e os conhecimentos de Elton Medeiros e Paulinho da Viola, dificilmente eu teria conseguido produzir os discos de Clementina de Jesus. Acrescente-se outros nomes, por justiça: Maestro Nelsinho, e um trio imbatível de cordas: Canhoto, Dino e Meira (CARVALHO, 2013).
A crescente produção fonográfica dos anos de 1970 aumentou muito os trabalhos dos músicos em geral. Wilson das Neves declara que nesse período eles ficavam o tempo todo no estúdio (NEVES, 2014). Naquela época, eles trabalhavam por
períodos: das 9:00 às 15:00, das 15:00 às 21:00, e das 21:00 às 3:00, praticamente todos os dias. Interessante notar que apesar das gravadoras terem seus músicos contratados, às vezes, eles só sabiam com quem iriam gravar quando chegavam ao estúdio.
Nesse período, o nome de Mestre Marçal já era relevante nas gravadoras. Ele trabalhou em estúdio com os mais variados artistas: Beth Carvalho, Alcione, Tião Motorista, Jair Rodrigues, entre outros. É importante ressaltar que procuramos diversificar e restringir os nomes de músicos e artistas com quem Mestre Marçal conviveu, uma vez que em sua longa e rica trajetória, foram muitos os músicos e artistas com quem conviveu.
Em 1972, em comemoração aos 50 anos de carreira, Luciano Perrone gravou outro disco, Batucada Fantástica ± Vol. 3. Os tamborinistas desse disco eram Luna, Elizeu e Mestre Marçal, que também tocou cuíca em Cuícas loucas. Nessa faixa, 0HVWUH0DUoDOJUDYRXXP³GXHOR´ com outro grande nome do instrumento, o Ministro da Cuíca (José Santiago da Silva). O Ministro da Cuíca foi um dos maiores cuiqueiros das décadas de 40 e 50 e um dos mais requisitados em estúdio. Participou de vários filmes, dentre eles o longa Jangada, de Orson Welles. (Revista VEJA, 27/11/1971, Ed. 167)
Na faixa Tamborins Envenenados é possível ouvir todos os tamborins, cada XPWRFDQGRVXD³levadD´. Em um determinado momento, cada um deles tem um espaço para fazer um solo improvisado. Curiosamente, o LP Batucada Fantástica ± Vol. 2 não foi gravado por Luciano Perrone;; trata-se de um LP com várias escolas de samba e não está claro quem foram os responsáveis por essa gravação.
Uma das gravações mais comentadas, que sairia dois anos depois, em 1974, foi o lançamento do primeiro disco de um dos maiores sambistas de todos os tempos, Agenor de Oliveira, mais conhecido como Cartola. Gravou seu primeiro disco pelo selo de Marcus Pereira em 1974, pelo o qual ganhou vários prêmios. (CENTRO CULTURAL CARTOLA, 2015)8 O disco foi produzido por João Carlos Botezelli, o