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Exemplos de algumas obras produzidas nas últimas décadas

No documento ISBOA F ACULDADE DE M OTRICIDADEH UMANA (páginas 43-46)

O género vídeo-dança cresceu e tornou-se cada vez mais conhecido: “A nova expressão ganhou força nas décadas de 80 e 90 na Grã-Bretanha, na Bélgica, na Alemanha e na França, à medida que passou a ser financiada pelas televisões públicas, para preencher a programação sobre dança”. (Nunes, 2009, p. 71). Começaram a surgir diversos eventos que promoviam a prática, como festivais, workshops, congressos, entre outros, que contribuíram também para intensificar a produção.

A seguir, daremos alguns exemplos de obras criadas para o ecrã por autores que dedicaram-se a produzir nas últimas décadas:

Lloyd Newson, da companhia Britânica DV8 Physical Theatre’s, tem realizado obras que ligam a narrativa clássica cinematográfica à composição coreográfica, cruzando estas duas linguagens. É o caso de Strange Fish (1992), coreografada por Newson e dirigida por David Hinton. A obra existia anteriormente para palco e foi adaptada para TV. “O filme tem uma hora a menos que a produção teatral, o que é típico de espetáculos transpostos para o cinema” (Rosiny, 2012, p. 145). Em Strange Fish, a narrativa não é apoiada em diálogos entre os personagens, (uma vez que a palavra aparece em poucos momentos e de uma forma não percetível). É através dos corpos dos intérpretes que a narrativa se desenvolve e que cada personagem adquire caraterísticas particulares. A obra utiliza uma dramaturgia bastante convencional, no sentido em que a história contém um enredo com início, meio e fim, e os acontecimentos se desenrolam no tempo de forma linear. O conflito da história desenvolve-se à medida que os oito personagens convivem num mesmo espaço e estabelecem preferências pelos semelhantes. Da escolha dos seus pares, dois personagens ficam de fora, passando a sentir-se isolados pelos outros e iniciando uma busca, de forma quase desesperada, pela aceitação, amizade e reconhecimento pelos outros. Durante o decorrer da história, são apresentadas também outras problemáticas bastantes comuns nas obras de Lloyd Newson: “As linhas narrativas lidam com paixão, desejos não realizados, conflitos,

sofrimentos, sexo e religião” (Rosiny, 2012, p. 146).

Outra obra criada por Lloyd Newson, e que ele próprio dirigiu, foi The Cost of Living (2004), com duração de 35 minutos. Nesta obra, para além do uso do corpo, do movimento e da expressão corporal, há também o uso da palavra, estabelecendo-se diálogos claros. Há por parte dos personagens uma clara atuação, com técnicas de interpretação comuns ao cinema, fazendo evoluir a narrativa do filme através de acontecimentos lineares. São levantados questionamentos sobre inclusão social, opressão, preconceitos, homossexualidade e sedução: The Cost of Living “aborda de forma bem-humorada a complexidade das contradições culturais e questiona o habitus dominante” (Nunes, 2009, p. 106).

A obra para palco Rosas Danst Rosas foi coreografada por Anne Terese De Keersmaeker, em simultâneo com a criação musical de Thierry De Mey e Peter Vermeersch. A obra fez a sua estreia em palco em 1983, sendo posteriormente filmada em 1997, na versão dirigida por De Mey. A obra divide-se em cinco partes e foi filmada numa antiga escola técnica de arquitetura. Podem ser vistas diferentes abordagens do uso da câmara, com cenas filmadas de fora para dentro do prédio, mostrando planos gerais, de conjunto, médios, próximos e também longos planos de travelling. Podem ser vistos, por exemplo, quadros em que as intérpretes ficam em diferentes planos, destacando a presença de uma, enquanto as outras permanecem no fundo. O prédio funciona como uma cenografia aproveitada de diversas formas: em cenas filmadas através das janelas, no uso de cadeiras nas quais as interpretes dançam sentadas e de corredores onde a coreografia evolui de sala para sala. Algumas cenas foram filmadas de noite e outras durante o dia, com a luz do sol. A obra valoriza o lado coreográfico e técnico das intérpretes, caracterizando-se a dança pela repetição e sincronização dos movimentos.

A Cia Mossoux-Bonté, com direção de Nicole Mossoux e Patrick Bonté, criou a obra Intempéries (1997). Parte da obra foi filmada sobre uma rampa, com a câmara

paralela ao piso inclinado. Ao vermos a obra, o efeito é de pessoas a andarem num piso aparentemente reto, mas o modo de se deslocarem não segue os padrões convencionais da lei da gravidade, uma vez que se movimentam a aproximadamente 45 graus. No entanto, o que realmente está inclinado é o piso e não as pessoas. O efeito visual conseguido pelo posicionamento da câmara não poderia ser apresentado ao vivo. Intempéries só poderia existir numa obra para o ecrã.

A obra do coreógrafo francês Philippe Decouflé Le P’tit Bal Perdu (1994) mostra, de forma bem humorada, uma coreografia interpretada por uma mulher e um homem, que sentados frente a uma mesa utilizam principalmente a parte superior do corpo para se movimentar. Ações corporais rápidas e perfeitamente sincronizadas são executadas pelos dois, tornando a interpretação bastante humorada quando objetos são segurados por eles e lançados a seguir. Os movimentos fazem também alusão à letra da música, que é seguida literalmente. Nesta obra, a câmara está parada praticamente o tempo todo em frente aos intérpretes, com exceção das cenas em que é filmada a acordeonista, que a câmara circunda, finalizando com uma tomada de cima.

A obra de Pascal Magnin Reines dúm Jour (1996), com duração de 25 minutos, foi filmada nos Alpes suíços, ao ar livre e em zonas rurais. A obra inicia-se num monte, onde um grupo de três mulheres e três homens correm subindo e descem rolando pela relva. Após a repetição desta sequência, os seis descansam deitados sob o sol. Logo começam a criar relações em pares, realizando movimentos coreográficos com bastante contato com o chão. Paralelamente, noutra cena, uma mulher pisa sobre sapatos e crianças brincam de forma natural e espontânea. Enquanto isso, no monte, a partir da observação de um confronto entre toros, os intérpretes começam a imitar os animais, cada par de uma forma particular e coreográfica. A cena muda para o exterior de uma casa, onde acontece uma festa ao ar livre com aldeões da região, vestidos com roupas típicas e dançando estilos folclóricos ao som de acordeão. Os intérpretes misturam-se na festa, ficando em evidência o contraste entre os dois grupos: desde a forma de vestir, às

diferenças de comportamento e relacionamento, passando, principalmente, pelas capacidades de expressão e movimento dos bailarinos - habilidosos, graciosos e altamente expressivos - em comparação com os aldeões. Brannigan (2011, p. 168) destaca esta cena, dizendo: “In this setting, which is reminiscent of the folk musical, these bodies have a capacity that outstrips the social and utilitarian functions of the villagers—a capacity that seems to be ignited by the beauty and novelty of the terrain.” A obra encerra mostrando uma senhora de idade contando uma história a uma menina. A seguir, surgem três mulheres entrando num lago até submergirem por completo. Por último, velas flutuando na água e as bailarinas brincando com movimentos coreografados. A cena final faz alusão à lenda das três mulheres encontradas mortas numa manhã, como castigo de Deus pelo seu amor à dança. A obra Reines dúm Jour, que começa aparentemente sem muito comprometimento com um guião, termina com uma narrativa clara e profunda. De forma subtil, a história evolui e desenvolve-se, tomando forma à medida que as cenas transcorrem.

Estes são apenas alguns exemplos de obras que marcaram pela sua criatividade, narrativa, interpretação ou técnica, ilustrando o percurso seguido nas últimas décadas.

No documento ISBOA F ACULDADE DE M OTRICIDADEH UMANA (páginas 43-46)