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A expansão capitalista no Brasil e o contexto latino-americano Transpondo as mencionadas concepções de reprodução e

2 O CONTROLE SOCIAL PUNITIVO EXERCIDO PELO CAPITAL

2.2 A REPRODUÇÃO E A EXPANSÃO DO CAPITAL NO MODELO PÓS-INDUSTRIAL OU PÓS-FORDISTA

2.2.1 A expansão capitalista no Brasil e o contexto latino-americano Transpondo as mencionadas concepções de reprodução e

expansão do capital para o contexto brasileiro, Oliveira (2003, p. 61) assinala que a história e o processo de sua economia, principalmente após 1930, encerra uma particularidade que deve ser entendida como a expansão de uma economia capitalista que não repete nem reproduz

ipsis litteris o modelo clássico e a estrutura do capitalismo nos países

mais desenvolvidos.

As relações estruturais entre os setores agrário e industrial estão na lógica do tipo de expansão capitalista operada no Brasil. A tensão existente entre agricultura e indústria brasileiras não se mostra no nível das relações das forças produtivas, mas no (ou se transfere para o) nível interno das relações de produção tanto na indústria como na agricultura, afirma Oliveira (2003, p. 48).

A combinação do padrão “primitivo” com novas relações de produção no setor agropecuário permitiu um formidável crescimento industrial e de serviços, por meio do fornecimento de maciços contingentes populacionais, que iriam formar o “exército de reserva” das cidades, e de excedentes alimentícios cujo preço era determinado pelo custo de reprodução da força de trabalho rural.31 Oliveira (2003, p.

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Conforme destaca Oliveira (2003, p. 46-47), o preço de oferta da força de trabalho urbana se compunha basicamente de dois elementos: custo da alimentação e custo de bens e serviços propriamente urbanos. Com o aumento da produtividade industrial, houve um enorme processo de acumulação, consistindo na raiz da tendência à concentração de renda na economia brasileira.

129) explica a forma específica do subdesenvolvimento brasileiro afirmando que o moderno (a indústria) se alimentou do atrasado (a economia de subsistência). Nesse sentido, a agricultura atrasada financiava a agricultura moderna e a industrialização. O sociólogo aponta que as culturas de subsistência tanto ajudavam a baixar o custo de reprodução da força de trabalho nas cidades, facilitando a acumulação de capital industrial, quanto produziam um excedente não- reinvertível em si mesmo, que se escoava para financiar a acumulação urbana.

Considerada tardia, a industrialização no Brasil se dá num momento em que a acumulação é potencializada pelo fato de se dispor de uma enorme reserva de “trabalho morto”, em nível mundial, que sob a forma de tecnologia é transferida para os países em processo de industrialização recente. Desse modo, assinala Oliveira (2003, p. 67), no cenário brasileiro “o processo de reprodução do capital ‘queima’ várias etapas, entre as quais a mais importante é não precisar esperar que o preço da força de trabalho se torne suficientemente alto para induzir as transformações tecnológicas que economizam trabalho”.

Na leitura de Oliveira (2003, p. 63 e 65), uma das particularidades do modelo capitalista brasileiro é a de que, ao contrário do modelo clássico, sua progressão não requereu a destruição completa do antigo modo de acumulação.32 Além disso, outra particularidade importante é a que está relacionada com a estruturação da economia industrial-urbana, no tocante à proporção da participação dos setores secundário e terciário na estrutura do emprego. Dessa forma, a expansão do capitalismo no Brasil repousa, basicamente, na dialética interna das forças sociais, de onde emerge a revolução burguesa, sendo o populismo sua forma política e outra particularidade da expansão do sistema.

Analisando a relação existente entre o capitalismo internacional e o capitalismo desenvolvido no Brasil, Oliveira (2003, p. 55 e 74) ressalta que, em muitas etapas, mormente na sua fase agrário- exportadora, que é a mais longa de nossa história econômica, “a

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Oliveira (2003, p. 132-133) sintetiza esse ornitorrinco como sendo: “altamente urbanizado, pouca força de trabalho e população no campo, dunque nenhum resíduo pré-capitalista; ao contrário, um forte agrobusiness. Um setor industrial da Segunda Revolução Industrial completo, avançado, tatibitate, pela Terceira Revolução, a molecular-digital ou informática. Uma estrutura de serviços muito diversificada numa ponta, quando ligada aos estratos de altas rendas, a rigor, mais ostensivamente perdulários que sofisticados; noutra, extremamente primitiva, ligada exatamente ao consumo dos estratos pobres”.

expansão capitalista no Brasil foi um produto da expansão do capitalismo em escala internacional, sendo o crescimento da economia brasileira mero reflexo desta”. Contudo, enfoca que nas transformações que ocorrem a partir dos anos 1930, “a expansão capitalista no Brasil foi muito mais o resultado concreto do tipo e do estilo da luta de classes interna que um mero reflexo das condições imperantes no capitalismo mundial”, sobretudo porque o crescimento industrial se produziu sobre uma base de acumulação capitalista razoavelmente pobre, na medida em que a agricultura se fundava, em grande parte, sobre uma ‘acumulação primitiva’.

Ainda, de acordo com Oliveira (2010, p. 24-25), houve um processo de dilapidação do Estado brasileiro, iniciado com a ditadura, que “propiciou o clima para que a ideologia neoliberal, então já avassaladora nos países desenvolvidos, encontrasse terreno fértil para uma pregação anti-social”.

Vale destacar, também, que, assim como na Europa, o neoliberalismo na América Latina é produto da crise fiscal do Estado, estando seu surgimento “delimitado pelo esgotamento do estado de bem-estar social – onde ele chegou a se configurar – e, principalmente, da industrialização substitutiva de importações”, explica Sader (2010, p. 35). Nesse contexto, foi no Chile, na Bolívia, no México e na Argentina que o neoliberalismo na América Latina teve seus campos privilegiados de experimento.

Segundo Borón (2010a, p. 78), a hegemonia ideológica do neoliberalismo e sua expressão política - o neoconservadorismo - adquiriram uma desabitual intensidade na América Latina. Um dos resultados foi o radical enfraquecimento do Estado, cada vez mais submetido aos interesses das classes dominantes e renunciando a graus importantes de soberania nacional diante da superpotência imperial – “a grande burguesia transnacionalizada e suas ‘instituições’ guardiãs: o FMI, o Banco Mundial e o regime econômico que gira em torno da supremacia do dólar”. Além disso, no mesmo sentido do que já fora salientado anteriormente, o autor também afirma que a sua crise estrutural se acrescenta a um “discurso ideológico auto-incriminatório que iguala tudo o que é estatal com a ineficiência, a corrupção e o desperdício”, enquanto que a iniciativa privada, em contrapartida, “parece sublimada como a esfera da eficiência, da probidade e da austeridade”. Para Borón, essas imagens dicotômicas do “público” e do “privado” não resistem à menor análise, “ainda que seja pelo fato elementar de que a outra cara da corrupção e da ineficiência do ‘estatismo’ é o empresário privado que corrompe o funcionário estatal”.

Diante disso, Borón (2010b, p. 187-188) ainda assinala que a herança do neoliberalismo é “uma sociedade profundamente desagregada e distorcida, com gravíssimas dificuldades em se constituir do ponto de vista da integração social e com uma agressão permanente ao conceito e à prática da cidadania”. Destaca que ao mesmo tempo em que se avançou significativamente nos processos de democratização em grandes regiões do planeta (inclusive na América Latina), a cidadania, como um conjunto de direitos resultantes das lutas democráticas das maiorias populares, ficou cancelada pelas políticas econômicas e sociais que excluíram de seu exercício efetivo grandes setores da população. Desse modo, conforme registra o autor em sua análise, “a ‘democratização’ se expande no discurso e na ideologia dos regimes democráticos, mas a cidadania é negada pelas políticas econômicas neoliberais que tornam impossível o exercício dos direitos cidadãos”, de maneira que “quem não tem casa, nem comida, nem trabalho não pode exercer os direitos que, em princípio, a democracia concede a todos por igual”.

No mesmo sentido, Dornelles (2008, p. 129) afirma que, ao prevalecer a exclusão política e social, “a cidade deixa de ser o espaço político da cidadania para se tornar objeto de apropriação privada e de realização de interesses pessoais, deslegitimando o monopólio do uso da violência pelo Estado e ampliando as condições de conflito”.

O panorama dos efeitos do capitalismo selvagem é visível em diversos aspectos, como violência, deterioração do tecido social, fragmentação dos partidos políticos, burocracia dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, corrupção do aparato estatal, ineficiência do Estado, impunidade para os criminosos da classe privilegiada e dominante, penas duras para os criminosos pobres, expansão do consumo de drogas etc. Na lúcida avaliação de Netto (2010, p. 32), “a ofensiva neoliberal tem sido, no plano social, simétrica à barbarização da vida societária”.

Sendo inegável que o capitalismo acentuou a exclusão33, conforme salienta Mészáros (2011b, p. 1001) ao trabalhar a crise da modernidade e do contrato social a partir da ideia de uma crise estrutural – e não conjuntural – do capital, resta evidente que esse modelo carrega

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No passado histórico brasileiro, verifica-se que o colonialismo é a matriz da exclusão, seguido do capitalismo, que dá reforço e continuidade a esse processo. É nesse sentido que Ribeiro (2006, p. 201) afirma que o Brasil passa de colônia à nação independente e de Monarquia à República sem que a ordem fazendeira – poderio do patronato – seja afetada e o povo perceba.

em seu bojo, como elemento intrínseco e indissociável, a desigualdade e a exclusão com enorme custo social.