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2 O CONTROLE SOCIAL PUNITIVO EXERCIDO PELO CAPITAL

2.1 A TRANSFORMAÇÃO DO SISTEMA CAPITALISTA: DO MODELO AGRÁRIO AO MODELO INDUSTRIAL OU FORDISTA

2.1.1 O sistema capitalista no Brasil

No contexto brasileiro, observa-se que não vigeu em sua economia rural um padrão de distribuição menos desigual do que nas economias centrais. Nas pesquisas desenvolvidas por Oliveira (2003, p. 110), fica bastante evidente que a distribuição da renda agrária no Brasil, por suas características na formação histórica da economia rural, com predomínio de plantations e concentração fundiária desde sua implantação, “é uma distribuição tão ou mais desigualitária que a urbana-industrial”.

No Brasil, o momento em que a industrialização passa a ser o centro para a dinâmica do sistema capitalista se dá após a Revolução de 1930, marcando o fim de um ciclo de hegemonia agrário-exportadora e o início de um ciclo de predominância da estrutura produtiva de base urbano-industrial.

Assim, a passagem da economia de base agrário-exportadora para urbano-industrial é o momento fundamental para a reprodução das

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Contudo, adverte Santos (2011, p. 153) que “esta designação, porém, é ambígua e traiçoeira, pois pode fazer crer que no período actual o capitalismo não é organizado, o que está longe de ser verdade. De facto, pode afirmar-se precisamente o contrário, que o capitalismo está hoje mais organizado do que nunca. A expressão capitalismo desorganizado significa, em primeiro lugar, que as formas de organização típicas do segundo período estão a ser gradualmente desmanteladas ou reconstituídas num nível de coerência muito mais baixo, e, em segundo lugar, que, precisamente por esse processo estar a decorrer, é muito mais visível a demolição das antigas formas organizativas do que o perfil das novas formas que irão substituí-las”. O sociólogo afirma que “um sinal de que o capitalismo está actualmente mais bem organizado do que nunca é o facto de ele dominar todos os aspectos da vida social e ter conseguido neutralizar os seus inimigos tradicionais (o movimento socialista, o activismo operário, as relações sociais não-mercantilizadas)”. Nesse sentido, “é legítimo designar a nossa época por capitalismo desorganizado, um período de transição de um regime de acumulação capitalista para outro ou, como adiante propomos, de uma transição muito mais vasta de um paradigma societal para outro”.

condições da expansão capitalista. Oliveira (2003, p. 42-43) ressalta que a solução do “problema agrário” se apresenta como um complexo, “cujas vertentes se apoiam no enorme contingente de mão-de-obra, na oferta elástica de terras e na viabilização do encontro desses dois fatores pela ação do Estado construindo a infraestrutura, principalmente a rede rodoviária”. Esse complexo de soluções tem como denominador comum a permanente expansão horizontal da ocupação com baixíssimos coeficientes de capitalização, operando-se como uma “acumulação primitiva”.

Ocorre que esse conceito, extraído de Marx, quando descreve o processo de expropriação do campesinato como uma das condições prévias para a acumulação capitalista, deve ser redefinido, na visão de Oliveira. Isso porque se trata de um processo em que não se expropria a propriedade, mas o excedente que se forma pela posse transitória da terra, bem como a acumulação primitiva não se dá somente na gênese do capitalismo, sendo também estrutural.

Daí “o ornitorrinco capitalista”17 ter sido a maneira encontrada pelo sociólogo para qualificar a espécie de capitalismo gerado no país, consistente em uma acumulação truncada e uma sociedade desigualitária sem remissão. Nesse sentido, o conjunto de imbricações entre agricultura de subsistência, sistema bancário, financiamento da acumulação industrial e barateamento da reprodução da força de trabalho nas cidades constituía, na visão de Oliveira (2003, p. 130 e 150), o fulcro do processo de expansão capitalista.

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Oliveira se utiliza da definição de “ornitorrinco” dada pela Grande

Enciclopédia Larousse Cultural, vol. 18. São Paulo, Nova Cultural, 1998:

“Ornithorhynchus anatinus. Mamífero monotremo, da subclasse dos prototérios, adaptado à vida aquática. Alcança 40 cm de comprimento, tem bico córneo, semelhante ao bico de pato, pés espalmados e rabo chato. É ovíparo. Ocorre na Austrália e na Tasmânia. (Família dos ornitorrinquídeos). Encicl. O ornitorrinco vive em lagos e rios, na margem dos quais escava tocas que se abrem dentro d’água. Os filhotes alimentam-se lambendo o leite que escorre nos pelos peitorais da mãe, pois esta não apresenta mamas. O macho tem um esporão venenoso nas patas posteriores. Este animal conserva certas características reptilianas, principalmente uma homeotermia imperfeita”. Por analogia, o sociólogo batizou de “o ornitorrinco” a tradução do Brasil sob o signo de Darwin, em que existe uma combinação esdrúxula de setores altamente desenvolvidos, um setor financeiro macrocefálico, mas com pés de barro. Essa figura magra, esquelética, sustenta uma cabeça enorme, que é o sistema financeiro, mas com pernas esquálidas e anêmicas, que são a desigualdade social e a pobreza extrema.

O sociólogo adverte que, na maioria dos casos, as economias pré- industriais da América Latina foram criadas pela expansão do capitalismo mundial como uma “reserva de acumulação primitiva do sistema global”, sendo o “subdesenvolvimento” uma formação capitalista, e não simplesmente histórica. Nesse sentido, a proeminência da teoria do subdesenvolvimento, para Oliveira (2003, p. 33-34), contribuiu para a não formação de uma teoria sobre o capitalismo brasileiro, cumprindo a função ideológica de marginalizar os interessados em saber a quem servia o desenvolvimento econômico capitalista no Brasil. Com os estereótipos de “desenvolvimento autossustentado”, “interesse nacional”, entre outros, a teoria do subdesenvolvimento assentara as bases do chamado “desenvolvimentismo”, desviando a atenção teórica e a ação política do problema da luta de classes. Assim, a teoria do subdesenvolvimento teria sido a ideologia do denominado período populista.

De qualquer forma, percebe-se em termos gerais, portanto, que com o deslocamento espacial e temporal, o regime fordista de acumulação solucionou o problema da superacumulação no decorrer do período de expansão do pós-guerra, mas o esgotamento dessa opção para lidar com a superacumulação levou o fordismo à crise.18

2.2 A REPRODUÇÃO E A EXPANSÃO DO CAPITAL NO MODELO