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A FORMAÇÃO NO EXÉRCITO PORTUGUÊS DECORRENTE DA EXPERIÊNCIA AMERICANA

G. EXPECTATIVAS GORADAS

Os primeiros exercícios, realizados em 1953, para além da avaliação das capacidades militares individual e coletiva, tiveram também como objetivo passar para a opinião pública nacional a imagem de que o sistema de defesa terrestre tinha iniciado um novo ciclo, confirmado pela existência de equipamentos tecnologicamente evoluídos e de um espaço para treino operacional a nível divisionário. Nesta fase, o governo apercebeu-se que o país não reunia as condições que pudessem materializar a concretização do número de unidades de escalão divisionário, situação que vinha sendo defendida pelo EME [Telo 1996: 254]119. A governação ficou ciente de quanto era dispendioso para o país, e para o Exército, possuir uma unidade moderna com o modelo que pretendia implementar. Os elementos recolhidos no início de 1954 referiam que o sustento da divisão tipo americano orçava em 74 milhões de dólares anuais, montante que era superior ao orçamento total da defesa para o mesmo período [Telo 1996: 254- 255].

Logo na fase inicial o Ministro do Exército Abranches Pinto reconheceu quanto complexa se tornava a constituição de uma divisão tipo americano, defendendo que até ao final de 1954 não seria possível concretizar qualquer outro objetivo. Ficava assim comprometida a materialização das outras 3 divisões que constavam dos compromissos internacionais, situação que só foi reconhecida em meados desse ano pelo então Ministro da Defesa Santos Costa [Telo 1996: 255].

Em 1954 o país empenhou-se na realização de um exercício de grandes dimensões, da responsabilidade da 2ª RM e participação da 3ª, com o intuito de organizar a divisão tipo americano. A 1ª, 2ª e 4ª RM constituíram 3 divisões como forças designadas para os Pirenéus e

119 Um relatório elaborado pelo MAAG referia que as manobras se assemelhavam às realizadas em 1940 sem quaisquer semelhanças com a realidade e a objetividade que se exigia na realização de manobras, situação que também era reconhecida pelos oficiais portugueses que tinham adquirido formação na Alemanha.

mais uma para a defesa do continente, ilhas e territórios ultramarinos. Esta foi a orgânica que o país pode mobilizar e sustentar e que manteve até ao começo da guerra colonial [Telo 1996: 255].

O SHAPE era conhecedor das limitações de Portugal para integrar a coligação de defesa ocidental, facto que motivou a não atribuição de uma área de defesa em território francês para a sua divisão tipo americano. A situação só foi alterada depois de aquela organização ter sido muito pressionada por Portugal tendo sido atribuída uma zona de responsabilidade localizada no sul da França (Perigueux – Limoges – Angoulême)só nos finais de 1954 [Telo 1996: 257].

Em 1956 um oficial do SHAPE informou Portugal que o seu Exército não tinha competência para enquadrar as forças NATO para a defesa da Europa Ocidental, isto é, não estava preparado para cumprir a missão que lhe tinha sido atribuída há 5 anos atrás. Todo o esforço em material e formação não tinha sido suficientemente eficaz para colocar a divisão tipo americano em níveis de proficiência para ombrear com as outras forças ocidentais. O atestado de inaptidão era reconhecido pelas chefias do Exército que admitiram a impossibilidade do ramo ter reunido as condições para dispor de tropas devidamente preparadas até aquele ano [Telo 1996: 258].

Em 27 de maio de 1957 o chefe da missão SHAPE em Portugal, depois de ter realizado uma visita às unidades militares, apercebeu-se que decorridos dois meses após iniciado o período de instrução desse ano, o Exército ainda não tinha esboçado o calendário para a realização dos exercícios anuais, os responsáveis pela área do pessoal da divisão desconheciam a nomeação de alguns dos comandantes das suas unidades, os oficiais não sabiam os detalhes dos cursos de armas ligeiras nas unidades de infantaria, as cozinhas e os espaços de higiene utilizados nas manobras em anos anteriores ainda não tinham sido objeto de trabalhos de conservação e a engenharia militar encontrava-se a realizar trabalhos de manutenção de pavimentos quando devia estar em instrução. Estas apreciações não eram confortáveis para as chefias militares mas eram reveladoras da opinião das autoridades estrangeiras sobre a formação da divisão e que revelaram o propósito de poderem

criar condições dentro da instituição para efetuar as alterações adequadas às exigências [Macedo 1984: 282-283; 299-300; EME 1988: 224-226].

Em 22 de agosto de 1957 foi realizada uma conferência de altos comandos, onde estiveram presentes os elementos da maior responsabilidade na defesa da Nação para analisar o decurso da instrução do Exército português. As apreciações sobre o pessoal enfatizaram o baixo nível da preparação dos quadros e especialistas (condutores, mecânicos, transmissões) e a deficiente aplicação dos princípios táticos americanos relativamente à cooperação inter-armas. As medidas corretivas apontavam para a obtenção de maiores qualificações dos militares do quadro permanente, fator que devia ser considerado imperativo na seriação dos candidatos que pretendiam ingressar nas fileiras durante o processo de recrutamento. Impunha-se redefinir normas sobre a colocação dos militares do quadro permanente para evitar a sua permanência nas mesmas funções por períodos alargados e sobre a sua distribuição equitativa pelas unidades. Sobre o material, foi debatida a falta de equipamentos para a instrução e mobilização e a deficiente manutenção. Foi considerado importante insistir na obtenção dos artigos em falta e na melhoria dos trabalhos prestados pelo serviço de material. A preservação da operacionalidade dos equipamentos recomendava a disponibilidade de peças ou artigos completos no sistema de reabastecimento e o rigor na execução dos trabalhos de manutenção. Considerava ainda que as verbas disponíveis eram insuficientes para a formação adequada do Exército [Macedo 1984: 284-286; EME 1988: 224-227].

Na sequência daquela conferência o CEME elaborou um relatório onde afirmou que “o Exército não estava em condições de satisfazer os fins da política; o Exército - que reputa de grave - não poderá estar, em curto prazo, nas condições necessárias”. Considerava que a situação era de tal forma deprimente que a quantidade e qualidade do pessoal não eram suficientes para satisfazer as exigências, os meios materiais eram escassos e o conhecimento militar encontrava-se aquém do desejado devido ao reduzido tempo de formação. A opinião do comandante do Exército deitava

por terra todo o trabalho que vinha sendo realizado desde o início da década de 50, não sendo possível asseverar os compromissos internacionais. Propunha a aceitação de uma das duas modalidades: “conservação dos fins atuais e aumento das verbas orçamentais ou conservação das atuais verbas orçamentais e fixação de fins mais modestos […] considerava como injustificada e perigosa a manutenção da atividade, porque dela poderia resultar o prolongamento de um estado de coisas, dentro do qual, não obstante todos os esforços realizados para a preparação de uma divisão e após quatro anos cuidados e favores especiais, essa divisão não está em condições de entrar em operações”. Em remate, o CEME referiu que “não podemos concluir que será possível alterar a estrutura orçamental pela diminuição das despesas com pessoal o que dá ao problema maiores dificuldades e melindres. É o problema dos nossos programas de forças e de toda a organização de paz que está em causa”. Era necessário reavaliar os acordos militares traçados pela política com as alterações estruturais daí resultantes, e incumbir o EME para proceder a uma nova reorganização [Macedo 1984: 319; EME 1988: 181].

Das conclusões resultantes daquela conferência de altos comandos, o subsecretário de estado do exército, num despacho emitido a 09 setembro de 1957, deu indicações ao Exército para providenciar nova reorganização tendo em atenção as necessidades militares terrestres conducentes com a situação e os encargos internacionais, a concentração de meios eficientes e a redução das despesas na manutenção dos edifícios militares, canalizando essas verbas para a rentabilidade do Exército. Esta matéria foi atribuída ao EME para apresentação de uma proposta até 30 de novembro de 1957 [Macedo 1984: 287; EME 1988: 228], tema que se insere no âmbito da mobilização analisado no próximo capítulo.

A tutela considerava necessário rever a organização territorial do continente por se encontrar desajustada às necessidades e às possibilidades do país. Reputava como fundamental assegurar os compromissos internacionais, a defesa interna do território continental e insular e

salvaguardar a eventualidade de criar uma estrutura para atuar nos territórios ultramarinos. Para cumprimento do despacho o Exército português precisa dispor de um efetivo de 195 000 homens [Macedo 1984: 289-290; EME 1988: 231-232].

Tinham decorrido quatro anos desde o início da criação da divisão tipo americano e os problemas arrastavam-se nas áreas consideradas vitais: no pessoal e nos materiais. Surgiu pela primeira vez a preocupação da preparação das forças para o ultramar tema que passou a integrar a agenda política e militar [Macedo 1984: 286; EME 1988: 227].

Na continuação do despacho do subsecretário de estado do exército, a 04 de outubro de 1957, o CEME elaborou um documento onde garantiu que o Exército português estava recetivo a todas as decisões para “satisfizesse os fins da política”, concordando com a reformulação da orgânica da divisão. Propôs a escolha de um dos 3 tipos de divisão: a tipo americano com base em 5 batalhões de infantaria (divisão pentatónica); a tipo alemã, recentemente adotada pelos holandeses assente em 7 batalhões de infantaria; e a tipo inglesa com base em 12 batalhões de infantaria agrupados em três brigadas. O Exército português voltava uma vez mais a confrontar-se com a forma que deveria adotar no escalão divisão tendo mantido a preferência pelo modelo americano agora com uma nova organização O comandante do Exército defendia que era o momento oportuno para efetuar a reestruturação geral do ramo terrestre, em conformidade com as indicações governamentais, admitindo a possibilidade de surgirem constrangimentos na sociedade civil quando confrontada com a retirada das unidades do interior das populações causando a perda de prestígio e a diminuição da atividade económica [Macedo 1984: 291-292; EME 1988: 234-235].

Esta questão deu início a uma nova remodelação da orgânica da divisão que passou a ter uma estrutura pentatónica, criada em 1959 com um período de vida que durou até 1964, altura em que foi constituída uma outra divisão designada por ROAD.