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a experiência prática dos autores teóricos – a minha experiência prática

Lendo o texto do Zarrili, “What does it mean “to become a character?” (ZARRILLI, 1995), percebo que esse movimento que faço no sentido de querer olhar para e experimentar possibilidades mais integradas das fronteiras entre arte e vida e entre as linguagens artísticas também existe no que o autor descreve sobre seu próprio trabalho prático e artístico. Ele reconhece isso também nos trabalhos de outros artistas como Grotowski e Stanislavski.

Lendo a dissertação de mestrado de Cecilia Ohno, praticante do Seitai-ho há muitos anos, fiquei pensando no contato inicial e ainda superficial que eu tenho com tais práticas. E como é difícil para mim a apreensão das ideias, dos modos de ver o mundo e das técnicas corporais dessas culturas.

Então me deparei com a questão sobre como fazer uso dessas referências na minha pesquisa, para que elas sejam de fato necessárias. E acredito que é através da aproximação das áreas de questionamento (o trabalho da key zetta e cia, a questão sobre as fronteiras entre arte e vida e a experiência iniciante com prática corporais orientais) que posso fazer bom uso das referências teóricas que abordam muitos conhecimentos aos quais só tive acesso através da leitura, e não pela experiência prática.

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O meu contato com a dança20 por outro lado é algo que me acompanha há muito tempo, no corpo e no pensamento. E sinto que o conhecimento, quando vem da experiência prática tem uma força e uma consistência diferente.

Rupert Cox afirma que não é possível falar sobre as Artes Zen sem participar dessas práticas, sem experimentá-las, sem praticá-las. Esses conhecimentos exigem um envolvimento da ordem da experiência, da integração corpo-mente.

Cecilia Ohno também faz referências e parte da sua experiência para escrever sua pesquisa. Por estar a tanto tempo praticando, fala sobre o Seitai-ho com propriedade, com variedade e fluxo.

Então por que eu quero trazer essas referências com as quais eu ainda tenho pouco contato, na prática e no pensamento? A sensação de afinidade com os modos de fazer e pensar presentes nas práticas orientais talvez seja uma razão.

O contato com práticas chinesas, quando conheci a key zetta e cia, foi revelador no sentido de me apresentar uma possibilidade de estudo técnico em que forma e fluxo estavam integrados e em que de fato havia espaço e necessidade de que eu escutasse e percebesse o meu corpo. Desse momento em diante desenvolvi um interesse e uma abertura para referências originais das culturas orientais que foram me levando para contato com pessoas envolvidas ou partes dessas culturas.

Percebo então que o que está presente aqui são encontros, contatos, toques entre as questões da pesquisa e as ideias presentes práticas e artes orientais a que os autores e obras aos quais faço referência abordam. E esse contato ainda que esteja num estágio inicial, sujeito a compreensões rasas e até mesmo equivocadas, aponta espaços de relação e produção de conhecimento que se fizeram necessários para que esta pesquisa se desenvolvesse.

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Quando falo da dança refiro-me a minha experiência tanto dentro do campo cotidiano e social, quanto aos meus estudos de técnicas de dança iniciados aos cinco anos de idade, com o balé clássico, passando pela dança do ventre e chegando à dança contemporânea, na Escola Livre de Dança de Santo André, na graduação da Universidade Estadual de Campinas, em workshops e oficinas de artistas e professores de dança contemporânea, e atualmente na minha atuação enquanto artista da dança.

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Os diferentes pensamentos sobre práticas orientais presentes nas referências bibliográficas alimentam e revelam compreensões nesta pesquisa sobre as fronteiras entre arte e vida e as relações entre as linguagens artísticas. Ohno diz sobre sua dissertação de mestrado: “Se a bibliografia seitai foi feita para praticantes para esclarecer sobre a prática e só circulava na comunidade seitai, então porque trazer para academia este trabalho que só é compreendido através prática?” (OHNO, 2007, p.16).

Eu me faço a mesma pergunta, mas diferente: por que trazer para a academia algo que também precisa da prática para ser compreendido? Penso que escrever também é criar e isso pode compreender a escrita em alguma medida como um fazer, também da ordem da prática e não apenas da teoria.

A autora fala que com a tradução ela pretende “esclarecer aos praticantes e apresentar aos pesquisadores, inclusive os acadêmicos, a nossa pesquisa de corpo e de arte que tem como fundamento uma prática e seus princípios. Por isso é inevitável iniciar pela exposição da prática” (OHNO, 2007, p. 17).

Penso que isso ocorre de maneira semelhante aqui, em relação aos processos de experimentação artística iniciados durante a pesquisa, os quais relato no próximo item. A semelhança se dá pela necessidade de apresentar também, de alguma forma, na prática o que as questões teóricas me geraram.

Ohno ainda ressalta: “Por isso gostaria de salientar que cada termo escrito só terá real sentido quando praticado, quero dizer, vivido no corpo (OHNO, 2007, p. 17)”. Analogamente, afirmo que só têm sentido as coisas que penso e questiono no trabalho da key zetta e cia quando eu levo-as de alguma forma para meu estar e para minha prática artística.

A experiência de Cecília Ohno, entretanto, se diferencia da minha, dentre outros motivos, pois, mesmo considerando que há uma alta contaminação no meu modo de fazer/ver arte pelo da key zetta e cia, no meu texto descrevo muito mais uma experiência de observação do que de fazer junto a eles. De toda forma, as questões e discussões que

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levanto a partir da observação da key zetta e cia e das leituras teóricas têm a potência de ampliarem seu sentido quando levadas a cabo na prática, como ocorreu comigo.