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modos de organização das funções – relação de direção

Processo de criação de “projeto propulsão/o que faz viver – sem título”

Capítulo 3 – modos de fazer

3.2. modos de organização das funções – relação de direção

A direção dentro da key zetta e cia normalmente assume a função de elaborar e propor os projetos de criação e conduzir os seus processos. Algumas vezes outros artistas colaboradores participam também dessas ações, compartilhadas e abertas para discussão sobre o modo de fazer e o pensamento de dança e de arte que orienta o trabalho.

As decisões e as escolhas são de responsabilidade dos diretores, mas também podem estar suscetíveis e em diálogo com impressões e sugestões dos outros integrantes. Parecem existir no grupo momentos de mais ou menos diluição das responsabilidades sobre essas tarefas da direção, sem que essa função deixe de existir (isso pode ser percebido nas diferenças que aponto nas descrições do processo de “Permitido Sair e Entrar” e “projeto propulsão/o que faz viver – sem título”).

O modo de trabalho da key zetta e cia dialoga e interfere no modo de fazer dos artistas que integram o grupo. Da mesma forma, há uma abertura para que esses artistas contribuam na construção do modo de fazer da companhia, inclusive na relação com a direção.

A relação entre eles é de autonomia e de afinação com o processo, o que não impede que algumas decisões sejam mais verticais vindas da direção. De toda forma, as tarefas de criar e propor experimentações, para si próprio ou para os outros, e fazer com que o processo continue se movendo, são possíveis a todos, e não só aos diretores.

Essa postura diferencia-se de alguns modos de trabalho possíveis, na relação entre a direção e os outros artistas. O diretor pode, por exemplo, estabelecer uma separação da função da criação e trabalhar com a ideia de interpretação, em que a coreografia é criada pelo diretor/coreógrafo e interpretada e dançada pelo bailarino/intérprete.

Também pode se estabelecer uma relação de se extrair ou levantar ideias e materiais coreográficos dos bailarinos para que o diretor/coreógrafo possa compor a peça. Novamente afirmo: a possibilidade de se promover uma experiência libertadora,

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criativa, geradora está mais nas relações que se estabelece com o modo de fazer, do que num formato específico de modo de trabalho.

Porém, a função da direção pode demandar uma postura mais ou menos autônoma em relação aos outros integrantes do grupo. A possibilidade de escolha desde como chegar, como se aquecer para um dia de ensaio, até a responsabilidade de propor experimentos e exercícios para si e para os outros durante o processo de criação, engaja um certo senso de responsabilidade e de autonomia em relação à própria postura e sobre a criação do trabalho.

Cecilia Ohno, ao falar das técnicas que constituem o Seitai-ho, passa por algumas conceituações de corpo, no sentido da sensibilização e da autonomia, que relaciono com a maneira de trabalho da key zetta e cia. A autora fala que nessa prática existe o objetivo de sensibilizar os corpos para que eles sejam capazes por si mesmos de resgatar a própria força.

Essa possibilidade dos praticantes de ordenar seus próprios corpos é entendida como um princípio ativo necessário para qualquer atividade e para viver plenamente o processo de crescimento natural do corpo.

O Seitai-ho é composto por um conjunto de técnicas que contempla essa relação. Uma delas é o katsugen undo em que se trabalha “a capacidade que o corpo tem de auto- equilibrar-se através dos movimentos espontâneos”. Busca-se através dessa técnica a “origem do movimento” da atividade de cada corpo (OHNO, 2007, p.9).

No yuki-ho propõe-se “sentir e estimular o ki no corpo”, capaz de afiná-lo, trazendo “prazer, alegria e força de vida”. Segundo o fundador Haruchika Noguchi, essas técnicas são “capacidades inerentes ao homem”, que ativam a força vital do corpo para que se restabeleça naturalmente seu equilíbrio (OHNO, 2007, p.9).

Noto que o desenvolvimento de uma sensibilidade mais profunda, aberta a percepções mais sutis, e o objetivo de tornar o corpo autônomo, capaz de se auto equilibrar, auto curar, produzir e criar, são recorrentes nas práticas corporais orientais.

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Algumas práticas estão mais dentro de manifestações artísticas, outras em manifestações de luta, outras em rituais e outras especificamente terapêuticas.

Nesse sentido, retomo o pensamento sobre o trabalho da key zetta e cia, em relação a como os diretores propõem o trabalho corporal dentro do grupo. Existe um espaço e uma demanda de sensibilizar o corpo, através ou não de técnicas ou treinamentos definidos.

Também está presente nas propostas de exercícios ou de experimentações de ideias um olhar sensível para como se está sentindo o entorno, o próprio corpo, o clima, o momento do processo de criação. Vejo isso em propostas, por exemplo, como “vamos experimentar por dois minutos entrar dentro do próprio corpo” ou “vamos sair lá fora e tomar sol e observar o jardim”.

A sensibilidade, nos processos e aulas da companhia, não é algo trabalhado enquanto objetivos, como no Seitai-ho ou no Tai Chi ou na Yoga. Porém, a ação de sensibilizar o corpo e os sentidos também ocorre, só que de uma maneira menos direta, como um dos elementos que constituem seu modo de fazer artístico.

Tornar o corpo autônomo também é algo distante de um objetivo direto do trabalho do grupo. Entretanto, pensando dentro do contexto da prática da dança, não trabalhar com formas pré-estabelecidas, mas buscar a criação de um movimento que esteja conectado e que necessite das potências que aquele corpo se propõe a experimentar, talvez seja uma forma de tornar o corpo autônomo através da arte da dança.