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movimento contrário: das referências teóricas para a key zetta e cia.

Processo de criação de “projeto propulsão/o que faz viver – sem título”

Capítulo 3 – modos de fazer

3.7. movimento contrário: das referências teóricas para a key zetta e cia.

No processo de estudo das referências teóricas, outras questões diferentes das que formulei quando me propus a descrever o trabalho da key zetta e cia surgiram e foram elaboradas. Descrevo então nesse item, ideias formuladas a partir da leitura sobre práticas corporais orientais, e relaciono-as ao trabalho da key zetta e cia.

Alguns pontos coincidem nos textos de Cox, Zarrilli , Ohno e Yuasa e abro um espaço aqui para apontá-los e continuar o pensamento sobre o trabalho da companhia. O trabalho da key zetta e cia e sua prática artística resvalam em características e conceitos presentes nas culturas orientais e nas suas práticas artísticas e corporais e, dessa forma, faz sentido me ater a essa bibliografia e explorá-la mais a fundo.

sobre o uso das palavras.

Na leitura dos textos sobre práticas corporais orientais ficou evidente as dificuldades que os autores tiveram ao escrever seus textos pela falta de palavras equivalentes nas traduções de termos em sânscrito, japonês e chinês para a língua inglesa (o que também traz um desafio para o meu falar sobre o texto desses autores, quando os traduzo do inglês para o português).No caso de Cecilia Ohno, existe a tarefa que ela se propõe de traduzir o texto do fundador do Seitai-ho, Haruchika Noguchi, do japonês para o português.

Yuasa ressalta, por exemplo, que as palavras em japonês já abarcam nelas mesmas sentidos que integram noções constitutivas dessa cultura, como gyô, que quer dizer fortalecer a mente e engrandecer a personalidade, enquanto ser humano, através do treino do corpo, integrando corpo e mente (YUASA, 2007, p.8), o que não encontra equivalente na língua portuguesa, por exemplo. A questão da tradução traz então o desafio de lidar com as palavras, que dão nome às coisas, e às noções que existem na cultura a que elas pertencem e, portanto, não encontram palavras correspondentes em muitas línguas ocidentais.

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O exemplo citado acima explicita, no caso, o fato de mente e corpo serem tidos como inseparáveis na tradição oriental e que, portanto, treinar o corpo é entendido com um sentido positivo e valorizado enquanto técnica de engrandecer o espírito e a personalidade. De toda forma, Yuasa ressalta que as diferenças na visão sobre o ser humano entre ocidente e oriente não são meramente linguísticas (YUASA, 2007, p.10).

Outro dificultador descrito nesses textos é a característica das experiências nos contextos da cultura oriental ser um tanto não-verbalizáveis, indizíveis, inomináveis, ou seja, não muito passiveis de explicações nem de articulação. Isso se dá também pelo fato de muitas vezes os próprios mestres das técnicas observadas e praticadas não utilizarem palavras nos seus ensinamentos, conduzindo o aprendizado através de indicações corporais.

Esse talvez seja um ruído presente em muitos trabalhos escritos que se propõem a discutir questões sobre experiências práticas, não só orientais. Os próprios autores, Ohno, Yuasa, Zarrilli e Cox, alertam que existe uma limitação na escrita sobre as práticas e artes orientais porque existe um tipo de conhecimento ali que só é tangível pela experiência empírica e de certa forma inominável.

Ao ler Rupert Cox e Phillip Zarrilli, me deparei com um estudo bastante analítico sobre as artes e práticas corporais das culturas orientais. Percebo a necessidade dos autores de classificar, nomear e diferenciar, como uma forma de explicar e abordar as experiências de prática e de observação de artes marciais e performativas japonesas, chinesas e indianas.

Noto por exemplo a diferença entre o uso das palavras como explicações racionais e objetivas e o uso das palavras enquanto síntese, metáfora, isto é, a atitude de não destrinchar a fundo a definição das coisas, mas fazer pensar/agir. Considerando as artes marciais, performativas e terapêuticas orientais com as quais tive e tenho contato, iniciado antes mesmo do princípio desta pesquisa, através da leitura de textos e da experiência prática, percebo que, pela própria integração entre arte e vida nesses contextos, a forma de escrever e falar sobre as coisas, o uso das palavras, se dá de forma

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bastante sensível e criativa, em que essa possibilidade metafórica e não exata das palavras está aflorada.

De certa forma, percebo que existe um limite na minha compreensão do conhecimento sobre tais práticas orientais, não só pelo fato da minha experiência ser nesse caso bastante teórica, mas também pelo tempo de contato que tenho com esses conceitos e visões de mundo advindas das culturas orientais, também na prática. É evidente que a compreensão e apreensão de uma outra forma de ver e fazer, diferente da cultura que você está inserido, exige um tempo de contato, de experiência e de convivência.

Então o que apreendo dos textos que li, está diretamente relacionado com a minha breve experiência e grande interesse nas questões, caminhos, formas e ideias que existem nas culturas orientais, mais precisamente no que diz respeito às artes e às práticas corporais. Além dos desafios linguísticos que encontrei em relação às minhas referências teóricas, sobre as artes dessas culturas, também me deparei com a dificuldade de traduzir em palavras as referências práticas na key zetta e cia.

Criar um discurso a partir de coisas sobre as quais não existe um discurso, demanda assumir um certo risco de construir teoria em territórios não muito estáveis. Os termos que eu uso para explicar e descrever os exercícios e as propostas da key zetta e cia nem sempre são termos utilizados por eles, até porque muitas vezes eles mesmos não descrevem nem dão muitas explicações sobre seus modos de fazer, suas escolhas.

Também, por estar observando-os já há algum tempo, percebo que os termos variam, assim como as propostas de exercícios, então não é do interesse desta pesquisa definir uma terminologia utilizada pela companhia. A key zetta e cia não possui um vocabulário ou códigos definidos dentro da sua prática artística, até por não possuírem um sistema de técnicas próprios ou algum método codificado.

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O uso das palavras nesta pesquisa é então também uma questão que demanda uma relação criativa para elaborar o pensamento e o conhecimento sobre o fazer da key zetta e cia e as referências aqui utilizadas.

a experiência prática dos autores teóricos – a minha experiência