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Os choques do petróleo ocorridos nos anos 70 passaram a demandar dos governos do mundo inteiro uma maior preocupação com relação ao fornecimento de energia.

No Rio Grande do Sul, ocorreu em resposta aos choques, uma mobilização política com relação ao Planejamento Energético do Estado. A partir de 1988, com a instituição da Carta Maior do país, ficou consagrado, além do princípio da descentralização, também o estabelecimento de uma maior autonomia dos municípios com relação aos demais entes federados. Iniciou-se, portanto, uma nova movimentação das cidades no sentido do cumprimento de suas responsabilidades perante o novo aparato normativo estabelecido.

Em 1987, o Decreto Nº. 32.681, de 13 de novembro, criou a Comissão Estadual de Energia (CENERGS) junto à Secretaria de Energia, Minas e Comunicações e também a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) (BRISTOTI, 1990). Com a criação

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Existiram experiências anteriores a essa, de serviços municipais que ocorreram de forma descentralizada e participativa, tal qual já se mencionou neste trabalho, como o caso do Orçamento Participativo de Porto Alegre, em 1986. Mas, para o caso da gestão e planejamento energético municipal associado ao planejamento da cidade, não foi observada na literatura nenhuma experiência anterior à da CENERGS no RS.

desse aparato estatal e normativo, a CENERGS passou a tomar a frente nas decisões com relação ao planejamento energético no RS, que atuou fortemente no setor, com diferentes enfoques durante o período de 1987 a 1994.

Depois de instituída, a CENERGS teve como inspiração para a sua criação o objetivo de integrar os subsistemas centralizados de energia (constituídos pelos derivados de petróleo e álcool de grandes destilarias, pela energia elétrica do sistema interligado, pelo carvão e gás natural) ao descentralizado (constituído pelas pequenas unidades de exploração da biomassa, pequenas centrais hidrelétricas e termoelétricas, pela energia eólica, pela energia solar direta e pelo uso racional de energia).

E, a partir de janeiro de 1989, foi solicitado a essa instituição que houvesse uma integração entre o desenvolvimento e fomento das fontes alternativas de energia locais aos programas de governo. Essa situação motivou a proposta de elaboração de um planejamento energético municipal piloto.

Para tanto, verificou-se a necessidade do estabelecimento de um programa de treinamento; um curso de especialização em planejamento energético a nível municipal foi idealizado pelo Prof. Arnildo Bristoti e ministrado no Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas da UFRGS (IEPE) para três turmas de 30 alunos cada uma, representativas das 22 associações de municípios do Rio Grande do Sul que integram a FAMURGS (Federação das Associações Municipais do Rio Grande do Sul).

Tal curso visava, ao mesmo tempo, a desenvolver um programa de treinamento de técnicos e a realizar, de forma prática e assistida, um planejamento nos municípios envolvidos no programa.

No mesmo ano, foi realizado um diagnóstico da questão energética no Estado, apontando sua origem e subordinação ao setor externo da economia, atingindo a todos os segmentos de atividade, definindo, em síntese, um modelo energético com menor dependência do petróleo.

A CENERGS envolveu-se no processo decisório das estatais do setor, produtores e consumidores de energia e o setor privado, de modo a trazer para mais perto a política energética, conferindo-lhe, a um só tempo, descentralização e maior tangibilidade, seja através das informações obtidas junto aos setores, seja pela realimentação dentro de uma visão global de planejamento junto a esses mesmos setores (BENSUSSAN, 2011).

Os objetivos principais do novo método de planejamento propunham-se a considerar as relações energia/economia dentro do sistema social e baseavam-se na:

a) Confecção de um orçamento global para o setor energético do Estado, de forma a atingir tanto o setor público, quanto o setor privado;

b) Discriminação das fontes e usos de recursos para certo período;

c) Montagem de um esquema de financiamento para atividades e projetos, a partir das metas, objetivos e estratégias definidas no plano;

d) Criação de um sistema de estatísticas energéticas básicas;

e) Elaboração de programa de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia, com ênfase em energia alternativa, conforme prioridades do próprio Plano;

f) Utilização e aperfeiçoamento de sistema para avaliação e acompanhamento do Plano Energético (BENSUSSAN, 2011).

No plano político, o Rio Grande do Sul contava com 20 Associações de Municípios, que serviram de base para modular a dimensão espacial, juntamente com seus municípios componentes, em torno de 200.

Foi selecionado um terço dos municípios para a realização de uma pesquisa, resultando na caracterização do consumo de cada um deles, na identificação dos pontos de estrangulamento obtidos no diagnóstico local, bem como na listagem dos principais projetos a ser estudados técnica e economicamente.

Dessa maneira, o projeto tornou-se menos vulnerável às questões de ordem política e incorporou uma experiência local de grande riqueza e valia para realização do próprio planejamento, seja no nível municipal, seja no nível estadual, uma vez que conseguiu mobilizar uma quantidade expressiva de diversos atores em nível municipal.

O principal legado de atuação da CENERGS em PEM no período (1986- 1994) foram os seguintes:

 Cadastro de quase 140.000 rios, com menos de 10 quilômetros de extensão, para determinação do potencial hidráulico, o que desembocou na ampliação da geração de eletricidade através de Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCHs);

 Levantamento do potencial eólico do Estado, através de uma pesquisa com 230 pontos de medição, com quatro sensores de velocidade a 10, 20, 30 e 40 metros de altura, distribuídos em seis regiões, com um tempo previsto de sete anos para a sua conclusão;

 Estudo, no âmbito do Rio Grande do Sul, de um modelo para a determinação do potencial de racionalização de energia elétrica baseado no Programa PROCEL e nas ideias de Goldemberg para um mundo sustentável;

 Estudos para o aproveitamento energético da casca do arroz junto aos engenhos;  Estudo de pré-viabilidade do gás argentino, para satisfazer a demanda das indústrias

gaúchas, substituindo, principalmente, óleo combustível e atendendo a demanda dos transportes coletivos, com a substituição do óleo diesel (BENSUSSAN, 2011). Dessa forma, a atuação da CENERGS caracterizou-s o intuito d : “d s t d iniciativa a nível municipal, visando a implantação de um sistema participativo de dminist o n j m nto” ( RIS OTI, 1990, p. 4). Essa questão está fortemente associada às diretrizes estabelecidas pela Constituição Federal de 1988, já apontadas anteriormente.

Além de buscar incentivar a iniciativa municipal, previu também a possibilidade de redução da dependência energética através do fomento e investimento nos processos de desenvolvimento local, bem como a diminuição do impacto de uma possível crise energética. Finalmente, relacionou o aproveitamento energético das pequenas cidades, como fonte de possível ampliação da oferta energética, em muitos casos a um custo e investimentos reduzidos quando comparados aos de grandes aproveitamentos.

No entanto, a abordagem acadêmica que seguia a CENERGS passou a conduzir suas pesquisas dentro de um horizonte de tempo de longa maturação, reduzindo a velocidade dos resultados no curto prazo, o que pareceu se chocar com a ideia de praticidade conseguida com os diagnósticos em nível municipal.

Dada a fragilidade jurídica da CENERGS, uma vez que se originara de uma Portaria, de um lado, e considerando o poder e a tradição de um planejamento setorialista, de outro, tanto para o Brasil como para o Estado, o avanço de sua atuação buscou a criação de um espaço marginal, através da perspectiva energética, passando até a complementar parte dos investimentos que deveriam ser feitos pelos setores, em uma época na qual União e Estado encontram dificuldades econômicas e financeiras para processar os grandes investimentos. Dessa forma, a CENERGS, ao empoderar o município, utilizando dele seus atores principais, tentou disseminar vários centros de poder, aparentemente simbióticos com a tradição vigente.

Apesar disso, em 1994 a CENERGS foi descontinuada, mesmo na época ainda dispondo de recursos; em suma, a CENERGS perdeu seu rumo. Nesse período, foram então desconstituídos seus quadros técnicos e sua Biblioteca, formada ao longo dos anos de 1987 a 1994.

Em contrapartida, em 2011, o Decreto nº. 17.081, de 24 de maio, na cidade de Porto Alegre, criou a Comissão de Gerenciamento e Planejamento Energético Municipal, que retoma a ideia de descentralização do planejamento energético e de empoderamento do município, observados durante a atuação da CENERGS.

Além dessa experiência do RS acima descrita, existe também o subprograma PROCEL-GEM que trabalha a GEM e busca desenvolver Planos Energéticos Municipais, o que será apresentado no capítulo 5 desta dissertação que é um estudo de caso.