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Naquilo que diz respeito a viver seu tempo de infância na cidade de Sete Lagoas/MG, Jorge conta: “Tempo a gente tinha bastante para fazer as bobagens da gente.” (risos)3 Bem, vamos então conhecer quais eram algumas dessas “bobagens”.

Dentre elas, estava o futebol: “Só aos domingos, né? Que você ia jogar bola. Jogar bola eu jogava quando era menino, na ‘porta da rua’. Brincar em campinho ai.” “Em Sete Lagoas! A gente jogava bola, era correr.” Além de experimentar o futebol com os pés, experimentava o futebol também com os olhos: “Era só futebol aos domingos. A gente assistia partida de futebol, aos domingos, em Sete Lagoas, só isso.”

“Só isso.” Esta ideia, de que era apenas o futebol que tinha para se jogar ou assistir, se repete algumas vezes na narrativa de Jorge sobre quais eram as práticas corporais que experimentava quando criança em Sete Lagoas/MG. Quando lhe pergunto sobre o que havia para se fazer naquela cidade, ele responde: “Estrada de Ferro Sete Lagoas e nada mais. Era pouca coisa, não tinha nada, cidadezinha pequena.” “Não, Sete Lagoas não tinha nada mesmo, não. Sete Lagoas é um lugar esquisito, menina. Até hoje, é um povo esquisito.”, “Aqui não tinha nada, em Sete Lagoas não tinha nada. Ir para a escola, da escola para casa, ou então jogar bola, em Sete Lagoas.”

Tais dizeres que Jorge faz questão de apontar em sua narrativa, indicam que a cidade de Sete Lagoas/MG não oferecia muitas oportunidades para se vivenciar práticas corporais quando era criança. Mesmo que em meados da década de 1930 – época em que Jorge vivia sua fase de infância – a cidade de Sete Lagoas já se configurasse como um importante centro comercial atacadista que fazia circular, para boa parte do norte do estado de Minas Gerais, cargas como grãos, tecido e algodão transportadas pela Estrada de Ferro Central do Brasil (NOGUEIRA, 2006), ela acompanhava o contexto nacional naquilo que diz respeito à existência de políticas públicas de promoção do esporte e do lazer – entendendo que tais políticas podem ser responsáveis por favorecer a promoção de oportunidades de vivência de práticas corporais para a população.

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É importante destacar que esta narrativa de Jorge é construída no momento da entrevista em que ele conta sobre as brincadeiras que ele vivenciava na sua fase de vida de infância.

O marco inicial da ação do Estado sobre o esporte no Brasil foi o Decreto- Lei n.º 3.199, de 14/04/1941. Segundo Bueno (2008), este decreto estabeleceu as bases da organização esportiva no Brasil, privilegiando mais o controle pelo Estado das entidades e associações esportivas – com o objetivo de anular possíveis atividades subversivas, no contexto político do Estado Novo no país – e dando pouca atenção à promoção de intervenções de caráter esportivo para a população em geral. Uma possível consequência deste fato é o baixo incentivo público na criação de oportunidades para a prática corporal esportiva da população no contexto brasileiro, incluindo na cidade de nosso interlocutor.

Com relação ao processo histórico de implementação das políticas públicas de lazer no Brasil, Amaral (2001) afirma que a cidade de Porto Alegre marcava, nas décadas de 1920 e 1930, uma posição pioneira na América Latina no que tange a organização de propostas públicas na área de recreação. Corroborando com esta ideia:

“Porto Alegre tem uma tradição como pioneira na América Latina, na recreação pública e isso a faz diferente das outras cidades desse País (Brasil). Com o professor Frederico Gaelzer, que trabalhava na recreação pública de Porto Alegre, em 1929 ele criou o primeiro Jardim de Praça e Jardim de Recreio”. (FEIX, 19984, apud AMARAL, 2001,

p.116)

Segundo Amaral (2004), a criação deste “Jardim de Recreio” apresenta-se como um dos marcos para o surgimento do lazer como política pública de intervenção5 no Brasil. Ainda segundo esta autora, o governo de Getúlio Vargas – por meio da implementação do Estado Novo – e o período em que o país foi governado por regimes militares, alicerçaram as políticas de lazer e fizeram-no ganhar espaço, através da intervenção do Estado.

Entretanto, pode-se entender que políticas públicas de lazer, no contexto brasileiro em geral, são iniciativas relativamente recentes e que só começaram a ganhar relevância de fato a

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FEIX, E. Entrevista concedida ao Projeto Memória do Lazer em Porto Alegre do Centro de Memória do Esporte – ESEF/UFRGS. Porto Alegre, 1998. 1 fita cassete 60 min.

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Segundo Amaral (2004), no contexto brasileiro, as políticas públicas de lazer podem ser classificadas como campo de estudo, assumindo o caráter de reflexão, ou como atividade exercida por autoridades ou agente social e pelo Estado, assumindo o caráter de intervenção.

partir da Constituição de 1988, a qual no seu artigo 6º define o lazer como um dos direitos sociais e no §3º do artigo 217 determina: “O poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social”. (MENICUCCI, 2008) Neste sentido, ainda segundo esta autora, pode-se afirmar que a políticas públicas que preocupam-se com a promoção de intervenções de lazer para a população brasileira, ainda nos dias atuais, desenvolvem-se de forma incipiente.

Portanto, este fato também parece explicar a presença da expressão “Só isso” nas narrativas de Jorge, interlocutor desta pesquisa. Políticas públicas direcionadas para a promoção de intervenções, tanto no esporte quanto no lazer, em meados da década de 1930, não estavam amplamente implementadas e, talvez por isso, tal fato contribuísse para a existência de poucas oportunidades de vivenciar práticas corporais na cidade de Sete Lagoas/MG.

Entretanto, apesar dessa ausência do Estado no incentivo à prática corporal nos arredores de onde Jorge residia quando criança, pode-se perceber, através das narrativas deste interlocutor, que ele criava suas próprias maneiras de experimentá-las:

J – “Em Sete Lagoas fiz campo de futebol também, na beira da linha. (trem de ferro) [...] A bola era a gente mesmo que comprava. De couro ou de borracha, eu não lembro bem. Mas eu acho que era de couro, já. A gente catava esterco, mãe vendia e comprava bola pra gente. Minha mãe era um tipo, assim. Meu pai não achava que a gente devia de ir, mas minha mãe achava que a gente tinha que “tomar parte” das coisas.”

L – “Ela incentivava a ir lá, fazer o campo?”

J – “É! A organizar. Fazia. Então assim, desde menino, meio “atrevidinho”.

J – “Brincava muito (na fase da infância), criava muita coisa... Fazia, né? [...] Fazia carroça, jogar bola, fazer campo. Eu falei para você que eu fazia campo de futebol?”

No desenrolar da entrevista, não pude obter maiores detalhes sobre como era esta experiência de construir campinhos de futebol em Sete Lagoas/MG6. Mas é nítido, por meio

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Mais à frente, nas narrativas de Jorge sobre suas experiências de práticas corporais vividas na fase de sua vida, entre o final da infância e o começo de juventude, este interlocutor narra com preciosos detalhes como se deu o processo de construção de um campinho de futebol próximo à casa onde morou na cidade de Belo Horizonte/MG.

daquilo que ele enfatiza em sua narrativa, o caráter de sua personalidade que o motivava a construir meios para praticar o futebol, prática corporal esta que parecia ser para ele tão prazerosa. Personalidade que fora “educada” no âmbito familiar, através da influência da personalidade materna.

A fim de entender melhor sobre a origem desta personalidade “proativa” de Jorge, tentamos conhecer mais de perto sua mãe: “Minha mãe. Minha mãe é analfabeta e é uma coisa esquisita. Ela sabia tudo. Minha mãe fazia conta de fração de cabeça, sendo analfabeta. Ela fazia compra. De grama, ela sabia o preço que tinha que pagar. Eu não entendo. Até hoje a gente fala em casa, eu não entendo mesmo. Costurava para homem, costurava para mulher. Era salgadeira por natureza.” “Minha mãe. O lado dela é que era o positivo. Meu pai já não tinha... Meu pai tinha medo de tudo. Medo de dívida, de ‘isso não pode agora’. Minha mãe já era mais solta. Então, ‘puxei’ minha mãe em tudo, até na aparência é com ela.” “Eu ‘tapeava’ minha mãe. E ela ‘media’ a gente, sabe? Minha mãe era ‘fogo’!”

Foi esta, então, a educação no âmbito informal que Jorge recebeu dentro de sua família, a qual ele exerceu em sua vida, desde a infância7. Sua mãe lhe ensinara a fazer uso daquilo que dispunha ao seu alcance, a desenvolver suas capacidades no seu cotidiano de criança, de menino. Um cotidiano de criança, perpassado pela brincadeira e pela responsabilidade nas tarefas domésticas, e era nesses ambientes que ele deveria exercer a sua “pro atividade”, tornar realidade as suas vontades de brincar e também as suas obrigações para com a casa.

Jorge conta sobre outras práticas corporais que experimentava como forma de brincadeira, para além do futebol. Ao contar sobre elas, ele revela o significado que elas tinham para ele. No tipo de brincadeira, no jeito de brincar, pode-se perceber uma funcionalidade na sua prática corporal: “Eu, toda vida, fui empreendedor. (risos) Ai, fazia carrocinha, ia para o mato cortar lenha, enchia o carrinho e levava para casa, cozinhava com lenha. Eu brincava produzindo. Até brincar, varrer quintal, tudo isso eu fazia de uma forma... Eu não sentia que era obrigação. É uma arte para mim.”

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Mais à frente, as narrativas de Jorge revelarão a influência que esta educação informal, proveniente especialmente de sua mãe, parece ter exercido, ao longo de sua vida e mantém-se presente até os dias atuais, na fase de velhice.

As práticas do brincar misturavam-se com as tarefas domésticas, muitas vezes realizadas a um só tempo. A pedido da mãe, ele tinha a responsabilidade de ir pegar lenha para levar para casa. Para levar essa lenha, construiu uma “carrocinha”, a qual se configurava simultaneamente como brinquedo e instrumento de “trabalho”. Jorge diz: “Eu brincava produzindo.” A educação informal exercida pela mãe o levou a “tomar gosto” por esse “tomar parte das coisas”, o levou a sentir satisfação por ter responsabilidades para com a casa e a família. E essa responsabilidade lhe chegou desde muito cedo: “Minha vida foi sempre muito boa, não posso reclamar da minha vida não. Sempre bem. Nasci e com sete, oito anos, eu já tinha responsabilidade para com meus pais. Ele viajava e eu é que controlava tudo, despesas, compras. Tudo era eu quem pagava, era eu. Olhava irmãos, Seu Vicente.”, “Toda vida tive (responsabilidade para com a família). Até de ‘olhar’ criança, os irmãos. Tinha que ‘olhar’. A obrigação era rachar lenha, pôr lenha para dentro, varrer quintal, molhar planta. Minha mãe tinha horta e a gente é que fazia. Com sete, oito anos fazia aquilo.” “Até na sujeira da roupa, ela tinha isso ‘Por que essa roupa está suja assim?’ Era assim. Na casa dela, era uma base de sete irmãos. Ela ‘media’ a gente em tudo.”

Pois então, é nesse contexto, de obrigações domésticas e de respeito às ordens da mãe, que Jorge conciliava suas brincadeiras. É nesse contexto, constituído por dimensões sociais e culturais, que Jorge aprende a brincar. Sobre a influência que o contexto sociocultural exerce na ação do brincar, nos diz Debortoli (2004). Para ele, o brincar e a brincadeira devem ser entendidos como “um conhecimento e uma experiência que requerem, antes de tudo, ser tomados do ponto de vista de um fenômeno cultural, identidade inalienável do humano, expressão da condição humana: cultural, histórica, ética, estética e política.” (ibid., p.19)

Ainda concordando com este autor, entende-se que o brincar manifesta-se como dimensão simbólica e se expressa como linguagem e como processo de elaboração de significados e sentidos. Estes sentidos e significados, por meio dos quais o brincar se expressa, são provenientes do contexto no qual o sujeito brincante está inserido, pois estão enraizados e contextualizados em seu universo social. (ibid.)

Através das narrativas de Jorge, podemos perceber quais são os sentidos e significados que estavam presentes nas suas relatadas brincadeiras de infância, sentidos e significados estes que são produto do meio social em que o idoso entrevistado vivia. Suas brincadeiras traziam uma conotação produtiva, no âmbito das responsabilidades domésticas, que se caracterizavam por uma

funcionalidade importante, dentro das tarefas necessárias para a manutenção da casa e da família. Jorge brincava fazendo uso dos aprendizados que recebia em sua casa e sobre o brincar enquanto aprendizado também nos diz Debortoli: “O brincar só pode ser compreendido como processo de inserção em um tempo-espaço de aprendizados demarcadamente sociais. (ibid., p. 20)

Jorge apresenta quais eram as suas brincadeiras: além de “jogar bola”, era ir para o mato com uma “carrocinha” para pegar lenha e levar para cozinhar em sua casa e também varrer o quintal. Eram as suas responsabilidades domésticas, mas que, para ele, eram também brincadeiras e não as encarava como responsabilidades de caráter obrigatório, e sim como arte.

Procurando tentar compreender o que Jorge quis dizer quando conta que suas experiências de práticas corporais, nesta mescla do brincar com o realizar as tarefas domésticas, eram para ele arte, tento dialogar com o que diz Freitas (2005) acerca do entendimento que, geralmente, o senso comum estabelece do que vem a ser arte. Segundo esta autora, para a maioria das pessoas, a arte está ligada ao belo, e este entendimento do senso comum pode ser proveniente de uma primeira visão romântica e renascentista que faz esta associação entre a arte e o belo.

Ao investir na ampliação do conceito de beleza, do que vem a ser o belo, Freitas (2005) nos diz:

[...] a beleza não tem a ver com formas, medidas, proporções, tonalidades e arranjos pretensamente ideais que definem algo como belo, a beleza não diz respeito às qualidades dos objetos, mensuráveis, quantificáveis e normalizáveis; a beleza diz respeito à forma como nos relacionamos com os objetos – que não precisa ser necessariamente uma obra de arte –, é a relação entre sujeito e objeto. (ibid., p. 2)

Freitas (ibid.) conclui que, a partir dessa ampliação da noção do belo, pode-se dizer que a arte é mais do que entrar em contato com um quadro de um artista, mas sim que arte é viver uma experiência estética. Quando a relação entre sujeito e objeto é determinada não pela função das coisas, mas sim pela forma destas, este sujeito vive, na relação com o objeto, uma experiência completa, uma experiência estética.

Santos (2010), por sua vez, inspirado por Immanuel Kant, pode nos auxiliar neste momento a compreender, portanto, o que vem a ser esta experiência estética, ou seja, essa que se dá através da relação que o sujeito pode estabelecer com um objeto.

Para Kant, a vivência estética é propriamente a vivência de um indivíduo, é uma vivência radicalmente subjectiva. E isto quer dizer que nela não se tem em vista nada que contribua para o conhecimento do objeto enquanto tal. [...] o adjectivo «estético» não indica aqui qualidade nenhuma no objecto, mas um modo de o sujeito ser afectado quando representa ou contempla um objecto. «Estético» designa uma determinação do sujeito (um modo de ele ser afectado) e não uma determinação do objecto. (ibid., p. 43)

Este autor, nos trazendo uma definição acerca do que vem a ser o estético, nos leva a identificar que pode ser esta a dimensão a que Jorge se refere, quando caracteriza como arte as suas práticas corporais mescladas com a realização de suas tarefas domésticas. Estas não representam obrigação para ele, ou seja, na relação que ele constrói quando experimenta essas práticas corporais-tarefas domésticas, seu corpo não as percebe com este caráter obrigatório – o qual, para outras pessoas, pode ser experimentado dessa maneira. Ao contrário, a sensibilidade experimentada por Jorge, neste seu fazer corporal, parece tocar a dimensão do que pode ser considerado, por ele, belo.

O belo é compreendido por Immanuel Kant da seguinte maneira:

Para distinguir se algo é belo ou não, referimos a representação não pelo entendimento ao objeto em vista do conhecimento, mas pela faculdade da imaginação (talvez ligada ao entendimento) ao sujeito e ao seu sentimento de prazer ou desprazer. O juízo de gosto não é, pois, nenhum juízo de conhecimento, por conseguinte não é lógico e sim estético, pelo que se entende aquilo cujo fundamento de determinação não pode ser senão

subjetivo. Toda referência das representações, mesmo a das sensações, pode, porém, ser

objetiva (e ela significa então o real de uma representação empírica); somente não pode sê-lo a referência ao sentimento de prazer e desprazer, pelo qual não é designado absolutamente nada no objeto, mas no qual o sujeito sente-se a si próprio do modo como ele é afetado pela sensação. (KANT, 2005, p. 47)

As narrativas de Jorge me levam a percebê-las como permeadas daquilo que é fruto de sua compreensão atual do passado e que também trazem para ele um sentimento de prazer. E se, segundo Kant (ibid.), este aspecto do prazer, do ser afetado por um objeto, é o que permite ao sujeito caracterizar algo como belo, entendo que Jorge via beleza naqueles seus fazeres corporais – mesmo que eles se apresentassem no âmbito da realização obrigatória das tarefas domésticas –

uma vez que eles eram praticados por ele com prazer. Definir tais práticas corporais como belas, como já indiquei anteriormente, é fruto da educação informal que recebera de sua mãe. No seio da família, ele aprendeu a sentir prazer nestes fazeres corporais.

Investigando na literatura outros trabalhos que tematizem o brincar, na fase da infância, quando ele apresenta-se em uma mescla com a dimensão do trabalho ou de responsabilidades que a criança, desde pequena, pode ter de vir a assumir no seio da família, encontrei uma pesquisa brasileira que investigou, por meio de relatos de vida, mulheres e crianças que vivem em área rural no interior do estado do Rio de Janeiro (LEITE, 2002). A pesquisadora ilustra alguns achados de sua investigação dando destaque às seguintes narrativas construídas por uma das crianças:

– O que você mais gosta de fazer, Natália? – “Passar pano. É o que eu mais gosto.”

– É o que você sabe fazer bem-feito? Você sabe passar pano muito bem? – “Às vezes peço a mamãe para [eu] passar pano nas varandas... encero tudinho para ela nas varandas.”

– Normalmente a gente gosta de fazer as coisas que a gente sabe fazer bem. Você gosta

de fazer alguma coisa que você não sabe fazer?

– “Gosto... de fazer uma boneca de pano que eu nunca aprendi!” – Do que você gosta mais: de passar pano ou de brincar? – “Mais de passar pano que brincar.”

Na análise que a pesquisadora constrói sobre essas narrativas de Natália, ela considera que o trabalho (além de ser visto por esta e por outras crianças investigadas na pesquisa) como uma dimensão fundamental para elas, ele também é por elas valorizado e internalizado na dimensão do “querer”, do “gostar”. Para a pesquisadora, este sentido de as crianças gostarem de realizar os trabalhos domésticos estaria relacionado com o fato de elas serem bem sucedidas, de elas conseguirem desempenhar com sucesso e capacidade, tais tarefas ás quais elas eram chamadas a realizar.

Para nós é difícil aceitar que as meninas gostem exatamente das tarefas que têm que executar... mas, ao longo da pesquisa, percebi isso cada vez mais forte na forma de educar das famílias. O trabalho desde cedo, como aprendizado de vida – fortemente ligado à cultura, à tradição –, está presente na fala das crianças e dos adultos. Do mesmo modo que Gomercino desenvolve nos filhos o aprendizado dos serviços rurais, dona Abigail desempenha igual papel com as filhas no que diz respeito aos serviços domésticos. (LEITE, 2002, p. 71)

Neste sentido, minha análise das narrativas de Jorge corrobora com a análise de Leite (ibid.) naquilo que se refere ao papel importante que a educação informal, no âmbito familiar, pode exercer no brincar de crianças e nas maneiras de se viver a fase de vida da infância.

Jorge, ao narrar suas experiências de práticas corporais no tempo da infância, conta sobre outra prática corporal: o correr. “Eu e meu irmão, nós dois levantávamos de manhã, quatro e meia, cinco horas da manhã, e íamos correr! [...] É! Com sete, oito, nove, dez anos, menina!” “Por que nós corríamos? Não sei por quê. Ignorância, né?” Jorge não nos apresenta explicitamente os motivos que incentivavam ele e seu irmão a realizar a prática corporal da corrida, chegando a classificar como ignorância o fato de não perceber – não sabemos, ao certo, se essa percepção é produzida no tempo presente ou no passado – qualquer

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