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Práticas corporais e usos do corpo investigados através da história oral em narrativas de velhos

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Academic year: 2021

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LETÍCIA CASTILHO ÁLVARES

PRÁTICAS CORPORAIS E USOS DO CORPO INVESTIGADOS ATRAVÉS DA HISTÓRIA ORAL EM NARRATIVAS DE VELHOS

CAMPINAS 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Ciências Médicas

LETÍCIA CASTILHO ÁLVARES

PRÁTICAS CORPORAIS E USOS DO CORPO INVESTIGADOS ATRAVÉS DA HISTÓRIA ORAL EM NARRATIVAS DE VELHOS

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Gerontologia.

ORIENTADORA: OLGA RODRIGUES DE MORAES VON SIMSON

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNA LETÍCIA CASTILHO ÁLVARES, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. OLGA RODRIGUES DE MORAES VON SIMSON

____________________________________ Assinatura da orientadora

CAMPINAS 2014

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Juliana Ravaschio Franco de Camargo - CRB 8/6631

Álvares, Letícia Castilho,

Al86p _lPráticas corporais e usos do corpo investigados através da história oral em narrativas de velhos / Letícia Castilho Álvares. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.

_lOrientador: Olga Rodrigues de Moraes Von Simson.

_lDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas.

_l1. Corpo humano. 2. Idoso. 3. Narrativas pessoais. 4. Educação física. I. Simson, Olga Rodrigues de Moraes Von,1943-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Ciências Médicas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Bodily practices and body uses investigated through the oral history in narratives of elderly people

Palavras-chave em inglês: Human body

Aged

Personal narratives Physical education

Área de concentração: Gerontologia Titulação: Mestra em Gerontologia Banca examinadora:

Olga Rodrigues de Moraes Von Simson [Orientador] José Alfredo Oliveira Debortoli

Neusa Maria Mendes de Gusmão Data de defesa: 16-12-2014

Programa de Pós-Graduação: Gerontologia

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construídas por velhos. Estas experiências, narradas pelos sujeitos idosos, compreenderam não somente aquelas vividas na fase de vida atual de velhice, mas também aquelas vivenciadas na infância, juventude e idade adulta. As narrativas foram coletadas por meio de entrevistas realizadas com quatro sujeitos idosos, participantes de um projeto de extensão universitária, denominado “Projeto Educação Física para Terceira Idade”, o qual está vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais, na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, em seu Departamento de Educação Física. A metodologia utilizada nesta pesquisa foi a História Oral, também denominada por Método Biográfico, a qual guiou todas as etapas do processo investigativo. Dentro da metodologia da História Oral, fez-se uso da técnica de coleta de depoimentos orais, uma vez que o idoso entrevistado foi convidado a narrar sobre sua história de vida relacionada, especialmente, aos temas de interesse desta pesquisa. Por meio de um roteiro de temas a serem abordados nas entrevistas com os idosos, foram investigadas não somente as práticas corporais que foram experienciadas por esses sujeitos ao longo de suas vidas – como, por exemplo, jogos, brincadeiras, esportes, danças, lutas, capoeira, ginásticas, etc. – mas investigaram-se também experiências relacionadas a dimensões das vidas desses sujeitos entrevistados, como trabalho e aposentadoria, educação formal, educação informal, educação não formal, lazer, cidades em que residiu, práticas de cuidado e saúde, descendência familiar e espiritualidade. Pôde-se perceber que os dados empíricos, obtidos nesta pesquisa, foram concordes com os preceitos teóricos de autores que tematizam o corpo e as práticas corporais, compreendendo-os como produtos de construção de caráter sociocultural. Ter abordado nas entrevistas com os idosos estas dimensões citadas acima, para além de ter simplesmente perguntado sobre as práticas corporais que foram vivenciadas por eles ao longo de suas vidas até o presente momento de velhice, possibilitou o reconhecimento da importância do contexto sociocultural no processo de construção do corpo e das experiências de práticas corporais realizadas pelos sujeitos.

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narratives constructed by old people. These experiences, narrated by elderly individuals, involved not only those experienced in the current phase of life of old age, but also those experienced in childhood, youth and adulthood. The narratives were collected through interviews with four elderly individuals that participate in a university extension project, called Projeto Educação Física para Terceira Idade ["Project Physical Education for Third Age"], which is linked to the Universidade Federal de Minas Gerais [Federal University of Minas Gerais], at Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional [School of Physical Education, Physiotherapy and Occupational Therapy], in its Departamento de

Educação Física [Department of Physical Education]. The methodology used in this

research was the Oral History, also called as Biographical Method, which guided all stages of the investigative process. Within the methodology of Oral History, was made use of the technique of collecting oral testimonies, since the old individuals were invited to narrate about their history of life related to the topics of interest of this research. Through a script of topics to be addressed in interviews with the elderly individuals, were investigated not only the bodily practices that were experienced by them throughout their lives – eg, games, sports, dances, struggles, capoeira, gymnastics, etc. – but also investigated experiences related to dimensions of the lives of these interviewees, such as work and retirement, formal education, informal education, non-formal education, leisure, cities in which they resided, health and care practices, family descendants and spirituality. It could be perceived that the empirical data obtained in this research were in agreement with the theoretical precepts of authors that investigate the body and bodily practices, understanding them as products of sociocultural construction. Have approached in the interviews with the elderly ones these dimensions mentioned above, in addition to having just asked about bodily practices that were experienced by them throughout their lives until now old, allowed the recognition of the importance of the sociocultural context in the construction process of the body and experiences of bodily practices performed by the individuals.

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1 INTRODUÇÃO 1

1.1 A escolha do tema de pesquisa 1

1.2 Sobre o corpo, práticas corporais e usos do corpo 7

1.3 Sobre memória, lembranças e narrativa 20

2 JUSTIFICATIVA 29 3 OBJETIVOS 33 4 SUJEITOS E MÉTODOS 35 5 “PORTRAITS” 45 5.1 “Portrait” do Jorge 45 5.2 “Portrait” da Helena 47 5.3 “Portrait” do Silvio 49 5.4 “Portrait” da Ana 51

6 EXPERIÊNCIAS DE USOS DO CORPO E PRÁTICAS CORPORAIS DE JORGE 53

7 EXPERIÊNCIAS DE USOS DO CORPO E PRÁTICAS CORPORAIS DE HELENA 127

8 EXPERIÊNCIAS DE USOS DO CORPO E PRÁTICAS CORPORAIS DE SILVIO 185

9 EXPERIÊNCIAS DE USOS DO CORPO E PRÁTICAS CORPORAIS DE ANA 281

10 COMPARAÇÃO INTRA GÊNERO DAS EXPERIÊNCIAS DE USOS DO CORPO E PRÁTICAS CORPORAIS DE JORGE E SILVIO 389

11 COMPARAÇÃO INTRA GÊNERO DAS EXPERIÊNCIAS DE USOS DO CORPO E PRÁTICAS CORPORAIS DE HELENA E ANA 405

12 COMPARAÇÃO DAS EXPERIÊNCIAS DE USOS DO CORPO E PRÁTICAS CORPORAIS ENTRE OS GÊNEROS E IDADE 423

13 CONSIDERAÇÕES FINAIS 427

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Agradeço à minha família, aos meus pais Marcos e Eva e irmã Luciana, pelo amor, carinho e dedicação tão intensos que recebo de vocês, diariamente. Sair de Belo Horizonte para morar em Campinas, mudar minha vida radicalmente, em prol de cursar o Mestrado, um desejo tão grande que eu cultivava, só foi possível porque vocês sempre me apoiaram, de todas as formas imagináveis. Nunca haverá agradecimento que faça jus ao que vocês me oportunizam nesta vida.

Agradeço ao Fung, meu companheiro e amor, pela parceria e incentivos constantes na busca pela realização de meus desejos de estudo. Sua presença torna meus medos e dificuldades mais leves de serem enfrentados. Meus sonhos são sempre nossos.

Aos amigos, Inácio, Aline, Camila e Ana Paula, que ficaram em Belo Horizonte, mas que nunca estiveram distantes durante este período em Campinas. Foram muitas mensagens, ligações e músicas que fortaleceram o que sinto por vocês: “Você é 10!” À Profa. Olga Von Simson, minha orientadora e sempre apoiadora nesta caminhada do Mestrado. Não é possível escrever muito do que aprendi com você, a cada simples gesto, palavra e conhecimento transmitido. Agradecerei sempre pela sua sempre disponibilidade em me receber como orientanda neste Programa.

Agradeço a todos os professores e funcionários do Programa de Pós-graduação em Gerontologia da UNICAMP, por todo o conhecimento e orientação que recebi de cada um de vocês. Agradeço especialmente à Profa. Anita Neri, pelo acolhimento desde o primeiro momento em que nos conhecemos. Desejo sucesso ao Programa!

Aos docentes integrantes da banca de defesa, professores José Alfredo e Neusa. Suas falas contribuem para o meu olhar e reflexão sobre um trabalho ora concluído no mestrado e, mais ainda, para iluminar meus próximos passos enquanto pesquisadora. Guardarei com carinho, em minhas memórias, este encontro com vocês. Serei sempre grata. Agradeço ao “Projeto Educação Física para a Terceira Idade” da UFMG, por toda a experiência que pude construir neste espaço de formação, o qual me impulsionou a começar a construir um caminho de estudos sobre a velhice. Muito especialmente, agradeço aos quatro idosos que entrevistei nesta pesquisa, integrantes deste Projeto. Duas mulheres e dois homens, retratos de diferentes sabedorias de vida, sujeitos estes que mudaram

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ao Prof. Túlio Max, ex coordenadores do mesmo, primeiros incentivadores no desenvolvimento de meu interesse acerca do estudo da velhice.

Finalizando meus agradecimentos, desejo deixar registrada a importância que a experiência de velhice de minha avó Benedicta, nos seus atuais 105 anos de idade, marca em meus pensamentos e em meu interesse acerca do estudo do sujeito velho. Me marcam, de outras maneiras também significativas, lembranças que tenho de minha outra avó, Maria Julia, e dos dois avôs, Francisco e José, que também se fazem presentes neste meu pensar sobre a velhice.

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1 INTRODUÇÃO

1.1 A escolha do tema de pesquisa

Minha escolha por dar continuidade aos estudos em um curso de pós-graduação, bem como por desenvolver esta pesquisa, vêm ao encontro do processo de formação que experienciei ao longo do curso de graduação em Educação Física na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.

Simultaneamente às obrigações curriculares, participei durante quatro anos de um projeto de extensão universitária denominado Projeto Educação Física para a Terceira Idade, que está vinculado à – EEFFTO – Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, e também ao Departamento de Educação Física. Este projeto vem oferecendo, desde 1992, intervenções pedagógicas da área da Educação Física, direcionadas especificamente para o grupo etário idoso. (ÁLVARES, 2009, pg.17)

A fim de tentar compreender de que maneira o projeto Educação Física para a Terceira Idade atua, destaco duas definições de seus propósitos que se encontram presentes em diferentes tipos de documento. O primeiro documento é um trabalho submetido em evento científico, o qual fora elaborado pela coordenação do Projeto, e o segundo documento tem caráter oficial, tendo sido submetido pela coordenação do Projeto à Pro-reitoria de Extensão da UFMG, com a intenção de renovação da oferta de suas atividades.

Segundo Camargo (1997, p. 408), o principal objetivo do Projeto é a “realização de atividades físicas programadas, que diminuam ou retardem as consequências do envelhecimento sobre as capacidades psicossociais e físicas do idoso, bem como o fornecimento de informações que os conscientizem da necessidade na manutenção do programa”.

Já segundo Ribas e Gomes (2002, p. 2), o objetivo do Projeto é “possibilitar aos idosos a prática de atividades físicas e recreativas programadas, que contribuam para melhorar as capacidades físicas, que, consequentemente, irão corroborar os âmbitos sociais e afetivos, visando também a educação para construção da autonomia e independência.”

Após passar os primeiros três semestres do curso de graduação conhecendo projetos de pesquisa, ensino e extensão desenvolvidos na Escola, foi neste projeto de extensão universitária

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especificamente que me deparei tomada por interesse nas questões por ele levantadas, além de curiosidade sobre o que se realizava naquele espaço.

Este Projeto e os idosos que dele participavam já me chamavam atenção antes mesmo de conhecê-los, pois quase sempre coincidia o meu horário de chegada para a aula na graduação com o horário de chegada de uma turma de mais de cem idosos para as atividades deste Projeto. A presença desta turma de idosos na Escola não passava despercebida. Quando lá chegavam, eles tomavam a maior parte do caminho até a portaria da Escola, eles estavam rindo ou conversando em pequenos ou grandes grupos, as turmas de aula do Projeto estavam sempre cheias e eles aparentavam sempre estarem muito mais bem dispostos e entrosados com seus pares às sete horas da manhã, do que quaisquer outros alunos ou funcionários daquela Escola.

Determinado dia, no meu terceiro semestre de curso, tomei conhecimento de que este Projeto estava selecionando alunos do curso de Educação Física para serem estagiários voluntários em suas intervenções. Como ainda estava naquela fase de conhecer os projetos desenvolvidos na Escola, fui até ele também para conhecê-lo e assim deu-se início ao nosso vínculo.

Minha experiência no Projeto, ao longo de quatro anos, me permitiu começar a desenvolver uma reflexão sobre qual é, ou qual pode vir a ser, a relação que a Educação Física, enquanto área de intervenção pedagógica, pode construir com sujeitos ou educandos velhos, ou como são mais comumente chamados, idosos.

De uma forma geral, as intervenções que o Projeto oferecia para seu público configuravam-se como momentos de carinho, de respeito ao próximo, de cuidado para com este velho. Entretanto, posso afirmar que este respeito ao velho não realizava-se plenamente dentro de uma dimensão pedagógica, pois, enquanto educando, seus saberes acumulados ao longo de toda sua existência, principalmente aqueles saberes que concernem ao seu próprio corpo, não eram considerados como importantes fontes de sabedoria que poderiam estar presentes nas intervenções pedagógicas, a este idoso, direcionadas. Apenas a figura do professor – no caso a minha sendo uma participante entre os vários bolsistas/professores – era considerada como fonte de conhecimentos sobre educação física a serem transmitidos, em sentido unidirecional, para o idoso participante do Projeto através das aulas ou quaisquer tipos de intervenção que fossem oferecidas. Ou seja, a prática pedagógica da educação física neste Projeto não era entendida como

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possível de ser fundamentada partindo dos saberes de seus educandos, mas sim apenas partindo dos conhecimentos adquiridos através da experiência acadêmica da bolsista/professora.

Sendo assim, acredito que a própria escolha da metodologia que foi usada nesta pesquisa – a metodologia da História Oral, também denominada de Método Biográfico – configurou-se como uma tentativa de olhar a contrapelo para a maneira como as intervenções pedagógicas da área da Educação Física, direcionadas especificamente para o público idoso, vinham sendo elaboradas e executadas neste Projeto. Ao ter como fonte de dados de pesquisa as narrativas de memória de velhos com relação às práticas corporais e usos do corpo experienciados ao longo de suas vidas, apostou-se que este movimento tivesse o potencial de tentar enxergar o corpo do velho como um corpo que já aprendera muitas coisas, antes de aprender o que o Projeto já lhes poderia ter ensinado.

A escolha feita, nesta pesquisa, por fazer uso da categoria analítica “práticas corporais” para designar um dos aspectos principais que serão investigados através das narrativas de memória de velhos interlocutores, não encontra na literatura uma unicidade de sentidos e significados que possam caracterizar este termo.

Pesquisa desenvolvida por Lazzarotti Filho et al (2010) teve como objetivo identificar os significados/sentidos com os quais o termo práticas corporais é utilizado na literatura acadêmica brasileira em artigos, teses e dissertações:

Uma parcela deste desafio que buscamos enfrentar parte da compreensão de que o termo práticas corporais vem sendo crescentemente utilizado, tanto no âmbito das pesquisas acadêmicas quanto no de documentos oficiais, fazendo-se presente inclusive em revistas comerciais de grande circulação nacional. Ao analisarmos o termo com maior cautela, identificamos seu uso com diferentes significados/sentidos, os quais se remetem a distintos referentes ou signos. (LAZZAROTTI FILHO et al, 2010, pg. 13)

O caminho metodológico desta referida pesquisa consistiu na busca do termo “práticas corporais” com o filtro da língua portuguesa – Brasil na rede mundial de computadores. A pesquisa por periódicos foi feita através de ferramentas de busca como Google Acadêmico, Scielo, Lilacs e Medline; já a pesquisa por teses e dissertações foi feita através do Banco de Teses e Dissertações (BTDT). Chegou-se, então, ao universo de 17 teses e dissertações e 260 artigos

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publicados, realizando sobre este material a análise de conteúdo. Apresento, a seguir, alguns resultados desta pesquisa.

Dentre os artigos analisados, o termo “práticas corporais” aparece pela primeira vez em artigo de autoria de Fraga (1995), passa a ser mais utilizado já a partir de 1996 e identificou-se que 86% das aparições do termo situam-se entre os anos de 2000 a 2008, aparecendo com maior frequência e ganhando maior relevância acadêmica com o passar dos anos.

Verificou-se que 67% dos artigos analisados são provenientes de periódicos do campo da Educação Física. Observa-se, então, que é este o campo que mais opera com o termo, ao menos dentro dessa modalidade de divulgação científica. Observou-se também que:

[...] os artigos analisados e os respectivos periódicos de onde provêm, quando utilizam o termo, fazem-no estabelecendo uma relação mais próxima com as ciências humanas e sociais. Inclusive os artigos provenientes de revistas do campo da saúde, quando o utilizam, vinculam- se às ciências humanas e sociais em seus argumentos teóricos, em especial no interior de subáreas como a saúde coletiva. (LAZZAROTTI FILHO et al, 2010, pg. 18)

Um dado preocupante obtido por esta pesquisa aponta que, dos 260 artigos analisados, verificou-se que a grande maioria não explicita o entendimento de práticas corporais, somente 8% o fazem.

Dentre aqueles que apresentam explicitamente a conceituação, são diversos os entendimentos que o termo “prática corporais” manifesta, como: refere-se a manifestações culturais que enfocam a dimensão corporal; denotam uma crítica à forma de organização da vida contemporânea e seus desdobramentos no corpo; há uma ampliação conceitual deste termo com elementos das ciências humanas e sociais; o termo é exemplificado como esporte, ginástica, dança, luta, tai-chi; apresenta-se uma preocupação com os significados/sentidos atribuídos às práticas corporais por parte dos sujeitos que as praticam, para além de sua utilidade mais pragmática; apresentam-se finalidades como promoção da saúde, educação para a sensibilidade, para estética, para lazer e para o cuidado com o corpo.

Já dentre as teses e dissertações analisadas na pesquisa, o termo “práticas corporais” aparece pela primeira vez em Costa (1999). Estas produções que operam com o conceito deste termo são todas vinculadas às ciências humanas e sociais e é no campo da Educação que aparece

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a maioria daquelas que utilizam o termo, num total de oito trabalhos. Em seguida, vem a Educação Física (três trabalhos), Ciências Sociais Aplicadas (dois), Antropologia (dois), Artes (um) e Psicologia (um).

Das 17 teses e dissertações, apenas três apresentaram o conceito do termo “práticas corporais” explicitamente, quando 14 usam o termo como dado. Quando os autores conceituam o termo, fazem-no em duas perspectivas: “como termo mais específico, encaminhando-se na direção da cultura corporal, como manifestações do tipo esporte, atividade física, exercício físico, jogo e dança e como termo genérico que designaria gestos e atividades cotidianas, como é o caso dos afazeres domésticos.” (LAZZAROTTI FILHO et al, 2010, pg. 22)

A pesquisa pôde observar também que o termo “práticas corporais”, encontrado tanto nos artigos quanto nas dissertações e teses:

[...] foi utilizado com a intenção de problematizar os conceitos atividade física e exercício físico. Argumentam que estes conceitos encontram-se reduzidos à compreensão do movimento pela física clássica, enfatizando aspectos como a locomoção no tempo e no espaço e o gasto de energia. Enfatizam também a preocupação em incorporar aspectos subjetivos, como os sentidos e significados atribuídos pelos sujeitos e pela cultura ao movimento corporal humano. (LAZZAROTTI FILHO et al, 2010, pg. 22)

Embora tenha sido possível à pesquisa identificar tais sentidos e significados que o termo “práticas corporais” ganha em diversas produções científicas, permanece ainda por fazer um esforço teórico que preocupe-se em conceituar o termo mais claramente:

Quanto às contribuições dos pesquisadores que ajudam a conceituar práticas corporais, percebemos algumas indicações de uma outra perspectiva ontológica e seu desdobramento em uma compreensão de corpo que se opõe ao biologicismo. Ressaltamos, inclusive, que a expressão “não só biológica” é recorrente nos textos pesquisados, representando uma primeira etapa caracterizada pela negação, característica no processo de conceituação. No entanto, aquilo que caracterizaria a afirmação do conteúdo do conceito, as tentativas de conceitualização, não são recorrentes no material analisado. (LAZZAROTTI FILHO et al, 2010, pg. 24)

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Portanto, após a apresentação de alguns resultados obtidos por esta investigação de Lazzarotti Filho et al, é preocupação da pesquisa que realizei, apresentar a fundamentação teórica que norteou todo o processo investigativo. Tendo percebido a pluralidade de sentidos e significados que caracterizam o termo “práticas corporais”, realizei um esforço de caracterizar aquilo que tomei como definição deste e dos demais aspectos que foram investigados.

Esta pesquisa teve sua realização aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, através do parecer de número CAAE: 24787413.9.0000.5404, datado de 14 de março de 2014.

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1.2 Sobre o corpo, práticas corporais e usos do corpo

Recentes esforços de pesquisa no campo acadêmico da Educação Física, têm se dedicado a tentar delimitar o objeto de estudo específico desse campo. Esta delimitação tem contado com contribuições teóricas das ciências humanas ou sociais, afastando-se dos paradigmas influenciados pelos campos da biologia, biomedicina, fisiologia, psicologia evolutiva, neurofisiologia, enfim, das ciências biológicas e naturais, que fundamentaram a Educação Física tradicional.

Nesta pesquisa, ganham destaque investigações desenvolvidas na Argentina que, tendo como objetivo analisar produções do pesquisador Ricardo Crisorio (1998), encontraram nelas uma atitude de rompimento epistemológico com perspectivas que, até então, eram adotadas pela Educação Física tradicional, bem como encontraram novas perspectivas para a definição do objeto de estudo da Educação Física.

Caracterizando mais profundamente o que trata esta Educação Física tradicional, os seguintes autores nos dizem sobre como o corpo é por ela concebido:

La concepción de cuerpo ligada a esa Educación Física (tradicional) parecería estar emparentada con la idea coloquial de lo que significa cuerpo: “un conjunto de los sistemas orgánicos que constituyen un ser vivo”. [...] Por ende, la Educación Física siempre ha entendido al cuerpo como un conjunto de huesos, sistemas, músculos y articulaciones, que hay que entrenar y estudiar a través de las cuestiones fisiológicas, anatómicas, psíquicas y pedagógicas; un cuerpo al que hay que mejorar sus “conductas motrices” con la ayuda de prácticas como la gimnasia, el deporte, los juegos y la natación. (GALAK & NAPOLITANO, 2009, pg. 7)

Estes autores apontam ainda que entender o corpo desta maneira significa também compreendê-lo como mensurável, quantificável, forte, dócil, hábil, ou seja, como um corpo que deve ser treinado, que deve ser adaptável e cuidado constantemente para que nunca adoeça e, sobretudo, para que seja “normal”. A Educação Física, imersa nesta perspectiva, trata do controle motor, de exercitar o corpo, de equilíbrio, de trabalhar a postura, a respiração, trata de respostas fisiológicas, de um controle do peso, da flexibilidade. (GALAK & NAPOLITANO, 2009)

Seguindo o esforço de análise das produções de Ricardo Crisorio (1998), pesquisadores identificam que nelas está presente “a possibilidade de pensar o corpo não só como orgânico, mas

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também a partir da linguagem e da cultura”. (GALAK & NAPOLITANO, 2009, pg. 5) Vejamos o que Crisorio nos diz:

[...] el cuerpo se construye. Según esto, el cuerpo es secundário: el cuerpo pertenece a la realidad en tanto, desde Freud, la realidad se construye; es decir, no se nace con un cuerpo. Existe un organismo, qué duda cabe, como existe un sistema nervioso, quién lo dudaría, y huesos, músculos y articulaciones. Pero nada de eso es el cuerpo [...] (CRISORIO, 1998, pg. 5)

El cuerpo, entonces, como realidad construída, desdibuja sus contornos individuales para aparecer como un cuerpo literalmente social del cual cada cuerpo singular es un ejemplo particular particularmente construido en la confluencia de significados privados y sociales, familiares y culturales, sensillos y complejos, presentes y pasados; cuya historia comienza antes del nacimiento y se prolonga incluso más allá de la muerte no sólo en los términos que há señalado el psicoalálisis sino en el sentido de un cuerpo cuya incorporación a la cultura le exige in-corporar en sí mismo a la cultura. (CRISORIO, 1998, pg. 6)

Tais contribuições feitas por Crisorio sobre a concepção de corpo foram entendidas por Galak e Napolitano (2009) como novas perspectivas para se pensar o corpo no campo da Educação Física. Para esses autores, estas novas perspectivas representaram um momento de rompimento epistemológico, lhes incentivando a construir aquilo que denominaram por “Educação Corporal”:

[...] el artículo “Constructivismo, cuerpo y lenguaje” de Ricardo Crisorio (1998) plantea pasar de pensar un cuerpo orgánico de la Educación Física para empezar, más no sea incipientemente, a concebirlo como un cuerpo –también – simbólico desde la Educación Corporal. (GALAK & NAPOLITANO, 2009, pg. 7)

Este quiebre que representa esta publicación de 1998 nos permite entonces empezar a trabajar en la línea de una educación más en sentido corporal que físico, esto es, Educación Corporal en lugar de Educación Física. [...] la mirada crítica de una educación corporal permita indagar al cuerpo, no sólo desde lo orgánico sino también desde lo simbólico, desde la cultura, desde el lenguaje: es decir, desde las prácticas. (GALAK & NAPOLITANO, 2009, pg.9)

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É com esta concepção de corpo que esta pesquisa desenvolveu sua investigação. Um corpo que não é apenas orgânico, mas que é sempre fruto de um processo de construção social; um corpo que é simbólico e contextualizado na e pela cultura. Ainda segundo Galak e Napolitano (2009), o corpo está atravessado pelo simbólico, pela linguagem, e é precisamente a linguagem que permite ao corpo submergir-se na cultura; a linguagem é o que permite ao outro a comunicação. Enriquecendo ainda mais esta perspectiva do corpo na linguagem, segue a passagem abaixo:

El cuerpo se construye en relación a otros y con otros portadores de lenguaje que inscriben con palabras las significaciones necesarias que habilitan la construcción del cuerpo. Es decir, que no reconocemos nuestro cuerpo como propio y unificado por efecto de la maduración de nuestro sistema nervioso, lo cual permitiría una percepción cada vez más ajustada del mismo, sino a partir de la imagen que nos devuelven otros y a partir de la cual reconocemos nuestro cuerpo como propio, diferente del de los demás y, al mismo tiempo, semejante. (GILES, 2008, pg. 3)

Outro importante referencial para a construção desta pesquisa, naquilo que se refere ao corpo e suas práticas, é Marcel Mauss. Segundo Daolio (1995), Marcel Mauss, sociólogo e antropólogo francês, foi o primeiro autor a sistematizar a pesquisa sobre o corpo tomando-o como um dado de cultura.

Em seu texto “As técnicas do corpo”, Mauss aborda aquilo que denomina como técnicas do corpo: “Entendo por essa expressão as maneiras pelas quais os homens, de sociedade a sociedade, de uma forma tradicional, sabem servir-se de seu corpo.” (MAUSS, 2003, pg. 401) E continua: “Era muito simples, eu só precisava referir-me à divisão dos atos tradicionais em técnicas e em ritos, que considero fundada. Todos esses modos de agir eram técnicas, são técnicas do corpo.” (MAUSS, 2003, pg. 407)

Mauss também contribui para esta pesquisa a partir de seu entendimento sobre o corpo, meio através do qual manifestam-se as práticas corporais:

Nessas condições, cabe dizer simplesmente: estamos lidando com técnicas do corpo. O corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem. Ou, mais exatamente, sem

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falar de instrumento: o primeiro e o mais natural objeto técnico, e ao mesmo tempo meio técnico, do homem, é o seu corpo. (MAUSS, 2003, pg. 407)

Para Mauss, o corpo é objeto “do homem”, mas que não responde a ele individual e isoladamente: “A posição dos braços e das mãos enquanto se anda é uma idiossincrasia social, e não simplesmente um produto de não sei que arranjos e mecanismos puramente individuais, quase inteiramente psíquicos.” (MAUSS, 2003, pg. 404)

Neste sentido, Mauss corrobora as contribuições já destacadas nesta pesquisa anteriormente a respeito do corpo compreendido como fruto de uma construção sociocultural. Além de corroborar, avança no sentido de identificar este meio sociocultural que possibilita essa construção do corpo, que é variável:

Assim, durante muitos anos tive a noção da natureza social do “habitus”. Observem que digo em bom latim, compreendido na França, “habitus”. A palavra exprime, infinitamente melhor que “hábito”, a “exis” [hexis], o “adquirido” e a “faculdade” de Aristóteles (que era um psicólogo). Ela não designa os hábitos metafísicos, a “memória” misteriosa, tema de volumosas ou curtas e famosas teses. Esses “hábitos” variam não simplesmente com os indivíduos e suas imitações, variam sobretudo com as sociedades, as educações, as conveniências e as modas, os prestígios. É preciso ver técnicas e a obra da razão prática coletiva e individual, lá onde geralmente se vê apenas a alma e as suas faculdades de repetição. (MAUSS, 2003, pg. 404)

Este social seria então, segundo este autor, constituído por simbolismos que participam ativamente na construção das técnicas corporais:

Antes das técnicas de instrumentos, há o conjunto das técnicas do corpo. [...] Essa adaptação constante a um objetivo físico, mecânico, químico (por exemplo, quando bebemos) é efetuada numa série de atos montados, e montados no indivíduo não simplesmente por ele próprio mais por toda a sua educação, por toda a sociedade da qual faz parte, conforme o lugar que nela ocupa. Além disso, todas essas técnicas se ordenam muito facilmente num sistema que nos é comum: [...] da vida simbólica do espírito, noção que temos da atividade da consciência como sendo, antes de tudo, um sistema de montagens simbólicas. (MAUSS, 2003, pg. 407)

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Concluindo, Mauss afirma que as técnicas corporais variam, sobretudo, entre diferentes sociedades, são produtos de diferentes maneiras de educação, de conveniências, modas e prestígios, sendo estes fatores de caráter sociocultural que ele destaca em sua análise da constituição das técnicas corporais.

Outro autor que auxilia esta pesquisa em seu entendimento do corpo é David Le Breton. Em seu livro “A Sociologia do corpo”, o antropólogo e sociólogo francês contribui de maneira significativa para os estudos sobre o corpo na vertente sociológica. (ANDRADE, 2007) Nele, o autor enaltece os aspectos sociais e culturais que são fundamentais para a compreensão do corpo e considera sua dimensão simbólica e as representações, dele construídas pelos sujeitos, enquanto elementos fundamentais para a compreensão deste corpo e, consequentemente, da corporeidade. Os contextos sociais e culturais são tomados pelo autor como ambiente onde as relações sociais são vividas e, assim, no qual a existência corporal é efetivamente construída.

Nesta obra, ganha destaque a abordagem ao corpo e à corporeidade. Para Le Breton (2012, p. 18), o corpo não pode ser compreendido como “a emanação existencial de propriedades orgânicas”. “O corpo não é somente uma coleção de órgãos arranjados segundo leis da anatomia e da fisiologia” (ibid., p. 29). O corpo é, sim, “moldado pelo contexto social e cultural” (ibid., p. 7) em que ele se encontra.

Esta construção sociocultural do corpo se revela na dimensão daquilo que Le Breton (ibid.) denomina como corporeidade. A corporeidade, para este autor, é tudo que está implicado na relação do corpo com o que está à sua volta. A corporeidade é produto dos pertencimentos culturais e sociais que atuam na elaboração de qualquer relação que se possa ter com o corpo. Qualquer relação que se estabelece com o corpo é fruto de construção simbólica, de produção e apreensão de sentidos e significados produzidos através do meio social e cultural em que o corpo está inserido. Pode-se dizer que a corporeidade é o produto do corpo no mundo. Manifestações da corporeidade podem ser os gestos, os movimentos, a aparência corporal, as sensações, as percepções dos sentidos.

Também corrobora com os autores apresentados até aqui neste texto, em sua compreensão de que o corpo é produto de uma construção sociocultural – não descartando sua dimensão biológica, mas indo além de considerar o corpo exclusivamente através dela – o autor brasileiro da área da Educação Física, Jocimar Daolio:

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O homem, por meio do seu corpo, vai assimilando e se apropriando dos valores, normas e costumes sociais, num processo de inCORPOração (a palavra é significativa). Diz-se correntemente que um indivíduo incorpora algum novo comportamento ao conjunto de seus atos [...] Mais do que um aprendizado intelectual, o indivíduo adquire um conteúdo cultural, que se instala em seu corpo, no conjunto de suas expressões. Em outros termos, o homem aprende a cultura por meio do seu corpo. (DAOLIO, 1995, p. 39)

Apresentei até aqui o que esta investigação compreende como sendo o constructo corpo. Foram estas as fundamentações teóricas que me permitiram indagar sobre os usos do corpo experienciados pelos velhos interlocutores ao longo de suas vidas, bem como permitiram compreender os sentidos e significados que esses usos ganham, no tempo presente, em suas narrativas na velhice. Tais fundamentos teóricos também contribuíram decisivamente para esta pesquisa ao apontarem a relação que o contexto sociocultural estabelece com o corpo e as experiências corporais vivenciadas pelo sujeito.

A seguir, apresento as fundamentações teóricas eleitas nessa pesquisa naquilo que se refere às categorias analíticas das “práticas corporais” e “usos do corpo”, aspectos que serão investigados através das narrativas dos velhos interlocutores.

Dando continuidade à reflexão sobre o corpo já exposta ao longo desta escrita, bem como à construção daquilo que denominou-se por Educação Corporal, Galak e Gambarotta (2011) apontam que esforços de investigação sobre o corpo devem referir-se aos corpos como historicamente determinados. Isto quer dizer que o corpo deve ser compreendido em seu próprio processo de construção, não de maneira isolada, mas sim em conexão com a lógica da sociedade:

Es decir: estudiar cómo se articulan las prácticas corporales en una determinada situación socio-histórica, para determinados agentes y desde uma determinada manera de abordar epistemo-metodológicamente tales prácticas. Es sobre esta base que se puede constituir a las prácticas corporales (y, por ende, a la educación corporal) como un campo de estudios en el interior de las ciências sociales. Lo cual conlleva investigarlas a partir de su inserción en un entramado de relaciones sociales, pero también concibiendo a la noción de cuerpo como un concepto que es, en sí mismo, relacional. En tanto, se constituye a través de relaciones, a la vez que está atravesado por relaciones y alude a un particular vínculo entre diversas dimensiones de lo social (lo objetivo y lo subjetivo, lo natural y lo social, etc.). (GALAK & GAMBAROTTA, 2011, pg. 935)

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Neste sentido, as praticas corporais, bem como os usos do corpo, são, então, entendidos como práticas sociais. São maneiras de fazer, de pensar e de dizer, com o corpo e sobre o corpo. Galak e Rodríguez também auxiliam nesta compreensão:

[...] hoy no podríamos afirmar, por ejemplo, que existe una cultura intelectual por un lado y una cultura corporal por el otro, tampoco podemos pensar las prácticas sino como modos de pensar, hacer y decir (en el sentido foucaultiano). Discusión que lejos de estar salvada, representa la escena de los debates actuales en el campo de las prácticas corporales en particular, y en las ciencias sociales en general. (GALAK, RODRÍGUEZ, 2007, pg. 5)

Segundo Galak e Gambarotta (2011, pg. 925) “as práticas corporais devem ser entendidas como aquelas que expressam todas as significações que o significante corpo assume”. Sendo assim, esta pesquisa pretendeu investigar as práticas corporais e usos do corpo dos velhos interlocutores como aquilo que realizaram com seus corpos dentro dos contextos socioculturais em que estiveram imersos e participantes ao longo de suas vidas.

Os usos do corpo foram investigados nesta pesquisa dentro de dimensões como descendência, status econômico, religiosidade/espiritualidade, educação formal, educação informal, educação não formal, tempo de trabalho/obrigações, lazer, saúde e práticas de cuidado. Através das narrativas de memória dos idosos interlocutores sobre estes temas, foi possível perceber como o corpo foi vivido, experienciado e sentido dentro de cada uma dessas dimensões da vida do sujeito.

Claude Lévi-Strauss (2003, p. 11), em seu texto “Introdução à obra de Marcel Mauss”, diz: “Em verdade, ninguém ainda abordou essa tarefa imensa cuja urgente necessidade Mauss sublinhava, a saber, o inventário e a descrição de todos os usos que os homens, ao longo da história e sobretudo através do mundo, fizeram e continuam a fazer de seus corpos.” É deste olhar sobre Mauss que esta pesquisa também se inspira e pretende contribuir, através da tentativa de investigar aquilo que denominamos como “usos do corpo”, experimentados pelos sujeitos entrevistados ao longo de suas vidas, compreendendo estes usos do corpo, assim como Mauss, como produtos do contexto sociocultural em que o corpo se insere.

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A perspectiva desta pesquisa, de olhar para as práticas corporais e para os usos do corpo como produções dos sujeitos em seus contextos socioculturais, ganha inspiração também nas contribuições dos pesquisadores Crisorio e Galak:

El modo de comprender la práctica se posiciona fundamentalmente, sobre uma epistemología interpretativa y politica; [...]. Ya no se piensa cómo enseñar mirando a los educadores, sino que se piensa cómo enseñar mirando a quiénes aprendieron. Esto implica una relocalización del sujeto que construye el objeto “prácticas”; [...], ya no se va a buscar las representaciones que los actores tienen de sus prácticas sino que se procura recuperar lo que se dice y lo que se hace con el fin de estabelecer principios que den lugar a la diversidad de las prácticas y a la particularidad de los sujetos, en lugar de estabelecer leyes generales, períodos de edades óptimos; para que los sujetos aprendan habilidades según el campo social al que pertenezcan. En este sentido, lo que se propone como cuestión metodológica es la de tomar las “prácticas cotidianas” no concientes en lugar de las representaciones sociales. (CRISORIO & GALAK, 2009, pg. 5)

Ou seja, o modo como o próprio interlocutor, em suas narrativas de memória, pensou, fez e contou sobre suas práticas corporais e usos do corpo, foi compreendido nesta pesquisa também como um possível modo das próprias práticas corporais e usos do corpo apresentarem-se em suas memórias, ou seja, como eles constituem-se para o sujeito, ao reconstruir sua trajetória de vida passada e/no presente.

David Le Breton e Marcel Mauss, como pode-se perceber em suas contribuições teóricas já destacadas neste texto, nos falam de movimentos, de ações do corpo, de modos de agir, os quais podem remeter, dentre a tantas outras coisas, à prática pedagógica do campo da Educação Física. Dentro deste campo de conhecimento e intervenção pedagógica, aproximo o meu olhar de investigação, nesta pesquisa, especificamente sobre um constructo teórico que pode ser entendido como produto do movimento de aproximação do campo da Educação Física com as Ciências Humanas e Sociais no Brasil. Este constructo recebe na literatura acadêmica o nome de Práticas Corporais. (SILVA et al, 2009)

Esta categoria vem se destacando dentro de um movimento contemporâneo da Educação Física que se preocupa com o cuidado com o corpo e que fundamenta uma nova perspectiva de se compreender os conteúdos corporais que são mobilizados neste campo. (CARVALHO, 2006)

Recentemente, o Glossário Temático de Promoção da Saúde indica uma conceituação para práticas corporais:

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Expressões individuais ou coletivas do movimento corporal, advindo do conhecimento e da experiência em torno do jogo, da dança, do esporte, da luta, da ginástica, construídas de modo sistemático (na escola) ou não sistemático (tempo livre/lazer). [...] Manifestações da cultura corporal de determinado grupo que carregam significados que as pessoas lhe [sic] atribuem [...]. (BRASIL, 2013, p. 28)

Em outra referência, de uma reflexão especialmente construída sobre as práticas corporais como conteúdos da intervenção pedagógica no contexto escolar, pode-se retirar mais alguns elementos que contribuem para a conceituação dessas práticas:

Como as práticas corporais são aí entendidas (diferentemente da “atividade física”)? Elas são aí consideradas, assim como o próprio corpo, como construções histórico-culturais. Dessa forma, acompanhando o ensino das diferentes “práticas corporais” a pedagogia progressista na EF propôs a reflexão sobre estas práticas, tematizando essas [sic] nas suas relações com a vida social dos alunos, nas suas relações com o contexto cultural, político, econômico e, também, nas suas relações com as práticas de saúde ou com a saúde de modo geral. (BRACHT, 2013, p. 188)

Retomando o diálogo com David Le Breton, ele aproxima sua compreensão do corpo com a maneira com que esta pesquisa entende as práticas corporais:

Moldado pelo contexto social e cultural em que o ator se insere, o corpo é o vetor semântico pelo qual a evidência da relação com o mundo é construída: atividades perceptivas, mas também expressão dos sentimentos, cerimoniais dos ritos de interação, conjunto de gestos e mímicas, produção da aparência, jogos sutis da sedução, técnicas do corpo, exercícios físicos, relação com a dor, com o sofrimento, etc. (LE BRETON, 2012, p. 7)

Pode-se entender, neste sentido, que as práticas corporais (dentre outras, ele destaca os exercícios físicos) podem ser entendidas como exemplos de evidência da relação que o corpo estabelece com o mundo. As práticas corporais podem ser, assim, compreendidas como exemplos

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de ações que são produzidas pelo corpo que, assim como ele, são produto do processo de construção sociocultural do qual se originam.

Le Breton (2012) ainda contribui para o entendimento deste processo de construção sociocultural do corpo e das práticas corporais com mais um elemento fundamental: a singularidade da história de vida de cada um de nós. Mesmo sendo esta história de vida um processo que se desenvolve em cada ser, individualmente, de acordo com as experiências vividas, ela não deixa jamais de ser produto do contexto sociocultural. Para este autor, o corpo é moldado pela história pessoal do ator em uma dada sociedade:

Lembrando-se sempre, para não cair no dualismo que desqualificaria a análise, que o corpo é aqui o lugar e o tempo no qual o mundo se torna homem, imerso na singularidade de sua história pessoal, numa espécie de húmus social e cultural de onde retira a simbólica da relação com os outros e com o mundo. (ibid., p. 34)

Ainda segundo este autor, cada comunidade humana constrói seu próprio repertório sensorial como universo de sentido, mas “cada ator apropria-se do uso desse repertório de acordo com a sensibilidade e os acontecimentos que marcaram sua história pessoal.” (ibid., p. 55)

Sobre o entendimento deste universo de sentido que o homem atribui ao mundo, Marshall Sahlins também contribui, nesta pesquisa, nos ajudando a entender a influência da cultura sobre a construção do corpo, das práticas corporais e também dos usos do corpo.

Sahlins (2003), em seu livro intitulado “Cultura e razão prática”, afirma que a cultura é definidora de todo modo de vida. Este autor também considera que “a arbitrariedade do símbolo é a condição indicativa da cultura humana” (ibid., p. 68), ou seja, é pela capacidade de criar esquemas de sentidos e significados que o homem se distingue dos outros animais; a atribuição de sentidos e significados é o que confere ao homem a sua humanidade. “Nenhum objeto, nenhuma coisa é ou tem movimento na sociedade humana, exceto pela significação que os homens lhe atribuem.” (ibid., p. 170) É dessa produção de significações que a cultura é constituída.

As culturas, segundo Sahlins, são ordens de significado de pessoas e coisas e, uma vez que essas ordens são sistemáticas, elas não podem ser livre invenção do espírito. Neste sentido, os sentidos e significados que idosos atribuem às experiências de práticas corporais e usos do

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corpo, que realizaram ao longo de suas vidas, foram investigados buscando sua compreensão nos valores culturais da sociedade em que estão inseridos. Para Sahlins, “o olho que vê” deve ser “considerado em sua particularidade cultural. É impossível derivar o cultural diretamente da experiência ou do acontecimento, na medida em que a prática se desdobra em um mundo já simbolizado [...].” (ibid., p. 125)

Neste sentido, Sahlins auxilia na compreensão de que, se aquilo que constitui a cultura são os sentidos e significados que os sujeitos atribuem a tudo que está ao seu redor, as experiências de práticas corporais e usos do corpo, sendo exemplos de produções da cultura, podem ser investigadas, num contexto de pesquisa, através de uma metodologia que busque apreender e analisar os sentidos e significados que idosos atribuem a estas experiências, que realizaram ao longo de suas existências.

Finalizando e corroborando as contribuições teóricas, apresentadas neste texto, a respeito de como foram entendidas as práticas corporais e os usos do corpo na investigação, destaco outras contribuições de autores brasileiros do campo de pesquisa da Educação Física que auxiliam de maneira importante na definição, especialmente, das práticas corporais:

[...] entendem-se práticas corporais como fenômenos que se mostram, prioritariamente, em âmbito corporal e que se constituem como manifestações culturais. Essas manifestações são compostas por técnicas corporais e é uma forma de linguagem, como expressão corporal. Constituem o acervo daquilo que vem sendo chamado de Cultura Corporal, Cultura de Movimento ou Cultura Corporal de Movimento. Essas manifestações que se expressam corporalmente são constituintes da corporalidade humana e algumas delas podem e vêm sendo tematizadas como conteúdos da disciplina curricular obrigatória Educação Física, assim como vêm se constituindo como objetos de pesquisa pelo campo acadêmico da Educação Física e das Ciências do Esporte. (SILVA et al, 2009, pg. 20)

[...] o conteúdo de trabalho da Educação Física, também na esfera do lazer, é constituído por fenômenos ou manifestações culturais como as danças, os jogos, as acrobacias, os esportes, as artes marciais, as diferentes formas ginásticas e de exercitação corporal. Constitui-se, assim, de toda uma gama de práticas corporais que têm sido abarcadas, ao menos provisoriamente, sob as denominações de cultura corporal ou cultura de movimento. (SILVA & DAMIANI, 2005, pg. 23)

As práticas corporais são componentes da cultura corporal dos povos, dizem respeito ao homem em movimento, à sua gestualidade, aos seus modos de se expressar

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corporalmente. Nesse sentido, agregam as mais diversas formas do ser humano se manifestar por meio do corpo e contemplam as duas racionalidades: a ocidental (ginásticas, modalidades esportivas e caminhadas podem ser exemplos) e a oriental (tai-chi, yoga e lutas, entre outras). (CARVALHO, 2006, pg. 34)

Portanto, o ato de investigar as práticas corporais dos velhos interlocutores através de suas narrativas de memória exigiu, não só e simplesmente, que se indagasse ao narrador se este realizou ou não determinada prática corporal – categoria que engloba práticas como atividade física, exercício físico, jogos, brincadeiras, danças, lutas, capoeira, esportes, hidroginástica, caminhada e outras – mas sim que se tentasse compreender o contexto sociocultural que atua no engendramento da experiência dessas práticas, bem como nos sentidos e significados produzidos pelo sujeito.

A investigação sobre as práticas corporais apresentou-se nesta pesquisa como uma ação que vai ao encontro de um movimento que já vem sendo realizado no âmbito da pesquisa e pretende, desta forma, contribuir para com ele:

El lugar que ocupa el cuerpo en las investigaciones en las ciencias sociales há crecido en la segunda mitad del siglo XX de manera exponencial. Más aún, disciplinas como la sociología, la antropología o el psicoanálisis le han otorgado una centralidad creciente, situándolo en el medio de múltiples debates de las ciencias sociales. A partir de esto, cabe sostener que los interrogantes que este particular objeto de estudio genera constituyen un campo de estudios pertinente de ser abordado desde las ciencias sociales en su conjunto. (GALAK & GAMBAROTTA, 2011, pg. 924)

Nesta compreensão de que o corpo e as práticas corporais são produtos do contexto sociocultural, concordam todos os autores em suas fundamentações teóricas apresentadas até aqui. É esta construção sociocultural que foi investigada nos dados empíricos obtidos pela pesquisa realizada e ora aqui apresentada, através de entrevistas com sujeitos idosos.

Concluindo esta parte de introdução à pesquisa, pode-se destacar, portanto, quais são as definições que as categorias “usos do corpo” e “práticas corporais” aqui assumem. Os usos do corpo foram compreendidos como maneiras de o corpo se apresentar e se manifestar em determinadas dimensões da vida com as quais os sujeitos, em algum momento, se relacionaram e foram, por elas, de alguma maneira, influenciados. As dimensões escolhidas por esta pesquisa

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foram aquelas, já apresentadas anteriormente: descendência, status econômico, religiosidade/espiritualidade, educação formal, educação informal, educação não formal, tempo de trabalho/obrigações, lazer/tempo livre, saúde e práticas de cuidado, práticas corporais e experiências vivenciadas através da participação no Projeto Educação Física para a Terceira Idade. Já as práticas corporais foram entendidas, nesta pesquisa, como expressões individuais ou coletivas do movimento corporal, expressões que dizem respeito ao homem em movimento, à sua gestualidade, aos seus modos de se expressar. Dentre diversas maneiras através das quais o homem se expressa corporalmente, existem algumas construções histórico-culturais exemplificadas por fenômenos ou manifestações culturais como as danças, os jogos, as acrobacias, os esportes, as artes marciais, as diferentes formas ginásticas e de exercitação corporal. A estas expressões do movimento corporal humano, determinado grupo de pessoas ou mesmo cada sujeito, individualmente, lhes atribuem determinados significados, os quais guardam relação com suas vidas tomadas como experiências sociais, nas quais o sujeito se relaciona com o contexto cultural, político e econômico. Foram, portanto, estes significados que os sujeitos podem atribuir às práticas corporais que foram investigados nesta pesquisa.

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1.3 Sobre memória, lembranças e narrativa

Neste item, realizei um esforço de reflexão para delimitar a compreensão dos constructos memória, lembranças e narrativa, assumidos neste trabalho.

Nesta pesquisa, os velhos interlocutores foram convidados a contar sobre suas experiências de práticas corporais e usos do corpo ao longo de suas vidas, estando elas imersas nos contextos socioculturais em que viveram na infância, juventude e idade adulta e que, hoje, vivem na velhice. O conhecimento sobre as experiências de práticas corporais e usos do corpo dos velhos interlocutores, bem como sobre os contextos socioculturais em que viveram, foram apreendidos neste trabalho através das narrativas de memória elaboradas pelos sujeitos, construídas a partir de suas lembranças.

Portugal (2012, pg. 191) é uma das referências que auxiliaram esta pesquisa a compreender como foram aqui entendidas as lembranças: “[...] lembranças, reduto de nossas memórias, [...] nem sempre agradáveis, mas cuidadosamente retidas como restos de experiências e vivências”.

Não foi preocupação ou intenção deste trabalho, por meio da investigação das narrativas de memória de velhos, sujeitar suas falas a exames de verdade ou avaliar a veracidade de fatos outrora acontecidos. Inspirada pela perspectiva de memória construída pelo filósofo Walter Benjamin, esta pesquisa entende que a narrativa toca mais sensivelmente a experiência vivida pelo interlocutor, do que propriamente a ocorrência de fatos:

Benjamin articula o conceito de memória ao conceito de narrativa, oferecendo ao leitor questionamentos e alternativas, relativos à questão da linguagem. Assim, em busca da ruptura de uma linguagem de tipo “tagarelice” (fundada em acepções formalistas e neopositivistas), ele propõe mergulhar o discurso nas experiências vividas [...] e, sobretudo, articulando as palavras às coisas vividas. Enfatiza que as práticas narrativas devem se assentar no desapontamento da concepção absoluta da verdade, deixando vir à tona pessoas mais inteiras, na relação com outras pessoas, situadas no presente, dialogando com o passado, mas abertas ao futuro. Pessoas deixando transparecer suas certezas, mas também suas incompletudes. Pessoas que renunciam a tudo preencher, para deixar que algo do outro possa dizer-se. (GALZERANI, 2008, pg. 22)

Neste mesmo sentido, quando Benjamin em um de seus textos dialoga com o literato Marcel Proust, ele analisa a construção da obra deste da seguinte maneira:

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Sabemos que Proust não descreveu em sua obra uma vida como ela de fato foi, e sim uma vida rememorada por quem a viveu. [...] Pois o principal, para o autor que rememora, não é absolutamente o que ele viveu, mas o tecido de sua rememoração, o trabalho de Penélope da reminiscência. (BENJAMIN, 2012a, pg. 38)

Portanto, inspirada por essas primeiras contribuições referenciais, tentei apresentar como concebi as narrativas de memória daqueles que foram meus velhos interlocutores: como a ação de contar aquilo que eles elegeram como importante e significativo de ser contado sobre sua própria experiência de viver. Como diz Ecléa Bosi, na memória “só fica o que significa”. (BOSI, 1994, pg. 466) É deste passado significativo para o velho interlocutor que se pretendeu apreender suas lembranças sobre o tema desta investigação: suas práticas corporais e os usos de seu corpo.

Maurice Halbwachs é outro dos referenciais desta pesquisa que auxiliou na compreensão do que foi entendido aqui por lembrança e memória. Em sua obra, é possível perceber a relação que estabelece entre as lembranças e a constituição destas no tecido social, constituindo assim o contexto social como uma de suas bases:

É muito comum atribuirmos a nós mesmos, como se apenas em nós se originassem, as ideias, reflexões, sentimentos e emoções que nos foram inspiradas pelo nosso grupo. Estamos em tal harmonia com o que nos circundam, que vibramos em uníssono e já não sabemos onde está o ponto de partida das vibrações, se em nós ou nos outros. Quantas vezes expressamos, com uma convicção que parece muito pessoal, reflexões tiradas de um jornal, de um livro ou de uma conversa! Elas correspondem tão bem à nossa maneira de ver, que nos surpreenderíamos ao descobrir quem é seu autor e constatar que não são nossas. “Já havíamos pensado nisso” – não percebemos que somos apenas um eco. (HALBWACHS, 2006, pg. 64)

E continua:

Quantas pessoas têm espírito crítico suficiente para discernir no que pensam a participação de outros. E para confessar para si mesmas que o mais das vezes nada acrescentam de seu? Às vezes ampliamos o círculo de nossas amizades e de nossas leituras, reconhecemos o mérito de um ecletismo que nos permite ver e conciliar os diferentes aspectos das questões e das coisas; mesmo assim, muitas vezes a dosagem de

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nossas opiniões, a complexidade dos nossos sentimentos e gostos é apenas a expressão dos acasos que nos puseram em contato com grupos diversos ou opostos, e nossa parte em cada modo de ver é determinada pela intensidade desigual das influências que eles exerceram em separado sobre nós. De qualquer maneira, à medida que cedemos sem resistência a uma sugestão externa, acreditamos pensar e sentir livremente. É assim que em geral a maioria das influências sociais a que obedecemos permanece desapercebida por nós. (HALBWACHS, 2006, pg. 65)

Tais contribuições de Maurice Halbwachs de estimularam a estar com o olhar atento para entender o ato de narrar não como uma produção unicamente individual, isolada, mas sim como a construção de uma memória que também é fruto de um ambiente coletivo e contextual. Sendo assim, contribuíram para que esta pesquisa investigasse, nas memórias narradas pelo velho, o contexto sociocultural que também se apresentou como conteúdo e constituinte desta narração e que foi tomado, nesta pesquisa, como um dos aspectos de investigação.

Neste mesmo sentido, Simson é também referência desta pesquisa, pois localiza a memória, mesmo aquela produzida por apenas um sujeito, individualmente, como fruto de uma construção que é contextual, que é sociocultural:

[...] ao trabalharmos com a memória de depoentes, em pesquisas que utilizam o método biográfico, valendo-se das técnicas do depoimento oral, do relato oral ou de entrevistas, procuramos necessariamente ter presentes as diferenças na maneira de utilizar essa capacidade, introduzidas pelas peculiaridades da cultura, as quais necessariamente se ligam às diferenças de sexo, idade, etnia e classe social. (SIMSON, 2003a, pg. 86)

Portanto, a relevância do estar com o olhar atento para perceber o contexto sociocultural do velho interlocutor se deu devido à influência que ele pode exercer tanto nas opiniões e pensamentos que produziu, quanto na maneira com a qual ele fez uso de suas memórias, ao construir as suas narrativas, ao dizer as suas lembranças.

Entretanto, ao mesmo tempo que Maurice Halbwachs apresenta a lembrança enquanto construção que tem a influência social como base, ele também chama a atenção para a possível existência que uma outra base produzindo essas mesmas lembranças, sendo esta o próprio indivíduo, em sua singularidade:

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É bem verdade que em cada consciência individual as imagens e os pensamentos que resultam dos diversos ambientes que atravessamos se sucedem segundo uma ordem nova e que, neste sentido, cada um de nós tem uma história. Nessa fieira de estados, embora em separado cada um esteja ligado a um ou a muitos ambientes cujos pontos de encontro de alguma forma eles indicam, sua sucessão em si não é explicada por nenhum desses ambientes. (HALBWACHS, 2006, pg. 57)

E continua:

[...] a memória coletiva não explica todas as nossas lembranças e talvez não explique por si a evocação de qualquer lembrança. Afinal de contas, nada prova que todas as ideias e imagens tiradas dos meios sociais de que fazemos parte e que intervêm na memória não recubram uma lembrança individual como um painel, mesmo no caso em que não o percebemos. Resta a questão de saber se pode existir, se é concebível uma lembrança assim. O fato de se ter produzido, de haver surgido essa lembrança, ainda que uma única vez, bastaria para demonstrar que nada se opõe a que ela intervenha todas as vezes. Assim, na base de qualquer lembrança haveria o chamamento a um estado de consciência puramente individual que chamamos de intuição sensível – para distingui-lo das percepções em que entram alguns elementos do pensamento social. “Sentimos certa inquietude” – dizia Charles Blondel – “ao ver eliminar, ou quase, da lembrança, qualquer reflexo dessa intuição sensível que certamente não é toda a percepção, mas que, da mesma forma, é evidentemente seu preâmbulo indispensável e sua condição sine qua non... Para que não confundíssemos a reconstituição de nosso próprio passado com a que possamos fazer do passado de nosso vizinho, para que empírica, lógica e socialmente esse passado nos pareça identificar-se com nosso passado real, é preciso que pelo menos em algumas de suas partes exista algo além de uma reconstituição feita com matérias tomadas de empréstimo.” (HALBWACHS, 2006, pg. 42)

Neste sentido, esta pesquisa preocupou-se em tomar conhecimento das práticas corporais, dos usos do corpo e dos contextos socioculturais de velhos interlocutores mediante as suas próprias experiências, que foram evocadas mediante sua própria narração, mediante a própria ordem e história reconstruídas pelas memórias de cada interlocutor. Esta construção individual e subjetiva das lembranças pelo interlocutor ganhou maior importância e legitimidade, nesta pesquisa, do que o exame de veracidade, como já exposto anteriormente.

Portanto, pode-se concluir que, assim como Maurice Halbwachs aponta que a lembrança é fruto de uma construção que é social e ao mesmo tempo individual, esta pesquisa também esteve atenta para compreender que as narrativas de memória, tanto sobre as experiências de práticas corporais e usos do corpo, quanto sobre os contextos sociocultuais em que os velhos estiveram imersos ao longo de suas vidas, foram tanto construções sociais quanto frutos de uma experiência

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de vida que é individual e portanto singular ao sujeito. A seguinte passagem do autor apresenta mais claramente esta força dupla na constituição das lembranças:

Suponhamos agora que tenhamos feito uma viagem com um grupo de companheiros que desde então não tivemos oportunidade de rever. Nosso pensamento estava ao mesmo tempo muito perto e muito longe deles. Conversávamos. Com eles nos interessávamos por detalhes da estrada e dos diversos incidentes da viagem. Ao mesmo tempo, nossas reflexões individuais seguiam um curso que a eles escapava. Trazíamos conosco ideias e sentimentos originados em outros grupos, reais ou imaginários; interiormente nos entretínhamos com outras pessoas e, percorrendo essa região, nós a povoávamos em pensamento com outros seres: tal lugar, tal circunstância agora assumiam para nós um valor que não poderiam ter para os que nos acompanhavam. Mais tarde, um dia talvez deparemos com um deles, que fará alusão a particularidades dessa viagem das quais se lembra e das quais deveríamos nos lembrar se houvéssemos mantido contato com os que a fizeram conosco e que, entre si, muitas vezes falaram sobre ela. Esquecemos tudo o que ele evoca e inutilmente se esforça para nos fazer lembrar. Em compensação, lembraremos o que sentíamos então, sem que os outros soubessem, como se este gênero de lembranças houvesse marcado sua impressão mais profundamente em nossa memória porque dizia respeito exclusivamente a nós. (HALBWACHS, 2006, pg. 38)

Michael Pollak é outra referência importante desta pesquisa. Corroborando Halbwachs em sua compreensão da memória como um fenômeno, ao mesmo tempo, individual, coletivo e social, Pollak (1992) apresenta aquilo que denomina como “elementos constitutivos da memória”, seja ela individual ou coletiva. Para o autor, estes elementos são, em primeiro lugar:

[...] os acontecimentos vividos pessoalmente. Em segundo lugar, são os acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade a qual a pessoa se sente pertencer. São acontecimentos dos quais a pessoa nem sempre participou mas que, no imaginário, tomaram tamanho relevo que, no fim das contas, é quase impossível que ela consiga saber se participou ou não. (POLLAK, 1992, pg. 2)

Para além desses acontecimentos, segundo o mesmo autor, a memória é constituída também por “pessoas, personagens”, podendo-se falar de pessoas realmente encontradas ao longo da vida e também daquelas encontradas por tabela, indiretamente, “mas que, por assim dizer, se transformaram quase que em conhecidas, e ainda de personagens que não pertenceram necessariamente ao espaço-tempo da pessoa.” (POLLAK, 1992, pg. 2)

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