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4 EXPERIÊNCIAS DE IMPLEMENTAÇÃO DE TECNO LOGIAS SOCIAIS PARA A EDUCAÇÃO E PROMOÇÃO

TECNOLOGIA SOCIAL

4 EXPERIÊNCIAS DE IMPLEMENTAÇÃO DE TECNO LOGIAS SOCIAIS PARA A EDUCAÇÃO E PROMOÇÃO

DE RESILIÊNCIA COMUNITÁRIA, FAMILIAR E PA- RENTAL

Os programas educativos e as políticas públicas deveriam ter por objetivos prioritários a promoção e o fortalecimento dos grupos familiares nos diversos contextos comunitários, principalmente da- queles que vivenciam situações de vulnerabilidade social. Sabemos que esses grupos enfrentam muitos desafi os do mundo contemporâ- neo e problemáticas socioambientais, especialmente no que tange à educação e cuidado de crianças e adolescentes. Deve-se ressaltar que a atenção e o apoio psicoeducacional é um direito fundamental que deve ser garantido às famílias através de elaboração e realização de estratégias de educação familiar que tenham como pressupostos os sa- beres, os valores e os signifi cados da educação presentes no cotidiano das famílias. Assim, as tecnologias sociais promotoras de resiliência comunitária e familiar podem contribuir para a construção de alterna- tivas e propostas de educação familiar que respeitem os saberes locais e tenham como foco atender, ouvir e orientar grupos familiares através de processos interativos e dialógicos.

A partir da Inserção Ecológica (Cecconello & Koller, 2003; Prati et al., 2008) e contato direto com famílias em situação de pobre- za das diferentes comunidades participantes os pesquisadores consta- tam as marcas das condições de vida precária e falta de políticas pú- blicas efi cientes que atendam as reais necessidades dessas populações. Ao ouvir e buscar compreender modos de vida familiar, investigar

processos de enfrentamento das adversidades, os sistemas de crenças e as dinâmicas de organização de famílias em situação de pobreza (Garcia & Yunes, 2006; Yunes, Garcia & Albuquerque, 2007), foi pos- sível elaborar ações que a posteriori se constituíram em tecnologias sociais, pois enfocavam a busca da saúde integral da família. Focar a saúde e os processos de resiliência nesses grupos é consoante ao atual movimento da Psicologia Positiva (Sheldon & King, 2001) que busca diluir o olhar dos sintomas e psicopatologias para estudar virtudes e potencialidades dos seres humanos.

Neste exemplo relatado, as estratégias de educação para o atendimento familiar foram construídas com o objetivo de orientar e apoiar os pais e/ou responsáveis no cuidado e educação de crianças e adolescentes. Essas estratégias foram delineadas e realizadas a partir de experiências comunitárias e aporte teórico-metodológico específi - co para cada ação planejada. As ações foram desenvolvidas sequencial- mente no período de quatro anos.

A primeira intervenção comunitária, denominada “Encon- tros Dialógicos com Famílias” (Garcia, Yunes, Lucas & Garcia, 2010), surgiu com o convite de integrantes do Programa Saúde da Família (PSF). O atendimento diário às famílias que viviam em um bairro de baixa renda próximo à universidade possibilitou que os profi ssionais envolvidos percebessem a necessidade de um espaço para conversas e esclarecimentos de dúvidas sobre cuidados e a educação de crianças e adolescentes.

Os encontros refl exivos e dialógicos com pais ou responsáveis pelo cuidado infantil no ambiente familiar (avós, irmãos mais velhos, tios etc.) foram realizados no período de treze meses em um desses bairros de baixa renda do entorno da universidade. Os pesquisadores começaram a inserção participando de atividades na comunidade: re- uniões na igreja, na associação de cada bairro, encontros de planeja- mento familiar (atividade coordenada pelos profi ssionais do Programa Saúde da Família) e visitas a domicílios que foram realizados para se

conhecer e compreender a realidade vivida pela população do bairro, além de explicar a proposta educativa por convites feitos casa a casa.

Logo após essas visitas, foram iniciados encontros quinzenais sistemáticos com os interessados sob a coordenação de duas profi ssio- nais e uma acadêmica que realizava as anotações em diário de campo. Nos encontros, os representantes dos grupos familiares fi cavam em um círculo, o que contribuía para a visualização e diálogo entre os participantes. Nesses círculos, eram propostas conversas sobre temas defi nidos no encontro anterior. Essas conversas eram estimuladas ini- cialmente por uma história ou fato (verídico ou fi ctício) contado pelos coordenadores/mediadores dos encontros dialógicos. A partir disso, eram propostas questões para discussão, que incentivavam os relatos de experiências e a refl exão crítica do tema pelos participantes. Foram conduzidas conversas sobre diferentes temas escolhidos pelos partici- pantes, mas manteve-se o foco nos relatos e discussões acerca das prá- ticas educativas em família e as situações cotidianas que infl uenciavam no cuidado/educação.

Ao longo dos encontros, outras estratégias de atenção às fa- mílias foram emergindo pelas circunstâncias apresentadas. Uma delas foi a realização de encontros com pequenos grupos nas residências de uma das famílias que estava enfrentando situações consideradas de alto risco e difíceis de serem relatadas diante de um grupo maior de pessoas (Garcia, Yunes, Lucas & Garcia, 2010). Por exemplo, em um desses casos, a mulher na família, que era a mãe, não conseguia sair de casa em função de uma forte depressão ocasionada pelas difi culdades de lidar com o fi lho adolescente, que estava utilizando drogas além de cometer pequenos furtos. Diante dessa problemática, foi esponta- neamente formado um grupo de atenção e diálogo com a nossa par- ticipação, juntamente com a agente comunitária e mais três vizinhas próximas. Encontros foram realizados na casa dessa mãe em situação expressa de grande difi culdade. As vizinhas desempenharam papel fundamental na recuperação dessa pessoa, inclusive ajudando-a nos

afazeres do dia a dia, levando-a ao médico, cuidando de tarefas básicas. Observou-se que, com a formação do grupo, as refl exões que surgiram e a situação explícita de apoio contribuiu para o fortalecimento dessa mulher/mãe para o enfrentamento das adversidades na educação do fi lho. Tal metodologia de atenção possibilitou a melhora dos vínculos dessa família com os vizinhos e com a nossa equipe. Aos poucos, esse pequeno grupo pôde voltar a se reinserir no grupo maior dos encon- tros dialógicos com outras famílias da comunidade, e a situação rela- cional de confl itos entre a mãe e o fi lho foram claramente amenizadas

A partir dessa experiência, surgiram outras indicações de fa- mílias que, primeiramente, pediam para serem atendidas na sua resi- dência ou em um ambiente mais restrito, onde poderiam contar sua história de vida, até conseguirem construir vínculos e sentirem segu- rança para exporem suas experiências em um grupo maior. A busca por sigilo e atendimento individual chamou a atenção da equipe, que formulou outra estratégia de educação familiar após dois anos de prá- tica da primeira metodologia: os “Plantões de Atendimento Psicoe- ducacional” (Garcia, Yunes, Lucas & Garcia, 2010).

Os plantões de atendimento psicoeducacional foram construí- dos em parceria com os conselhos tutelares e visavam a diagnosticar e compreender as particularidades, necessidades e prioridades do fenô- meno da parentalidade nos contextos de risco, bem como possibilitar as interações entre os acadêmicos e os grupos atendidos. Com a pro- posta de envolver segmentos da rede de apoio social, os encaminha- mentos das famílias em situação de risco foram realizados pelos três conselhos tutelares e dez escolas públicas. Cada conselho tutelar fi cou responsável por indicar oito famílias, e cada escola, mais cinco famí- lias. Como metodologia de atendimento, foi proposto o seguinte: os encontros com os grupos familiares eram realizados em quatro locais de diferentes áreas de abrangência do município, sendo, desses, três escolas públicas e um espaço público de responsabilidade do gover- no municipal. Foram realizados atendimentos individuais em espaços

reservados, sendo possível ouvir as histórias de vida das famílias com bastante atenção e tempo para realizar um diagnóstico sobre as confi - gurações familiares, os confl itos e as necessidades dos grupos atendi- dos. A maioria das famílias que aderiram ao projeto relatou confl itos na relação entre pais e fi lhos e difi culdades no cuidado e educação de crianças e adolescentes, principalmente em relação aos limites na in- fância e drogadição na fase da adolescência. Através desta experiência, fi cou evidente a necessidade de parcerias que efetivamente atuassem como rede de apoio social para assegurar a educação parental e o for- talecimento dos grupos para a resolução dos confl itos familiares.

Paralelamente a essas ações locais desenvolvidas pelo grupo de pesquisadores em parceria com os profi ssionais, outro programa foi construído, em âmbito municipal, como uma “espontânea armação comunitária” a partir das convicções de um conjunto de profi ssionais, lideranças comunitárias e pesquisadores acadêmicos, que visavam a romper o ciclo de isolamento e o inegável status de “desempodera- mento” das famílias das crianças/adolescentes acolhidos institucional- mente. O programa Rede Família ( Juliano, 2013) apresentou como objetivo principal a reintegração da criança e do adolescente acolhido à família, para, dessa maneira, garantir a provisoriedade da medida de acolhimento e tentativa de redução do tempo de acolhimento insti- tucional, que era muito longo. Com as evidências do fortalecimento da família de origem das crianças e adolescentes, e formação de uma rede de cooperação que atendia as necessidades singulares de cada família, de cada criança e adolescente da instituição, esse programa foi pensado e implementado como uma possibilidade de atendimento efetivo e sistemático. O principal encaminhamento da proposta era formular planos de atenção individual para cada família participante. Esses planos eram desenhados com a participação da coletividade e representação de cada segmento da rede de proteção, e pela família interessada. A rede analisada parte da concepção de que as famílias de crianças e adolescentes institucionalizados são, em sua maioria, fa-

mílias cujas redes de apoio social e afetiva não conseguem vencer suas crises sociofamiliares e proteger suas crianças. Para tanto, necessitam de apoio e suporte para reforçarem os seus vínculos junto ao teci- do social. Essa experiência desenvolveu uma metodologia que numa avaliação superfi cial, parece efi caz para desinstitucionalizar pessoas. Por isso, está sendo reaplicada em diferentes segmentos igualmente vulnerabilizados.

O projeto teve o fi nanciamento de suas ações e o público alvo atendido foram crianças e adolescentes acolhidos institucionalmente e suas famílias. Quando apresentamos o projeto, o município em foco possuía em média 98 crianças e adolescentes acolhidos institucional- mente. Em quinze meses de desenvolvimento do projeto, o impacto positivo de suas ações, reduziu a população de forma signifi cativa. O último mês do projeto contou com apenas 70 crianças e adolescentes nas cinco entidades de acolhimento da cidade, diminuindo 25% da população institucionalizada. E o mais importante: as reintegrações foram feitas de forma protegida, tendo em vista que o projeto acom- panhou os egressos e suas famílias.

O projeto implantou uma metodologia de trabalho com as famílias de origem, visando à reintegração através do fortalecimento dos vínculos destas com seus fi lhos, com sua família extensa e sua comunidade, tendo em vista que a maioria dos acolhidos são crianças e adolescentes entre 7 e 13 anos, e fora da faixa etária procurada para adoção. Segundo dados do projeto 70% das crianças e adolescentes desligadas das entidades de acolhimento o foram para retorno à fa- mília biológica, o que dimensiona a importância dessa família como perspectiva de reinserção social. Os estudos apontaram também que as vulnerabilidades que levam ao acolhimento têm foco na família, tendo maior incidência a negligência oriunda da fragilidade no exer- cício dos papéis parentais. Em pouco mais de um ano, foram feitas sessenta e oito reintegrações familiares. Importante ressaltar que hou- ve êxito em reintegrações de crianças que se encontravam há mais de

dez anos institucionalizadas, o que demonstra o impacto positivo do projeto e a necessidade de sua implantação.

Com a implementação do projeto também foram trabalhadas outras formas de garantir a convivência familiar quando impossível o retorno à família de origem, e isso envolveu as seguintes ações: cam- panha de adoção em parceria com o Poder Judiciário e o Ministério Público ‒ “Adoção: para que toda criança tenha uma família”, que visa a criar uma cultura de adoção no município, através de palestras, distribuição de folders e cartazes, edição de dois cursos preparatórios para a adoção, para a capacitação das pessoas que se habilitam a adotar, para que se preparem, ampliem o perfi l dos adotandos adequando-se à criança real, ou seja, aquela que se encontra nas instituições de aco- lhimento. O objetivo era possibilitar adoções tardias, inter-raciais e de crianças portadores de algum défi cit. Criou-se um grupo de apoio às pessoas que estão adotando para ajudar a constituir um vínculo saudável, com reuniões mensais. Durante o período de vigência desse projeto, houve 17 colocações de crianças em famílias substitutas, atra- vés de guarda, adoção ou com a construção de vínculo no apadrinha- mento afetivo. O projeto executou, ainda, a sexta edição do Programa Apadrinhamento Afetivo. Insta salientar que o projeto oportunizou um Encontro Estadual do Programa Apadrinhamento Afetivo, com participação de sete cidades, para avaliar e fortalecer o Programa Apa- drinhamento Afetivo.

No tocante ao fortalecimento da rede comunitária das famí- lias das crianças e adolescentes acolhidas institucionalmente foi im- plantado o Programa Família de Apoio, através do qual pessoas da comunidade são selecionadas e capacitadas para servirem de apoio a essas famílias, auxiliando-as a executarem as estratégias construídas coletivamente para reinserção social. Foi criado, ainda, o grupo de educação familiar nos bairros mais pobres e um espaço de educação permanente sobre drogas para lideranças e atores sociais.

Uma outra iniciativa de implementação de programas de apoio às famílias foi um programa elaborado para educação familiar1

com famílias em situação de risco (Garcia, 2012; Garcia & Yunes, 2015). As estratégias educativas realizadas emergiam de acordo com as necessidades dos grupos atendidos, o que as caracteriza como tec- nologias sociais promotoras de resiliência familiar e comunitária. Com o conhecimento das necessidades das comunidades atendidas e a parceria com os serviços de apoio social, parecia importante organi- zar uma nova proposta que apresentasse como foco a educação para a parentalidade responsável e a promoção de processos de resiliência parental. Por isso, decidiu-se utilizar como estratégia um programa re- conhecido em dois universos culturais distintos, Portugal e Espanha, e, que apresenta como pressuposto o fortalecimento e preservação dos vínculos familiares. O programa Crescer Felizes em Família: Apoio Edu-

cativo para o Desenvolvimento Infantil (Rodrigo et al., 2008) vem sen-

do desenvolvido nos países mencionados e possui estratégias específi - cas que possibilitam compreender as interações, discursos e dinâmicas do processo educativo familiar e destes com a rede de apoio e seus profi ssionais. Seguindo o exemplo desses países, os pesquisadores rea- lizaram uma versão abreviada, traduzida e adaptada com três comuni- dades do sul do Brasil. Os conteúdos abordados foram centrados nos aspectos educativos, relacionais e experienciais da convivência entre pais e fi lhos, tendo como fi nalidade o desenvolvimento de competên- cias pessoais e sociais. Esses conteúdos foram distribuídos em cinco módulos temáticos que se dividiram em 12 sessões. Na concepção original os módulos temáticos incluem diversas atividades que con- tribuem para o diálogo de saberes e refl exão sobre as práticas educati- vas parentais. A metodologia seguiu o modelo experiencial com base em atividades abordadas por meio de histórias fi ctícias e posteriores questões para o debate, nas quais se oferece a chance de aprofundar e explorar causas e a sua relação com as consequências de diferentes

1 Expressão utilizada para se fazer referência aos programas de atendimento e apoio educacional aos grupos familiares.

práticas parentais. Após cada exercício nos encontros, estabelecem-se compromissos a serem assumidos pela família, terminando com uma atividade que permite visualizar e dar relevo aos tópicos principais da sessão. Da primeira experiência conduzida no Brasil, participaram 59 famílias indicadas pelos serviços sociais e que tinham fi lhos de até 10 anos de idade. Os resultados obtidos permitiram evidenciar que a proposta, de maneira global, foi bastante satisfatória para as famílias. Os conteúdos foram considerados adequados às situações vivenciadas pelos participantes e contribuíram para a discussão das práticas edu- cativas e estilos parentais. As interações entre os participantes e destes com a equipe de dinamizadores/educadores foram percebidas como potencializadoras de vínculos e de sentimentos de confi ança entre as famílias participantes e destas com a equipe de dinamizadores. A re- lação gerada pelo grupo de apoio pareceu contribuir para fortalecer as competências parentais das famílias participantes.

Todas as ações realizadas em âmbito comunitário tiveram como princípio a construção de estratégias e o diálogo constante com as famílias participantes. A busca dos pesquisadores na implementa- ção dessas intervenções era pautada por princípios de tecnologia social e por soluções promotoras de resiliência familiar, parental e comuni- tária.