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2.2 Consequência direta do entendimento do orçamento como

2.2.1 Explicação metodológica (por que a análise da execução

concretização dos direitos fundamentais sociais e objetivos da República. No terceiro, examinaremos as causas determinantes dessa compressão dos investimentos públicos. No capítulo 4 analisaremos modelos alternativos, que buscam aumentar a carga de impositividade do orçamento. No capítulo 5, esboçaremos caminhos que viabilizem o controle racional e democrático da limitação discricionária do gasto público. Vale dizer, ainda que se considere de caráter autorizativo, as normas constitucionais que prescrevem objetivos a serem alcançados e direitos fundamentais a serem realizados, além do próprio princípio democrático, determinam a necessidade de implementação do gasto previsto na LOA na maior medida possível.

2.2 Consequência direta do entendimento do orçamento como meramente autorizativo: a baixa execução orçamentária em investimentos públicos

2.2.1 Explicação metodológica (por que a análise da execução orçamentária dos investimentos)

Nosso objetivo nesta seção é analisar se a execução orçamentária brasileira, fincada no entendimento de que o orçamento é simplesmente autorizativo, harmoniza-se com a Constituição Federal de 1988. Para tanto, avaliaremos o nível de execução orçamentária dos investimentos públicos previstos na LOA no período dez exercícios financeiros do governo federal. Antes, porém, de avançar na análise, reputamos necessário justificar essa escolha metodológica. É o caso de explicarmos os motivos pelos quais: 1) escolhemos as despesas com investimentos públicos;

2) focamos a análise em dez exercícios financeiros; 3) elegemos os gastos do governo federal.

O art. 12, § 4º, da Lei n. 4.320/64, expressa a definição de investimentos do ponto de vista do Direito financeiro:

Classificam-se como investimentos as dotações para o planejamento e a execução de obras, inclusive as destinadas à aquisição de imóveis considerados necessários à realização destas últimas, bem como para os programas especiais de trabalho, aquisição de instalações, equipamentos e material permanente e constituição ou aumento do capital de emprêsas que não sejam de caráter comercial ou financeiro. (BRASIL, 1964a, art. 12, § 4º).

A escolha de realizar um corte de análise restringindo-a às despesas com investimentos públicos se deve a dois motivos. O primeiro deles é que, sob o prisma orçamentário, elas são as dotações discricionárias por excelência. Mesmo prevalecendo o entendimento de que o orçamento é autorizativo, na prática, conforme já apontado no tópico anterior, por volta de 90% dos gastos públicos são em despesas consideradas obrigatórias, em relação às quais o gestor não tem liberdade quanto à sua realização (pagamento de servidores, manutenção da máquina, previdência, dívida pública etc). Como não há margem de escolha, a execução dessas despesas tende a ser muito próxima da previsão orçamentária inicial.

Nos gastos discricionários, de outra parte, o gestor tem liberdade para efetivá-los ou não. E aqui se encontra o seu poder de escolha na realização da despesa pública. Despesas de investimento são tipicamente discricionárias. Focando nelas, poderemos aferir se, realmente, a escolha do agente governamental se harmoniza com a prioridade que deve ser concedida aos direitos fundamentais e objetivos da República.

Um exemplo contribuirá para esclarecer as razões de nossa opção metodológica. Analisando a execução orçamentária da função saúde no exercício 2013, observamos que o montante empenhado (execução orçamentária) atingiu 92% do total dos gastos previstos no orçamento dessa função no exercício em tela.23 Vista de forma apressada, parece razoável uma diferença de apenas 8% em relação à previsão inicial. A maior parte desse montante, entretanto, pode estar relacionada a

23 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório e parecer prévio sobre as contas do governo da

República: Exercício 2013. Relator Min. Raimundo Carreiro. Brasília, DF: Tribunal de Contas da

União, 2014, p. 128. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/tcu/paginas/contas_governo/contas_ 2013/docs/CG_2013_Relatório%20Sessão.pdf. Acesso em: 26 out. 2019.

despesas obrigatórias, como as de pessoal, por exemplo. Quando, porém, analisamos o nível de execução orçamentária, apenas dos investimentos, na mesma função saúde e no mesmo exercício, a realidade é bastante distinta – só foram empenhados 53% do que foi previsto inicialmente na LOA. Vale dizer, de toda a verba prevista, naquele exercício, para a construção de hospitais, postos de saúde, compra de ambulâncias etc., apenas foi utilizado pouco mais da metade. Um tal índice de execução orçamentária não nos parece razoável, a não ser que o gestor comprove ter realizado os investimentos previstos com metade dos recursos. Isso em razão do fato de o valor dos investimentos públicos ter sido fixado em um processo democrático de deliberação, iniciado pelo Executivo e aprovado pelo Legislativo, com o objetivo de contemplar uma área extremamente sensível, definida como direito fundamental.

Ao exprimir isso, já adiantamos o segundo argumento para a limitação à análise dos investimentos. Existe uma forte ligação desse tipo de despesa com a implementação dos direitos fundamentais, especialmente os sociais, que possuem caráter prestacional, vale dizer, dependem, de forma geral, de uma ação do Estado para serem concretizados. Em uma palavra, sua concretização depende intimamente do gasto público. As relações entre investimentos e direitos sociais serão mais bem exploradas no tópico 2.4.24

Nossa segunda opção, de utilizar um recorte de dez exercícios financeiros, justifica-se por ser um período suficiente para englobar diversas situações distintas de ciclos econômicos. Intuitivamente, poderíamos pensar que, em períodos de crescimento econômico, a execução orçamentária dos investimentos tende a ser maior e que o problema do descompasso entre a previsão orçamentária e a sua execução efetiva só ocorreria em períodos de recessão da atividade econômica. Em outras palavras, um arrefecimento da economia maior do

24 Em estudo engendrado pelo Banco Mundial, analisando os sistemas orçamentários na América

Latina, Keefer, Scartascini e Vlaicu (2018, p. 366) apontam a importância de uma política estável de investimentos no continente: “Seria esperable que los gobiernos sigan las politicas que mas

contribuyan a mejorar el bienestar de los ciudadanos y que estos prefieran a los politicos que prometen seguir estas politicas. Las politicas que funcionan deberian permanecer estables ante las transiciones politicas, y aquellas que no funcionan deberian reemplazarse rapidamente por otras que si lo hagan. Las distintas areas de gobierno deberian coordinar las politicas entre si y velar por sucumplimiento. Desafortunadamente, la realidad a menudo no se adecua a estas expectativas. En America Latina y el Caribe, las politicas tienden a ser inestables, a favorecer intereses estrechos y a ser ineficientes (Franco Chuaire y Scartascini, 2014). En la region se observa un sesgo sistematico contra la inversion publica (por ejemplo, en infraestructura y educacion) cuyos beneficios se

que o previsto quando da elaboração da LOA causaria o problema da baixa execução orçamentária dos investimentos.

No intervalo analisado, de 2009 a 2018, o Brasil passou por diversos estágios econômicos: períodos de forte crescimento e de recessão. Assim, será possível oferecer um teste seguro ao pensamento intuitivo que liga a contenção dos gastos em investimentos à queda inesperada da economia. Vale dizer, se, em períodos de crescimento econômico, persiste uma discrepância entre o que foi executado e o que foi previsto na LOA, poderemos concluir que o problema não está vinculado, fortemente, à atividade econômica, forçando-nos a investigar outros fatores.

A opção por limitar a avaliação aos dados do governo federal decorreu de aspectos de ordem pragmática, em face das contingências materiais inerentes a este tipo de estudo. Ao nosso viso, a análise no espectro federal é capaz de demonstrar, suficientemente, a existência de um problema na execução do orçamento. De outra parte, não há uma disponibilização padronizada dos dados nos diversos estados da Federação brasileira, sendo também variável a possibilidade de acesso a eles. Na esfera federal, esses dados são encontrados de forma segura, em especial, nos pareceres prévios das contas de governo, disponíveis no sítio do Tribunal de Contas da União (TCU) na internet.

Ademais, o Brasil é uma federação na qual a União tem por responsabilidade promover, juntamente com estados e municípios, seja de forma direta, seja indiretamente (financiando), os direitos fundamentais e os objetivos da República.

Por fim, com vistas a uma melhor compreensão da matéria, analisaremos a execução orçamentária por funções de governo, haja vista que, assim, poderemos dar um enfoque especial às funções relacionadas aos direitos fundamentais sociais previstos no art. 6º da CF/88 (educação, saúde, trabalho, habitação, transporte, desporto e lazer, segurança, previdência social, assistência social aos desamparados25). Não existem funções de governo nominalmente atreladas a objetivos da República, porém, como explicaremos no tópico 2.5, há uma ligação

25 Os direitos à alimentação e a proteção à maternidade e à infância, embora consagrados em nossa

Constituição, não possuem função governamental correspondente. Pode-se supor que os gastos a eles referentes encontram-se diluídos nas outras funções sociais. Entendemos, no entanto, que a ausência de função específica compromete de certa maneira a transparência e dificulta o controle social acerca das ações implementadas para a concretização desses direitos.

estreita entre a promoção dos direitos fundamentais sociais e a realização dos objetivos constitucionais do art. 3º.

2.2.2 Análise dos últimos 10 anos de execução orçamentária em investimentos