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3.2 BASE PARA ESTRUTURAÇÃO DE UM PROTÓTIPO DE REGISTRO

3.2.1 Suporte científico: a Medicina Perioperatória, a Prática Baseada em Evidências, os

3.2.1.9 Explorando o potencial papel do Registro Eletrônico de Saúde como ferramenta

Superada a fase de estruturação de um SMPO, a incorporação de um recurso de avaliação de riscos perioperatórios em um RES embora aparentemente fácil não é tarefa simples. Exige, por exemplo, um importante investimento em suporte de TIC e uma constante atualização técnico-científica e no “modelo de dados” institucional.

Mesmo antes do advento da MPO, já havia a preocupação em se definir o risco perioperatório de um paciente. O conceito original de risco perioperatório restringia-se à determinação do risco cardiovascular, ou seja, a estimação da ocorrência de eventos como morte e infarto durante e após uma cirurgia. Modernamente, entretanto, o conceito inclui um conjunto de riscos a serem estimados quando da avaliação de um paciente candidato à cirurgia, abrangendo, inclusive, o cardiovascular. Essa ideia pode ser aplicada em um ou mais dos momentos do período perioperatório. Um índice de risco codifica informações clínicas e laboratoriais e aloca pacientes em diferentes categorias de risco.

Ao longo dos anos, desde a criação em 1977 do primeiro instrumento de avaliação de risco perioperatório por Goldman (Goldman Index), têm surgido vários outros escores (Multicenter Study of Perioperative Evaluation – EMAPO; American College of Physician – ACP/Detsky; Lee Index; American Society of Anesthesiologists – ASA, entre outros) de risco voltados à estimação do risco perioperatório (LOUREIRO; FEITOSA-FILHO, 2014).

Chama atenção que grande parte dos SMPO que aplicam estratificações de risco durante as avaliações dos pacientes e que fazem uso de RES, em função da inexistência nos mesmos de recursos de estimação, recorrem a documentos impressos dos escores de que possam fazer uso. Esse modelo resulta em desperdício de tempo e papel e eventuais

inconsistências nos resultados. Por fim, após terem de alguma estimado estes escores, os transporta para a parte editável do RES institucional. Situação aparentemente simples, estas prática subvaloriza a ferramenta que “vislumbra o descortinar de uma nova era”.

Mais recentemente, com o advento do desenvolvimento da informática médica levando ao surgimento das calculadoras médicas eletrônicas, a atividade de realização de estratificações de riscos relevantes no perioperatório tornou-se mais rápida e precisa. Assim, a realização de escores como o de risco de síndrome de apneia-hipopneia do sono, tromboembólico e outros tem contribuído para sua valoração e, inclusive, incorporação ao moderno e enfático pacote de práticas qualificadas e seguras, voltado ao paciente cirúrgico.

Entretanto, embora se saiba que muitos escores tenham variáveis comuns, grande parte dos calculadores existentes não consegue processá-los simultaneamente, sendo necessário o cálculo, um a um, de cada estratificador. Tal fato poderia ser facilmente contornado pelo emprego do RES portando uma base de dados comum sobre um mesmo paciente e com embarcadas tecnologias para o mesmo fim, possibilitando a realização concomitante, mais rápida e precisa, de múltiplos escores, representando, no mínimo, economia processual.

Embora muito úteis e com todas essas novas facilidades, a incorporação da maioria destes escores às práticas perioperatórias e ao RES parece ainda realidade distante, mesmo em nações desenvolvidas. Muitas parecem ser as justificativas para esta constatação, destacando- se:

a) a escassez, na maior parte das instituições de saúde que realizam cirurgias, de SMPO moldados sobre a MPO/PBE;

b) a praticamente inexistência de estratégias institucionalizadas de gerenciamento e manejo multiprofissional do risco perioperatório, mormente valendo-se de estratificadores de risco, empregados isolada ou associadamente;

c) a predileção para uso, quando ocorre, de escores de risco cardiológico em detrimento aos demais;

d) as próprias limitações em acurácia diagnósticas e prognósticas que alguns desses escores apresentam, fazendo com que possam ser subvaloradas em muitas ocasiões.

e) as baixas taxas de incorporação dos estratificadores de risco perioperatório aos RES.

O grande interesse da MPO no foco holístico do cuidado perioperatório e no manejo qualificado e seguro dos pacientes fez com que vários escores de risco passassem a ser valorados na sua prática. A MPO, portanto, não se restringe a estimar e manejar um único risco perioperatório, justificando parte de sua complexa operacionalização, e fazendo com que cada vez mais se reclame o emprego de adequadas TIC, como RES contextualizados. Não basta apenas que seja avaliado o risco cardiovascular, pois muito são outros escores existentes e que podem identificar, muitas vezes em um contexto muito específico, riscos tão ou até mesmo mais relevantes que o cardiovascular.

Ademais, não é infrequente que um mesmo paciente possa apresentar um baixo risco cardiovascular e um alto risco para o desenvolvimento de uma complicação não cardíaca, como um evento tromboembólico, uma intercorrência pulmonar, entre outras.

Independentemente do tipo de escore de risco, da estratégia de como seja estimado e de sua finalidade de uso, há de se considerar sempre, durante seu emprego, algumas de suas limitações intrínsecas, merecendo destaque aquelas relacionadas à sua acurácia, seja em nível diagnóstico ou prognóstico. Por outro lado, a literatura especializada deixa claro que os algoritmos de risco perioperatório não são perfeitos, mas todos são melhores do que o acaso em predizer complicações perioperatórias. Especificamente em relação às estratificações de risco cardiovascular, embora testados em populações de áreas específicas do globo, mesmo os escores mais tradicionais demonstram razoável acurácia (LOUREIRO; FEITOSA-FILHO; 2014). Isto faz com que, em muitos casos, alcancem extrapolação de seus usos para além das populações originárias.

Além do mais, com o advento de novos estimadores de risco perioperatório (Gupta; MICA; ACS-NSQIP), praticamente formatados em suporte eletrônico, e sua possibilidade de incorporação otimizada ao RES, parece ter reacendido, em alguns entusiastas da MPO, o interesse para o pronto emprego dos estratificadores. Merece destaque nesse contexto o escore de risco American College of Surgeons National Surgical Quality Improvement Program (ACS-NSQIP®) (KLÜCH, 2004; MCNELIS; CASTALDI, 2014; COLLEEN et al., 2016).Criado em 2013, esse tem se tornado um dos índices mais importantes durante a avaliação perioperatória (MCNELIS;CASTALDI, 2014; COLLEEN et al., 2016). Envolto em acelerada popularização, ele traz consigo várias particularidades de interesse, como:

a) ser um estratificador de melhor acurácia (excelente desempenho para mortalidade, morbidade e para seis complicações adicionais – para um mesmo paciente e concomitantemente, estima vários outros riscos além do cardiovascular); e

b) emprego em formato web-tools.

O estratificador NSQIP tem, como a maior parte dos escores de risco, a limitação de ainda não estar vinculado internamente ao software de um RES. Entretanto, é possível ser endereçado a um e-mail ou mesmo baixado na forma Portable Document Format (PDF), sumarizando os vários riscos avaliados. A evolução a um barramento, como ocorre com o resultado de exames complementares, poderá representar uma alternativa vindoura à sua incorporação a um RES.

Por fim, infelizmente é sabido que os RES ainda não contemplam fluxos estruturados de manejo perioperatório nos moldes da MPO e multiprofissionalmente integrados, e que não são ainda completamente dotados de processos internos de extração, manipulação e encadeamento de dados relevantes e concorrente endereçamento a múltiplos algoritmos de risco.