Nesta seção, empreendemos uma discussão a respeito de expressões com o valor semântico de consequência. Esse debate tem como justificativa preencher as lacunas deixadas por alguns autores (Mateus et alii, 2003; Raposo et alii, 2013) já revisitados, que mencionam construções que têm valor aproximado ao de consequência, sem, no entanto, abordá-las de uma maneira mais profunda e coerente.
Compreendendo que o domínio da consequência abrange diversas áreas do conhecimento, como, por exemplo, as leis das ciências naturais e está intrinsecamente relacionado ao domínio da causa, concluímos que vale a pena destacar em que âmbitos o valor de consequência é expresso.
a) No nível do discurso – Nesse nível, o valor de consequência é construído a partir de períodos e elementos linguísticos que promovem a coesão e coerência do texto. A sequência tipológica expositiva ou argumentativa do texto aponta para uma consequência e atua como “pista” linguística para identificar a causa. Os exemplos a seguir, retirados de Cartas ao Leitor, da Revista Veja Online, demonstram como o valor de consequência é construído ao longo do discurso e como o valor de causa é recuperado:
(2) O primeiro efeito de sua candidatura deverá ser benéfico nesse sentido: por meio de sua campanha, ou motivados por ela, milhões de brasileiros poderão informar-se melhor sobre assuntos como a destruição das florestas, a poluição dos oceanos e, consequência disso tudo, o aquecimento global, ameaça maior à sobrevivência da espécie humana. (Revista Veja Online, Carta ao Leitor, p. 9, Ed. 2128, 2009)
O exemplo (2) demonstra como se materializa o valor de consequência no nível do discurso: consequência disso tudo retoma os SN´s destruição das florestas e
poluição dos oceanos, que são a causa e projeta o SN aquecimento global, que, de fato,
é a consequência.
(3) Está sendo assim na COP15, em Copenhague, onde 192 países se encontram reunidos para, com a ajuda de cientistas, tentar afastar o perigo de uma catástrofe climática global provocada pelo acúmulo na atmosfera de certos gases encapsuladores de calor, o que levaria, no cenário extremo, ao derretimento das calotas polares e à consequente inundação de imensas áreas litorâneas do planeta. (Revista Veja Online, Carta ao Leitor, p. 9, Ed. 2143, 2009)
O exemplo (3) também demonstra a construção do valor de consequência:
consequente inundação de imensas áreas litorâneas do planeta constitui a consequência
do derretimento das calotas polares.
b) Em nível proposicional8 - Construções que colaboram para a elaboração do valor de consequência ou que, em alguma instância, têm carga semântica de
consequência. São de, pelo menos, sete tipos distintos:
8 Alguns dados que exemplificam esse nível foram retirados de outras seções da Revista Veja Online, somente a título de exemplificação.
i) Construções causais:
(04) Como não há solução possível quando não se conhece a origem do que se pretender corrigir, a informação do senhor Emílio Odebrecht serve de guia ao trabalho de faxina.
(Revista Veja Online, Carta ao Leitor, p. 14, Ed. 2527, 2017)
O segmento causal, introduzido pela conjunção como, antecede a porção da informação com carga semântica consecutiva, que, segundo a tradição gramatical, é chamada de oração principal ou oração matriz, por veicular a ideia principal do período. Notamos, aí, a explícita relação causa-consequência: Porque não há solução possível quando não se conhece a origem do que se pretende corrigir, a informação do senhor
Emílio Odebrecht serve de guia ao trabalho de faxina. A construção aqui destacada em
itálico refere-se à consequência da causa de não existir solução possível quando não se conhece a origem do que se pretende corrigir.
ii) Construções aditivas:
(05) Assine Caras e ganhe uma máquina Tres.
(Revista Veja Online, Propaganda, p.29-30, Ed. 2527, 2017)
Em (05), observamos que a construção não só tem leitura de adição como de condição e causa e consequência. A leitura condicional pode ser reinterpretada da seguinte maneira: ‘Se você assinar Caras, você vai ganhar uma máquina Tres’. A leitura de causa e consequência pode ser a seguinte: ‘Ganhar uma máquina Tres é consequência de assinar Caras.’
iii) Construções finais:
(06) Já que as informações sobre a delação premiada de PRC foram obstinadamente cruzadas pelo editor Rodrigo Rangel com fontes diretas, tendo uma delas revelado uma parte do depoimento e confirmando detalhes passados por outra pessoa – de forma que, ao final, Rangel conseguiu ter em mãos um resumo fiel do conteúdo
principal de 42 horas de conversa de PRC com os delegados da PF e procuradores.
(Revista Veja Online, Carta ao Leitor, p. 12, Ed. 2390, 2014)
A construção final, introduzida pela locução conjuntiva de forma que, certamente tem valor semântico de finalidade, propósito ou meta. No entanto, há que se ressaltar que a noção de finalidade também carrega, mesmo que subsidiariamente, a noção de consequência: chega-se a um ponto; atinge-se um objetivo ou meta.
iv) Construções conclusivas:
(07) Os políticos enrolados querem fazer crer que o caixa dois é um ilícito menor, quase desprezível, e portanto digno de uma anistia geral.
(Revista Veja Online, Carta ao Leitor, p. 14, Ed. 2526, 2017)
O dado anterior apresenta uma construção conclusiva prototipicamente composta pelo conectivo ‘portanto’, que está ligado ao campo semântico da conclusão. A inserção de uma partícula aditiva como ‘e’, no início da construção, reforça a ideia de conclusão. Sabe-se, também, que toda conclusão dialoga com a ideia de consequência.
v) Construções paratáticas:
(08) Não tem sorteio. Assinou. Ganhou.
(Revista Veja Online, Propaganda, p. 29-30, Ed. 2527, 2017)
Construções que estão em mesmo nível sintagmático, como é o caso de ‘Assinou’ e ‘Ganhou’, no dado anterior, além de terem leitura aditiva e condicional, também possuem leitura de relação causa-consequência: ‘Ganhou’ é consequência de ‘Assinou’, a causa.
(09) Tudo pode mudar com o início da campanha da televisão. Essas oscilações dos candidatos ajudam a explicar por que razão o mercado está tão nervoso e o dólar sobe e desce como linha de eletrocardiograma.
(Revista Veja Online, Carta ao Leitor, p. 9, Ed. 1763, 2002)
Em (09), notamos que a consequência se dá através de um processo de metaforização. A conjunção ‘e’ introduz a consequência e pode ser facilmente relacionada à ideia de adição, no entanto, como vimos anteriormente, à adição também subjaz a ideia de consequência.
Classificamos esse tipo de construção como correlativa consecutiva não- prototípica por possuir, em sua configuração, um segundo correlator não-prototípico, o que a diferencia, portanto, da prototípica. É notório que o elemento ‘tão’ intensifica o adjetivo ‘nervoso’ e cria, com ele, uma expectativa para a enunciação da proposição seguinte, introduzida pela conjunção ‘e’.
vii) Construções correlativas consecutivas prototípicas:
(10) Para começo de conversa, rojão é artefato tão perigoso que sua venda e uso são regulados por lei no Brasil e na maioria dos países civilizados.
(Revista Veja Online, Carta ao Leitor, p. 12, Ed. 2361, 2014)
Em (10), observamos a construção correlativa consecutiva em sua configuração prototípica: o primeiro correlator ‘tão’ intensificando o adjetivo perigoso e estabelecendo, com ele, a expectativa para a enunciação da proposição, introduzida pelo segundo correlator ‘que’, com quem também está relacionado. O que caracteriza a construção foco desse trabalho é a relação de interdependência de pares correlatos.
As considerações a respeito do domínio da consequência em áreas do conhecimento e na linguagem humana levaram-nos à discussão de como a ideia de
consequência se estabelece na língua portuguesa. A análise de dados em nível
construcional evidenciou a relação do domínio de consequência em intercessão com outros domínios, como, por exemplo, da causa, da adição, da finalidade e da conclusão.
Dentre essas relações, a que mais se destaca é a relação causa-consequência, por acreditarmos que a causa projeta uma consequência e engloba todos os outros domínios. A partir disso, elaboramos a seguinte figura explicativa em que o domínio da causa, aqui chamado causalidade, por sua maior abrangência, se aproxima e, ao mesmo tempo, integra outros domínios listados anteriormente.
Figura 1 – O domínio da causalidade
Após revisarmos o que dizem autores tradicionais e inovadores a respeito da construção em estudo e de tecermos considerações sobre as diversas maneiras de se expressar o valor semântico de consequência na língua portuguesa, deparamo-nos com a necessidade de apresentar a nossa definição para a construção correlativa consecutiva: é uma construção formada por duas partes interdependentes e indissociáveis, encabeçadas por correlatores, em que a primeira parte é a causa e a segunda é a consequência. Dessa maneira, o valor de consequência só ocorre se a construção for compreendida como um “todo”.
Ao longo desse capítulo, procedemos à revisão da literatura atinente aos temas abordados por essa dissertação. Na primeira seção, discutimos os processos de
CAUSALIDADE
Consequência
Adição Finalidade
coordenação e subordinação em obras tradicionais e o fenômeno da correlação. Na segunda seção, abordamos o tratamento que é dado à construção em estudo em obras tradicionais e inovadoras. Na terceira seção, por fim, demonstramos as diversas maneiras de se expressar o valor semântico de consequência na língua portuguesa. O próximo capítulo apresenta o referencial teórico que guia essa pesquisa.