• Nenhum resultado encontrado

Expressões do poder na sociedade judaíta do século 8º a.C.

No documento Download/Open (páginas 37-43)

2.2 – O movimento messiânico e o Antigo Testamento

2. Expressões do poder na sociedade judaíta do século 8º a.C.

Em Judá, como em outras sociedades, observa-se o poder do Estado e o poder difuso, neste sentido, destacam-se três formas de poder, institucionalizado, e pelos menos uma de poder difuso na sociedade judaíta do século 8º. a.C.:

1º. O palácio: com uma expressão de poder através do governante em

exercício, Acaz, estabelece o que se pode ou não fazer na sociedade;

2º. O Templo: como um legitimador da ordem social e do poder

estabelecido, uma vez que os sacerdotes eram funcionários reais e havia os profetas da corte.

3º. O Exército: como protetor e mantenedor da ordem social vigente,

assim como da hierarquia estabelecida.

4º. O profeta: este exerce um certo tipo de poder que não é

“reconhecido” pela sociedade da época, mas que expressa também o poder que está difuso na sociedade.

Estes espaços, nos quais o poder é institucional e difuso, são expressões de uma sociedade hierarquicamente distribuída que elabora sua forma de expressar o poder. Deste modo, temos no Templo uma instituição que sacraliza o poder que é exercido a partir do palácio, uma vez que o rei é um messias, ungido. Ao mesmo tempo em que legitima a existência do exército através das guerras de Javé.

No sentido do poder local, como o Templo e o Palácio, Foucault faz um tipo de arqueologia do saber e apresenta o fato de que “território” é, antes de tudo, um aspecto jurídico-político, ou seja, o espaço físico é controlado por certo tipo de poder. Para ele “na demarcação das implantações, das delimitações, dos recortes de objetos, das classificações, das organizações de domínios, o que se fazia aflorar eram processos – históricos certamente – de

poder”62. Neste sentido, há que salientar o fato de que a demarcação, ou o

discurso geográfico, na verdade é um discurso nacionalista. Porém, este discurso está enraizado em um indivíduo que é produto das relações de poder, e ele mesmo constitui um. Assim, as conquistas reais exercem um tipo de poder não somente sobre os vencidos como também nos vencedores. Quando o rei sai para a guerra e vence ele estabelece limites, ainda que aleatórios, de

62

uma cidade conquistada e viabiliza um discurso nacionalista no povo que legitima cada vez a instituição monárquica como detentora do poder.

Esta institucionalização do poder do rei, ocorre a partir da inserção da

arca da aliança em Jerusalém, por Davi (2Sm 6,6-19), ela recebe contornos

divinos que lhe conferem um certo tipo de poder, que será institucionalizado a partir da construção do Templo e do Palácio, neste sentido vemos que a religião também exerce poder em conjunto com as políticas do palácio.

Assim, observa-se que nessas construções, sobretudo porque o templo é o pátio do palácio, há uma estrutura de poder que acarreta uma multifacetada expressão do que se pode ou não realizar em nome de Javé. Porém, estas instâncias são instrumentos de denúncia profética, pois neles encontram-se poderes estabelecidos. O discurso profético, embora não haja apoio da população como um todo, detém um poder que é exercido diante de parcela da população e dos discípulos do profeta. A fala profética se torna um instrumento do poder difuso na sociedade para demarcar uma outra forma de dizer o que é correto ou não.

Mais uma vez, em se tratando de espaço físico encontramos o Templo como instituição de poder (com sua forma de construção e o que deve ser colocado onde), mas ao mesmo tempo encontramos na profecia de Isaías também a expressão do poder, pois ele chega ao rei e lhe diz o que deve ser feito em relação à pretensa invasão proposta por Síria e Efraim.

Sendo assim o discurso do profeta, ainda que marginal, descreve um certo tipo de poder, pois para ele apenas o seu grupo de discípulos eram destinatários da salvação a ser impetrada por seu Deus. Percebe-se então o poder, expresso em saber, saber onde Deus está e onde ele age, faz com que o profeta regulamente diante dos outros a ação de Deus. Neste caso há o que Foucault chama de “saber dominado”, que é fruto do “saber erudito”, mas que acaba ele mesmo sendo erudito, pois demarca e sistematiza uma ação. Ao mesmo tempo em que Isaías critica a ação do rei, ele sistematiza uma forma de pensar e produz um discurso também de poder em relação ao seu grupo.

Deste modo, é possível observar que há também poderes expressos em outras instâncias:

1º. Dos profetas: que expressam seu poder através dos ditos e falas

que promovem discussão sobre o que o poder estabelecido tem feito;

2º. Das crianças: que são usadas como símbolo e como expressão de

um poder ulterior na sociedade, pois são marginalizadas.

3º. Das viúvas: que além de ser mulher, não tem marido, portanto são

excluídas da sociedade e exercem o poder como tal.

4º. Das mulheres: ainda que párea nos espaços decisórios da

sociedade, elas exercem poder a medida que carregam a vida e a morte. Vida por poder gerar e morte ao carregar a impureza no seu sangue.

É possível observar também outras esferas de poder na teia social, sobretudo no ato de discursar contra o poder estabelecido. Os profetas que utilizam a categoria das crianças para desestabilizar o poder que existe na figura do rei, quando Isaías proclama o nascimento de uma criança que governará, ou de uma criança que será o guia da nação, na verdade ele está exercendo o poder que está contido no discurso que pretende estabelecer o que é certo ou errado para a sociedade. Neste sentido, o seu discurso contrapõe as instâncias de poder, mas cria uma outra forma de poder. O discurso dele aponta para uma nova “ordem”, a saber, um novo messias, uma nova forma de vida.

Isaías, no capítulo 7.14, diz: “Eis a jovem está grávida e dará à luz um filho e chamará seu nome Imanuel”, temos neste trecho, parte do todo da perícope, o fato de que o rei não acolhe as palavras do profeta, por conseguinte esta mensagem para ele é uma mensagem de repreensão. Neste sentido, aqui reside um discurso contra o poder, mas que também exerce um

tipo de poder na sociedade. Pois sua denúncia aponta para um novo sistema, o que Foucault destaca como relações de poderes que se estabelecem campos de saber e que constituem ao mesmo tempo relações de poder.

Observa-se, portanto, algumas estruturas, o funcionamento das relações de poder e como elas ocorrem na sociedade judaíta do século 8º. a.C., a partir da ótica foucaultiana. Certamente, estas relações só se estabelecem a partir de regras e hierarquias que determinam quais aspectos comportam o exercício do poder nas relações sociais em vários seguimentos, mas também percebe-se nas relações o poder difuso.

Através das relações de poder descritas por Foucault e aplicada ao contexto de Judá, pode-se perceber que há outras relações de força que são interiores ao relacionamento Estado X povo. Dentro da profecia para o povo existem outras formas de dominação que não são apreendidas pelo Estado ou por outras lideranças que se colocam à frente da população. O poder nesse sentido é exercido de forma celular. Pois como salienta Foucault, “toda forma de saber produz poder”. Dividir, classificar, conhecer cada célula social é importante para governar. O poder é então baseado na “microfísica do poder” que se estabelece em processos.

Considerações

Neste capítulo foram tratados os conceitos de messias e messianismo, assim como as bases para o surgimento deste conceito em Israel e Judá. Assim, foi possível delinear quais as características do messianismo apresentados no Antigo Oriente Médio, bem como fazer uma leitura sociológica, o que ajuda na compreensão mais aberta a respeito do tema e que será aplicado posteriormente, ainda que de uma maneira não tão sistemática.

Sobre o tema do messianismo no AT, no próximo capítulo serão tratados, mais detalhadamente, os aspectos que envolvem o messianismo no AT, em Judá e em Jerusalém a partir do profeta Isaías.

Há que salientar que a proposta de inserção do excurso, sobre a leitura foucaultiana de poder aplicado a Isaías, teve a finalidade de apresentar um tema que não necessariamente é pauta desta pesquisa, mas que ajuda a compreender o messianismo judaíta a partir de outra ótica: o poder como um conceito político-religioso e que ajuda na compreensão da figura messiânica e seu papel na sociedade.

A partir do próximo capítulo serão tratados os temas messias e messianismo a partir de Judá, Jerusalém e Israel e o contexto que fomentou a profecia de Isaías no século 8. a.C.

II – Olhando os horizontes: contexto histórico-

No documento Download/Open (páginas 37-43)

Documentos relacionados