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1.3 – Tradições messiânicas

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A tradição messiânica, como se apresenta no Antigo Testamento, surge a partir da História da Ascensão de Davi, que é narrada nos textos de 1Sm 16 a 2Sm 5. Essa tradição conta a história a partir da ótica do povo, diferentemente da História da Sucessão de Davi, 2Sm 6 a 1Rs 2, que tem como enfoque a tradição palaciana.

Enquanto que no primeiro relato Davi é apresentado como aquele que vem de Belém de Judá, ou seja, do âmbito dos pastores campesinos, tocador de harpa e o menor entre seus irmãos, a segunda tradição parte da história de Davi no palácio em Jerusalém, com uma máquina de estado funcionando efetivamente. Assim, temos duas tradições conservadas no imaginário acerca de Davi: um dos camponeses de Judá e outra do âmbito palaciano de Jerusalém.

A partir destes relatos é possível constatar que há, pelo menos, dois

corpus da tradição profética que conservam e anunciam o messianismo no

Antigo Testamento, um de origem jerosolimitanta, e outro judaíta. Contudo, estas tradições apresentam alguns aspectos que lhes são comuns. Tendo em vista que o Sul é marcado por memórias importantes, como, por exemplo,

Sara, Abraão, guerra santa, davidismo, a presença de Javé no Sião, destas há

que se destacar duas: Sião e Davi, como principais tradições religiosas do Sul.

Embora se trate de memórias diferentes, Sião e Davi se complementam. Davi transporta a arca da aliança (2Sm 6) e lá, em Sião e junto a arca, recebe de Natã a promessa de eterna dinastia (2Sm 7). Outra questão é que o Templo

e o palácio estavam situados no mesmo espaço territorial de Jerusalém.78

Segundo Schmidt,

ambas as construções, o palácio e o templo, eram contíguas (cf 2Rs 1; criticamente: Ez 43,7). Assim como o templo era

78

SCHWANTES, Milton. “Esperanças messiânicas e davidicas”. In: Revista Estudos Bíblicos nº 23. São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 1989. p. 21.

propriedade do soberano, ‘o santuário do rei e o templo do reino’ (Am 7.3 de Betel), assim o sacerdote era um funcionário

que podia ser instalado e destituído pelo rei79 (2Sm 8.17; 1Rs

2,27,35; 4,2 e outros).80

Davi e Sião, uma tradição não depende da outra. Davi pode ser enaltecido sem que o Sião desempenhe papel marcante, como, por exemplo, 2Sm 5, anterior à conquista de Sião. O contrário também pode ocorrer, é o que se vê em Lamentações. Nela se chora a “cidade que jaz solitária” (isto é

Jerusalém) sem que o davidismo fosse alvo de grandes preocupações.81

Há uma diferença bem marcante entre Sião/Davi e Belém/Davi. Enquanto em Sião, Davi é enaltecido como rei, e lembrado por suas incursões bélicas (2Sm 5 a 1Rs2), na tradição Davi/Belém, a concepção que perdura é da sua fragilidade, e ainda, de um homem tipicamente do campo (Mq 5,1-5).

No que se refere a Sião/Davi, eles estão correlacionados, mas podem estar lado a lado, e ainda caminhando por direções próprias, tendo em vista que elas foram cultivadas em lugares diferentes. No Novo Testamento, vê-se esta possibilidade, quando se abandona a tradição de Sião (“não ficará pedra sobre pedra” Mc 13,2), e reafirma o davidismo, ao testemunhar Jesus como filho de Davi (Mt 1,1).

Mas por que tradições tão próximas se encontram às vezes divididas? Para Milton Schwantes, Sião trata-se de uma tradição de Jerusalém, enquanto que Davi, trata-se de uma tradição de Judá, isto é belemita. Sua sede não é a capital Jerusalém, mas a vila de Belém. Até o Novo Testamento guardou essa

memória davidita (Mt 2).82

79

Existe a hipótese de que Davi integrou à sua administração sacerdotes que já estavam em Jerusalém quando da sua conquista. Zadoque seria este sacerdote herdeiro do sacerdócio de Melquisedeque (Gn 14,18-20). Para maiores esclarecimentos conferir: DE VAUX, Roland.

Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 411-412; SCHMIDT, W. A fé no Antigo Testamento. p.315-318.

80

SCHMIDT, Werner. A fé no Antigo Testamento. p. 320.

81

SCHWANTES, Milton. “Esperanças messiânicas e davidicas”. p. 22.

82

Assim, é possível constatar que as tradições de Sião e Davi são as que permanecem no decorrer do AT, e, ainda, guardam cada uma as proporções de um novo tempo sob a égide de uma sociedade baseada na sedaqah, mixpat

e xalom, ou seja, o sustentáculo do trono de Javé (Sl 97,2) estará sustentando

os habitantes da terra e assim haverá uma paz sem fim, a qual é proporcionada pela figura de um messias, “ungido de Javé”.

Concernente à questão das tradições jerosolimitana e judaíta, para Siqueira há diferenças bem marcantes. Além de haver no Sul memórias cultivadas distantes das tradições do Norte, ele, o Sul, ainda cultivou tradições diferentes na cidade, Jerusalém, e no campo, Judá.

Os grupos israelitas que povoaram o sul da Palestina expressaram sua fé e projetaram o seu futuro de modo diverso dos que habitaram o norte. Por exemplo, o povo do sul cercou o regime monárquico com todos os cuidados para que ele permanecesse para sempre. Não somente isso! Os sulistas desenvolveram, em torno da figura de Davi, uma forte tradição. Tão forte que ela possui duas expressões que convivem lado a lado nas páginas da Bíblia. Uma é a tradição cultivada em Sião. A outra é a tradição dos camponeses de Judá. Ambas

têm como referência a figura de Davi.83

Assim, observa-se que a figura messiânica de Davi perpassa ambos os grupos, Judá e Jerusalém, mas com diferentes enfoques, mesmo tratando-se de realidades tão próximas.

Judá conserva a tradição Davi como aquele pastor de ovelhas que foi ungido por Samuel e retratado como uma figura bela e o menor de sua casa. Neste caso, a beleza e a fragilidade apontam para os próprios camponeses de Judá, talvez por isso lá se conservou esta imagem. Contudo, em Jerusalém guardou-se a tradição de Davi que luta contra Golias, ou os filisteus, e vence a

83

SIQUEIRA, Tércio Machado. “O rei menino”. In: Revista Estudos Bíblicos, nº 54. São Leopodo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 1997. p. 32.

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