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2 METÁFORAS DUALISTAS COMO MOTE EXPRESSIVO PARA A DANÇA

2.3 EXPRESSIVIDADE POR MEIO DA METACINESE

Entre os anos de 1931 e 1932, John Martin (1893-1985) escreveu sobre a dança moderna28, ou seja, ele tentou entende-la enquanto ela acontecia. Martin (2007) afirma que embora houvesse uma dificuldade para determinar as bases da dança moderna, por conta das diferenças entre os espetáculos, métodos e sistemas

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O livro The modern dance foi originalmente publicado em 1933 pela Princeton Book Company, reunindo as quatro conferências sobre a dança proferidas por John Martin na New School for Social Research em New York em 1931 e 1932. Em 2007 a revista Pró-posições traduziu as duas primeiras partes na edição de janeiro/abril e as duas últimas na edição de maio/agosto do mesmo ano.

de dança propostos pelos artistas, ainda assim seria possível pensar em alguns princípios e propósitos comuns a todos.

No que tange ao interesse desta pesquisa – qual era o entendimento de expressividade requisitado pela dança moderna – dentre os princípios abordados por Martin (2007), interessa o que ele denominou de metacinese. Para tanto, faz-se necessário compreender primeiramente a importância atribuída ao movimento na dança moderna, para em seguida compreender o que seria a metacinese.

Segundo Martin (2007, p.232) ao se indispor contra a artificialidade do balé clássico, a dança moderna estabeleceu como principal objetivo a expressão de um impulso interior e, o movimento seria a “verdadeira essência da dança” devendo surgir desse impulso. O movimento seria a manifestação daquilo que não é visível, a expressão mental e emocional.

Não é apenas encontrado no movimento funcional e vital do pulso e em todo o corpo, na tarefa de manter-se vivo, mas é também encontrado na expressão de toda experiência emocional; e é, nesse aspecto, que reside o seu valor para o bailarino. O corpo é o espelho do pensamento. Ao nos assustarmos, o corpo reage com movimentos rápidos, curtos e intensos; quando envergonhados, o sangue vai para o rosto e coramos; se abalados, o sangue foge-nos da face e empalidecemos; e quando estamos tristes, lágrimas vão para nossos olhos e aparece o que chamamos de “um nó na garganta”. Ao sentirmos qualquer uma dessas experiências, os músculos contraem-se ou relaxam-se e todos os membros do corpo são afetados. Estas ilustrações são tão comuns que dispensam maiores comentários. O movimento físico é o primeiro efeito normal de qualquer experiência mental ou emocional. (MARTIN, 2007, p.233)

É observável como o entendimento dualista está presente na separação entre pensamento (incluindo nele a emoção) e corpo. Pois ao afirmar que o corpo é o espelho do pensamento, o autor situa o pensamento em outro lugar que não no corpo. Caberia a este apenas manifestar/expressar por meio de movimento os pensamentos e emoções. É interessante também apontar que diferente do pensamento cartesiano que relegava as emoções aos estados inferiores, ou seja, ao corpo e o pensamento as faculdades superiores, do espírito, para Martin (2007) as emoções e pensamentos estão situadas em um mesmo lugar que, embora o autor não diga que lugar é esse, ele afirma que não seria o corpo.

A expressão mental e emocional por meio do movimento dos bailarinos de dança moderna era comparada por Martin (2007) com o que levava os povos primevos, denominados pelo autor de “selvagens”, a dançar. Os povos primevos

dançavam tudo o que lhes fugia a razão e parecia ser misterioso ou sobrenatural. No período em que a dança moderna se desenvolveu, a ciência já tinha explicado boa parte desses mistérios, mas do mesmo modo como os povos primevos dançavam o que não podiam ou não conseguiam explicar, os bailarinos de dança moderna dançavam o que não podiam explicar racionalmente, a apreensão de experiências emocionais e mentais intangíveis.

Não obstante, é esse o espírito que anima a dança moderna. O bailarino moderno, é claro, não se assombra diante das mesmas coisas que os selvagens. Ele pode conversar racionalmente sobre quase qualquer tópico relacionado às ações da natureza; esta foi totalmente reduzida a um enfadonho tagarelar pseudocientífico que é ensinado nas escolas. A civilização, em grande medida, despiu a vida comum do seu mistério e, consequentemente, eliminou a necessidade de expressar, como fazia o homem primitivo, aquilo que a razão não podia apreender. Mas hoje, estamos caminhando cada vez mais profundamente para dentro de regiões desconhecidas do pensamento, o que, apesar de não nos abalar tanto quanto a natureza aos selvagens, é igualmente impossível de ser reduzido a termos racionais. E é sua apreensão dessas experiências mentais e emocionais intangíveis que o bailarino da atualidade se vê obrigado a expressar através do meio irracional do corpo. (MARTIN, 2007, p.234 -235)

A metacinese seria a expressão do que era considerado intangível – o mental e o emocional – por meio do movimento, tanto nos povos primevos como da dança moderna. A respeito da metacinese, Martin (2007, p.236-237) afirmou:

Ninguém inventou esta verdade, ela sempre existiu. Ela existia quando o homem primitivo exprimia seu sentimento do mistério da morte e quando ele incitava toda a tribo a um delírio de guerra, liderando-a em um tipo especial de dança. Existia, e era reconhecida em certo grau, nos grandes dias do teatro grego, quando o movimento era um traço importante do drama. De fato, o coro trágico grego, que nos momentos mais intensos da tragédia procurava obter recursos cantando e dançando músicas de grande fervor, estava habituado, como Gilbert Murray disse em algum lugar, a expressar “o resíduo inexprimível da emoção” que a racionalidade – palavras e pantomima – não poderiam transmitir. Também existia nos dias do balé clássico; sem ela, as plateias teriam tanto prazer em assistir a uma bailarina equilibrar-se nas pontas dos pés desafiando a gravidade, quanto em ver penas flutuando no ar.

Martin (2007) ainda afirma que a utilização artística consciente da metacinese só iniciou na dança moderna e os alemães perceberam seu valor a ponto de criarem uma dança que, por meio do movimento, expressasse os sentimentos do bailarino.

Desse modo, a forma do movimento naDança de Expressão resultava da expressão mental e emocional.

Essa classe de dança é, com efeito, dança moderna na sua manifestação mais pura. A base de cada criação nesse meio reside na visão de algo na experiência de vida humana que toca o sublime. Sua externalização em alguma forma que pode ser apreendida pelos outros não deriva de um planejamento intelectual, mas do “sentir” com um corpo sensível. O primeiro resultado dessa criação e o surgimento de alguns movimentos totalmente autênticos estão tão ligados à experiência emocional, assim como o recuo instintivo está ligado à experiência do medo. (MARTIN, 2007, p.258

Por não possuir as formas padronizadas, como as do balé clássico, houve uma dificuldade em definir com exatidão quais as bases da dança moderna. Visto que conforme Martin (2007, p.244) ela surgiu “para expressar apenas o que é próprio da experiência pessoal, transformado e elevado acima do lugar comum e do pessoal pelo processo da criação artística, da forma estética”. Desse modo, expressando as experiências pessoais, não seria possível à dança moderna estabelecer formas padronizadas que seriam utilizadas por todos os artistas. Isto possibilitou aos artistas criarem seus movimentos, o que gerou diversidade entre as obras.

Verifica-se então que a expressividade na dança moderna estava relacionada diretamente a expressar emoções e pensamentos por meio de movimento. Martin (2007) apontou a possibilidade de estabelecer alguns parâmetros gerais e, até aqui, a questão da expressividade foi alargada a todos os criadores de dança moderna do período em que ela surgiu por meio do entendimento de metacinese. Contudo, para a presente pesquisa, verifica-se a necessidade em estudar o entendimento de expressividade naqueles criadores que pesquisavam o centro do corpo, apontando que todo movimento deveria surgir dele para relacioná-la a metáfora centro-periferia. O conceito de metacinese é, de acordo como o referencial empregado neste trabalho, dualista, pois separa do corpo o pensamento e a emoção, apesar disso Martin (2007) não exemplifica como tal entendimento influenciava na criação de movimentos, objetivando torná-los mais expressivos. Até mesmo porque o autor propõe parâmetros gerais para a compreensão da dança moderna, não especificando assim os processos de criação.

Já, por meio dos estudos de artistas como, por exemplo, os que se apropriaram dos estudos de Delsarte, relacionando-os à dança, é possível argumentar a ocorrência da busca pela expressividade à metáfora centro-periferia. Pois localizavam no plexo solar o centro gerador das emoções e, deste modo, o centro do corpo de onde cada movimento deveria surgir. Martin (2007) também fala de um impulso interno, de onde o movimento deveria surgir, mas não explica o que seria esse impulso e nem situa sua localização no corpo. Sendo assim, além dessa expressividade, de acordo com Martin (2007) comum a toda dança moderna, estão apontados abaixo criadores, os quais o entendimento de expressividade pode ser relacionado à metáfora centro-periferia.