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3 REPENSAR AS METÁFORAS DUALISTAS

3.2 DANÇAS CONTEMPORÂNEAS : CONTRIBUTOS PARA OS NÃO DUALISMOS DO

3.2.2 Modos de pensar o corpo a partir do BMC

Outro fator importante de ressaltar, por volta dos anos 1950, foi a ruptura com a premissa de haver uma técnica específica que possibilitava ao bailarino dançar qualquer espetáculo. Conforme Hercoles (2011, p.13) “as produções artísticas promoveram uma revolução nos entendimentos consolidados que pressupunham que há um tipo de preparação corporal que antecede todo e qualquer processo de criação”.

Outra característica surgida nesse período foi o da arte processual em que os espetáculos se caracterizaram por não mostrarem soluções acabadas:

Deste modo, o espectador foi forçado a se engajar aos aspectos temporais da obra, presenciando sua reconstrução em tempo real, ao invés de simplesmente assistir a repetição de soluções definitivas, ou seja, algo já pronto que não se sujeita à ação do tempo. (HERCOLES, 2011, p.14)

Tais mudanças possibilitaram importante alteração nos processos perceptivos pois contribuíram para promover mudanças em que o ambiente cênico - representado por uma obra pronta – tornou-se um ambiente perceptivo – que desestabiliza os padrões conhecidos do corpo que dança e de como a obra se organiza. Conforme a mesma autora ao desestabilizar a importância de uma mesma técnica, propor uma arte processual e um ambiente cênico perceptivo a dança se aproximou das educações somáticas surgidas nos anos 40.

Esses métodos, entre eles: a Eutonia, a Técnica de Alexander e o Método Feldenkrais investem na construção de sistemas pedagógicos não diretivos

e não modelares, um conceito elaborado pela contaminação dos movimentos pedagógicos progressistas, e suas raízes darwinistas, ocorridos no início do século 20, em vários países da Europa. (HERCOLES, 2011, p.15)

Esses métodos propõem um rompimento com o pensamento dualista que separa corpo e mente onde o corpo é entendido como um recipiente em que as informações são acondicionadas. Conforme Queiroz (2009), nos processos da Educação Somática BMC, fundado por Bonnie B. Cohen em 1973 todo o estudo é permeado pela perspectiva de corpo e mente integrados, opondo-se assim ao dualismo corpo-mente. Entretanto, cabe aqui um questionamento, visto que se a proposta é integrar, há um pressuposto de que corpo e mente são coisas distintas e que a integração daria uma “unidade” ou “completude”. Um modo de compreender a pessoa em sua integração corpo-mente. O que difere do pensamento que compreende a mente como corpo, abordado mais adiante.

Por meio de estudos de anatomia do movimento e de fisiologia clínica dos sistemas corporais, o BMC analisa o desenvolvimento evolutivo dos movimentos no corpo em sua relação com o meio, de trocas constantes com o meio, ou seja, sem uma delimitação fixa entre dentro e fora. Para isso, um dos estudos do método é a relação entre vários princípios de movimentos vindos de outras espécies e da espécie humana.

Como parte de sua metodologia, ecossistemas-chaves são estudados como fontes para a categorização dinâmica de movimentos, desde a sua embriogênese. Princípios operadores de movimento pré-vertebrados, herdados de espécies marinhas, têm evolução na direção de movimentos vertebrados de espécies aquáticas e terrestres. (QUEIROZ, 2013, p.70)

Para os de origem invertebrada, o método analisa suas escalas vibracionais e pulsações através de movimentos de absorção. Já para os movimentos de origem vertebrada, utiliza ignições de movimentos e princípios ativos de deslocamento. E, conforme Queiroz (2013, p.71) “[...] auto-organizam a formação embrionária, a interligação de arranjos neuroanatômicos no embate pela vida, e fluxos de energia em regulação permanente pela busca do organismo em alcançar estabilidade”. Isso significa que os mecanismos de movimento do embrião ocorrem por sua herança filogênica, ou seja, por sua história evolutiva.

As informações genéticas já presentes na avó e na mãe passam a irrigar a embriogênese. Na natureza, não basta existir um exemplar cujo gene perambule no caldo genético com potencialidade de chegar ao humano. É preciso que elas sejam efetivamente selecionadas durante a embriogênese e passem a constituir-se como um elemento ativo deste processo de vir-a- ser. Elas elencam princípios que se auto-organizam neurologicamente e refletem a ontogenia do organismo em sua integração embriológica, e vão compor os padrões neurológicos basais. (QUEIROZ, 2013, p.71)

Para este estudo é somente analisado o movimento da estrela do mar pela possibilidade de relacioná-lo com o centro e a periferia do corpo humano. A estrela do mar é um vertebrado da classe dos Equinodermos. Também conhecida como arteroidea, possui simetria radiada em que o corpo é organizado em partes em volta de um centro. No centro, na superfície inferior está localizada sua boca e na superfície superior o ânus. A isto podemos fazer relação com a anatomia do feto humano, lembrando que este possui sua fonte de alimentação no umbigo através do cordão umbilical. A estrela do mar se desloca a partir de movimentos alternados de extensão e retração estabelecendo uma relação entre seu centro e suas partes periféricas. E, esse tipo de movimentação nos foi herdado, conforme Queiroz (2013), como um padrão de irradiação umbilical, ou seja, os movimentos são irradiados do centro – o umbigo – para a periferia que novamente se aproxima do centro num processo contínuo.

Aqui podemos detectar outra informação sobre a metáfora centro-periferia. Situado próximo ao centro gravitacional, o centro umbilical – também conhecido como centro vital – pode ser confundido como igual ao gravitacional. Porém o centro gravitacional é uma força peso resultante da ação atrativa da terra sobre o corpo, essa força situa-se em direção ao centro da terra e age no corpo de cima para baixo, puxando o corpo para o centro da terra. O centro vital estabelece uma irradiação diametralmente, nele a força irradia do centro para a periferia e da periferia para o centro.

Com isso se pode perceber também que, o corpo no eixo gravitacional, estabelece uma relação com verticalidade por conta da força atratora da terra, já no eixo umbilical o corpo estabelece uma relação de movimento delineada do centro para a periferia e vice e versa. Este é um exemplo do BMC que absorvido pela dança contemporânea pode trazer novas possibilidades para pensar a metáfora centro-periferia. Principalmente por meio de uma relação menos hierárquica entre o centro e a periferia, por irradiação e alcance, na alternância entre retração e

extensão. Desse modo o BMC contribui ao romper com a hierarquia do centro, contudo ainda permanece um entendimento metafórico de corpo pautado na divisão centro-periferia.