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Exu como estrutura arquetípica e a influência sobre seus filhos

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CAPÍTULO II. EXU, O ORIXÁ FÁLICO DA MITOLOGIA NAGÔ-YORUBÁ

2.2 As características de Exu nos candomblés

2.2.2 Exu como estrutura arquetípica e a influência sobre seus filhos

O entendimento acerca do caráter e dos comportamentos morais e intelectuais dos filhos de Exu deu-se por meio da análise sob o ponto de vista de Barcellos (2007, p. 9) com as seguintes perguntas: “Quem somos? Como somos? De que forma é traçada nossa personalidade? Como é nosso caráter, nossa índole?

Quais são os elementos que formam esta nossa complicada maneira de ser?” Na perspectiva de Beniste (2006, p. 180), “os Òrìsà surgem nos mitos como personagens de histórias que são nossos próprios modelos de vida”.

No Brasil, além do mais, cada indivíduo possui dois orixás. Um deles é mais aparente, aquele que pode provocar crises de possessão; o outro é mais discreto e é “assentado”, fixado, acalmado. Apesar disso, ele influencia também o comportamento das pessoas. O caráter particular e diferenciado de cada indivíduo resulta da combinação e do equilíbrio que se estabelecem entre esses elementos da personalidade (VERGER, 1996, p. 34).

Cada pessoa tem seu orixá de cabeça, ou seja, uma divindade mitológica primordial que influencia o comportamento do individuo no cotidiano. Podemos fazer um paralelo com as imagens primordiais ou arquétipos.

O arquétipo são ideias preexistentes e supraordenadas aos fenômenos em geral. Arquétipo nada mais é do que uma expressão já existente na antiguidade, sinônimo de ideia no sentido platônico (JUNG, 2011, p. 82).

Portanto, Jung (2011) afirma que os arquétipos são imagens primordiais que se processam e se manifestam influenciando na personalidade e no caráter de cada indivíduo, sendo definitivamente fatores e também motivos que ordenam os elementos psíquicos através de representações de imagens que influenciam e fascinam. “O arquétipo é um elemento vazio em si, nada mais sendo do que uma facultas praeformandi, uma possibilidade dada a priori da forma da sua representação” (JUNG, 2011, p. 87).

Os arquétipos que preexistem à consciência e que a acondicionam aparecem então no papel que realmente desempenham: o de formas estruturais a priori do fundamento instintivo da consciência. Não constituem absolutamente um em-si das coisas, mas sim formas em que são percebidas, consideradas e compreendidas. Naturalmente, os arquétipos não são representações a únicas bases da aparência das representações. Eles são apenas os fundamentos da parte coletiva de uma concepção. Enquanto constituem uma qualidade do instinto, participam de sua natureza dinâmica e possuem, por conseguinte, uma energia específica que determina, às vezes de uma forma constrangedora, modos de comportamento, impulsões. Isto quer dizer que em certas circunstâncias os arquétipos têm uma força de possessividade e de obsessão (numinosidade). Concebê-los sob a forma de daimonia (poderes sobrenaturais) corresponde perfeitamente à sua natureza (JUNG, 1975, p. 299-300).

Stein (1998) argumenta que os arquétipos são padrões em potenciais inatos, imaginações, pensamentos, comportamentos tais que se encontram nos humanos e,

ao longo do tempo, em lugares diversos. Não são frutos que provêm da experiência, e sim da preexistência. “O arquétipo é não só o modelo da psique, mas também reflete a real estrutura básica do universo” (STEIN, 1998, p. 195). Por sua vez, Sharp (1997) afirma que os arquétipos são imagens ou representações que constituem, juntamente com os instintos, os elementos essenciais, primordiais e estruturais da psique. Sob esses pontos de vista, analisamos a influência no comportamento e na personalidade das pessoas regidas por Exu.

A regência que cada força [cada orixá] da natureza exerce sobre nós talha, molda e especifica, claramente, nosso comportamento a partir do momento que se conhece a regência do indivíduo ou, se preferir, o orixá de cabeça da pessoa (BARCELLOS, 2007, p. 9).

Entendemos que Exu, como uma estrutura arquetípica, projeta para seus filhos sua numinosidade, e, de acordo com sua natureza, modela as psiques, refletindo a sua real estrutura, ou seja, a base de seu universo. Isso determina o comportamento de seus regidos. Essas representações arquetípicas manifestam-se de forma nítida e espontânea, impressionando, fascinando e influenciando os seus filhos no cotidiano.

Sob o ponto de vista de Barcellos (2001), existem, nos filhos e filhas de Exu, marcantes traços de personalidade.

Aqueles que são regidos por Exu apresentam uma personalidade muito marcante e um comportamento cotidiano muito diverso. Os regidos por Exu são pessoas altamente fiéis aos seus princípios, aos amigos, às suas causas. São de extrema coragem e dedicação a tudo que se entregam. Amáveis de modo geral, não se preocupam com o tamanho do sacrifício para atender aos que amam. E amam de fato, com uma paixão quase cega, sem limites ou obstáculos. Excelentes amantes, são os fantasiosos e entusiastas do sexo. Se a virilidade é uma característica básica de Exu, é também daqueles regidos por este orixá. São capazes de amar profundamente, até mais de uma pessoa, mas atendendo a todas igualmente e com o mesmo ardor, com a mesma paixão e o mesmo afeto. Os regidos por Exu são comerciantes hábeis e espertos, capazes de fecharem os negócios mais impossíveis e desfazerem outros da mesma maneira graças à sua capacidade em convencer as pessoas. Profissionalmente sempre chegando ao seu objetivo, pois não existe filho de

Exu que não se empenhe até à raiz dos cabelos para conseguir seu intento. São fortes, capazes, românticos, felizes, participativos, francos,

espertos, inquietos, saudáveis, sinceros, astutos, atentos, rápidos, despachados, praticamente invencíveis, ardorosos e sagazes (BARCELLOS, 2001, p. 14-15).

Os filhos de Exu, na concepção de Barcellos (2001), são indivíduos extremamente inteligentes, rápidos, determinados e carregam as características do

arquétipo de Exu. Cada ser, ou, no caso, cada filho de Exu, absorve a influência das imagens primordiais preexistentes que contribuem para a formação de sua personalidade ou da modelagem de sua psique, sendo que estas ficaram mais acentuadas a partir do momento que cada ser vivencia uma experiência religiosa, ou seja, a iniciação ou feitura.

Cada ser carrega em si os desejos, as tendências que a educação, o meio ambiente e os acontecimentos reprimiram ao longo da existência, a tal ponto que a personalidade inicial encontra-se, devido a isto, mais ou menos modificada. É esta personalidade de base que a iniciação reforça e amplia (BENISTE, 2010, p. 263).

Desse modo, os filhos de Exu são herdeiros natos de seus principais atributos. Com isso, causam problemas nos meios em que vivem, provocando inversões da ordem estabelecida, ou seja, subvertendo as ordens social e culturalmente construídas.

O arquétipo de Exu é muito comum em nossa sociedade onde proliferam pessoas com caráter ambivalentes, ao mesmo tempo boas e más, porém com inclinação para a maldade, o desatino, a obscenidade, a depravação e a corrupção. Pessoas que têm a arte de inspirar confiança e dela abusar, mas que apresentam, em contrapartida, a faculdade de inteligente compreensão dos problemas dos outros e a dar ponderados conselhos, com tanto mais zelo quanto maior a recompensa esperada. As cogitações intelectuais enganadoras e as intrigas políticas lhes convêm particularmente e são, para elas, garantias de sucesso na vida (VERGER, 2002, p. 79-80).

Por este motivo, os filhos de Exu são marcados e sempre vistos com certa desconfiança e medo. Todavia os filhos de Exu não se tornam uma ameaça se não houver desigualdades, injustiças, opressões que necessitem subverter o que está estabelecido em favor dos desfavorecidos, ou seja, Exu entra onde existe brecha, falhas, onde precise de movimentação ou mudanças.

Assim, o arquétipo de Exu influencia a personalidade de seus filhos em função de imagens primordiais preexistentes, representações herdadas que são a base da estrutura arquetípica junto à psique de seus filhos, manifestando tendências instintivas e impulsivas. Nesse sentido, percebemos que os filhos de Exu geram muitos conflitos no que tange à sexualidade e liberação, pois, para uma sociedade conservadora e cristã, tais práticas chocam em virtude de suas exacerbações (haja vista as vidas dos filhos de Exu serem regidas por uma intensa atividade sexual). Os seus ímpetos de liberdade trazem desconfortos para uma sociedade que mantém a sexualidade controlada e vigiada.

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