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Legbá (Exu) no Tambor de Mina em São Luís do Maranhão

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CAPÍTULO II. EXU, O ORIXÁ FÁLICO DA MITOLOGIA NAGÔ-YORUBÁ

2.3 A demonização de Exu nos candomblés e em outras religiões afro-

2.3.4 Legbá (Exu) no Tambor de Mina em São Luís do Maranhão

No Maranhão, especialmente na cidade de São Luís, Legbá (Exu) não é nem comentado. O “vodun Legbá”, ou orixá Exu, não é cultuado nas cerimônias do Tambor de Mina em São Luís do Maranhão. Pelo contrário, é afastado no começo das cerimônias através de cânticos. Ferretti (1995) afirma que em uma festa de Averequete, por exemplo, os cânticos iniciam-se com o canto que tem a função de afastamento de Legbá. Percebemos a diferença dos candomblés onde Exu (Legbá) é reverenciado primeiro com o padê (alimento) depois enviado ao encontro dos orixás. Todavia no Tambor de Mina, Legbá (Exu) é afugentado e substituído nas suas funções por outros voduns.

‘Averequete’, filho mais novo, desempenha o papel de Legbá; está a par

dos segredos de seu pai e os revela sem discrição. Esta informação também faz sentido na Casa das Minas, pois os toquenos abrem os caminhos, desempenhando assim o papel de Legbá (VERGER apud FERRETTI, 1995, p. 134).

Pereira (apud FERRETTI, 1995, p. 134) afirma “que ‘Averequete’, no Daomé, representa o papel de trapaceiro, comparável a Legbá, e guarda todos os tesouros do mar”. Nesse sentido, existem algumas semelhanças entre “Averequete” e Legbá, mas tais semelhanças legitimariam a substituição definitiva do vodun Legbá nos rituais do Tambor de Mina?

No Tambor de Mina, o sincretismo com o catolicismo, o espiritismo e a maçonaria representa a parte brasileira desta religião. (...) também dizem que os voduns no Brasil já não são pagãos como alguns voduns africanos e não aceitariam a presença de Legbá na casa ou a adivinhação de Fá (FERRETTI, 1995, p. 111).

Ferretti (2001) discorre acerca da ausência e da negação de Legbá (Exu) nos cultos do Tambor de Mina em São Luiz do Maranhão, e a justificativa dos seus dirigentes.

Entre as características do Tambor de Mina, destaca-se, nas casas mais antigas, a ausência de Legbá dos fons, ou Exu dos yorubás, em decorrência do afastamento de Legbá no Tambor de Mina. Não há culto a Ifá, o deus yorubano da adivinhação, prática de jogo de búzios, sendo a adivinhação realizada por outros processos. Os dirigentes do Tambor de Mina fazem questão de frisar que não fazem feitiçarias e que não trabalham para o mal. Devido a essa evitação de Exu, no Tambor de Mina também não é cultuado o culto de Oxum, cujo nome se assemelha ao de Exu, nem cânticos são oferecidos em sua homenagem. Oxum é substituída por Navezurina que seria outro nome dessa entidade (FERRETTI, 2001, p. 2).

Bastide (2001) percebeu a ausência de Legbá nos terreiros em São Luiz do Maranhão. Ele comenta que Edmar Correia Lopes, após ter visitado os terreiros em São Luís do Maranhão, conversou com Mãe Andresa (Casas das Minas) sobre a ausência desse vodun, mas ela, com toda a convicção, disse que desconhecia Legbá. Portanto, existe uma lacuna no ritual do Tambor de Mina. Daí então a pergunta: “Mas, se Legbá não abre os caminhos e não intercede junto aos deuses para que baixem em seus cavalos, quem o substitui?” (BASTIDE, 2001, p. 201). Nesse aspecto, caracteriza-se a negação do vodun Legbá, passando uma ideia de substituição feita pelos dirigentes dos terreiros de Tambor de Mina. Mas seriam outros voduns equivalentes a Legbá? Não encontramos uma explicação plausível e aceitável. Como percebemos, trata-se do principal vodun, o que abre os rituais e os fecha, o guardião dos terreiros, dos templos e senhor das encruzilhadas, e, segundo o mito “ewe-fon”, o chefe de todos os voduns.

Legbá (Exu), nas Casas das Minas em São Luís do Maranhão, foi demonizado pelo fato de conceberem a dicotomia do bem e do mal a exemplo do catolicismo, este contrário à concepção das demais religiões afro-brasileiras. Para Ferretti (1995), existe, nas Casas das Minas, a crença no Deus Supremo (único) Avievodum, o Criador ou Divino Espirito Santo, mas que está distante da humanidade, e a crença em Legbá (diabo) que é afastado ou excluído dos cultos. Assim, Legbá (Exu) foi associado ao diabo cristão, por isso ele é afastado dos cultos do Tambor de Mina em São Luís. Não obstante, outras divindades (voduns) não demonizadas e sincretizadas com santos católicos passaram a exercer suas funções, apresentando algumas características ou equivalências com Legbá.

Conforme ao mito “ewe-fon”, Legbá não poderia ser excluído do panteão por ser o vodun eleito por sua mãe Mawu para ser o chefe dos demais voduns.

Legbá, o chefe

Quando Legbá era ainda jovem, Mawu, sua mãe, disse que iria mostrar aos outros filhos voduns, que eram mais velhos, quem seria o chefe de todos os voduns, portanto, na qualidade de chefe, teria múltiplas funções. Seria o intermediário entre os voduns e entre os voduns superiores Mawu e Lissá, e também entre os homens. Para isso, Legbá foi testado por Mawu que mandou tocar tambor, flauta, cantar e dançar ao mesmo tempo. Legbá fez tudo com muita mestria onde sua cantiga dizia:

“se a casa está em paz, e se o campo está fértil, eu ficarei feliz”. Então Mawu disse a todos: “Legbá é o chefe”! (ALADANU, 2010, p. 2).

Fica incompreensível o fato de Legbá ser negado no Tambor de Mina em São Luís do Maranhão, sendo que o mito “ewe-fon” nos mostra que ele é o vodun mais expressivo e chefe dos demais, o único que fala a língua de Mawu-Lissá, ou seja, os supremos do panteão. Segundo Ferretti (1996), tal negação deu-se devido às distorções feitas pelo cristianismo.

Sobre a imagem de Legbá/Exu que persiste no imaginário popular brasileiro que afastou o seu culto das cerimônias públicas religiosas afro-brasileiras como uma forma de defesa e continuidade cultural na opressão. A exemplo do que ocorreu no candomblé da Bahia e na Casas das Minas do Maranhão, onde não é oficialmente celebrado por ser visto pelo seu caráter ‘maléfico’, equivalente ao Satanás de acordo com a concepção da própria comunidade (FERRETTI, 1996, p. 126).

Identifica nos escritos de Costa Peixoto a palavra Lebá (do fòn Legbá) que remete a ser a mais poderosa entidade do povo “ewe-fòn”. Entretanto, na cartilha de Costa Peixoto, o termo é traduzido por demônio em função da imposição da ideologia cristã (CASTRO, 2002, p. 3).

Observamos que Legbá é uma divindade diferente das demais do panteão “ewe-fòn”. “Legbá não se assemelha às outras divindades! Seu papel evolui rapidamente” (MAUPOIL apud OLIVA, 2005, p. 30). Sobre tal diferença, Lellis (2001) faz referência a um relato de um mito yorubá.

Os dezesseis grandes orixás originam-se no ventre incestuoso de Iemanjá, mas o nome de Exu não aparece entre eles. Todavia, Exu é considerado irmão de Ogum, de Xangô, de Oxóssi e, portanto, deveria figurar nesse mito como um décimo sétimo orixá, o mais jovem de todos. Deve existir uma razão para esse não aparecimento que só pode ser a de alguma função muito especial desempenhada por essa divindade na cosmologia yorubá. Exu não deve ser um orixá semelhante aos outros (LELLIS apud BASTIDE, 2001, p. 161).

Nada se realiza sem a intervenção ou a ação de Exu. Seu trânsito livre por todos os domínios faz dele um orixá diferenciado, temido e amado, senhor da metamorfose e da evolução. Como vemos, Exu (Legbá) é o orixá (vodun) mais poderoso de todos os orixás e voduns.

Um velho adivinho, original do Abomey, declarou: “Legbá é mais forte que todos os voduns e é especialmente o mais astuto; ele bisbilhota por todos os lugares, está informado de tudo”. É prudente que faça para ele os sacrifícios de que mais gosta (MAUPOIL apud OLIVA, 2005, p. 29).

Portanto, Exu (Legbá) é imprescindível. Dessa forma, afastar ou negar a mais poderosa divindade do panteão fica incompreensível.

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