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O termo despachar Exu

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CAPÍTULO II. EXU, O ORIXÁ FÁLICO DA MITOLOGIA NAGÔ-YORUBÁ

2.3 A demonização de Exu nos candomblés e em outras religiões afro-

2.3.7 O termo despachar Exu

O termo “despachar Exu” não significa mandar Exu embora, mas sim enviá-lo a outros domínios durante os rituais.

Edison Carneiro observa que quando os negros dizem o termo “despacham Exu”, empregam o termo no sentido enviar, mandar. Exu seria como que o embaixador dos mortais; e é porque o consideram servo dos orixás, intermediário entre eles e os homens em suas relações, que o candomblé o festeja em primeiro lugar (BASTIDE, 2001 p. 170).

Observamos que, ao longo do tempo, o processo de demonização de Exu acentuou-se através de interpretações feitas até por determinados pesquisadores que analisaram Exu sob a ótica de sua visão de mundo, ou seja, a cristã. As pesquisas efetuadas nos anos de 1938-1939 em Salvador, na Bahia, pela antropóloga estadunidense Ruth Landes (1967) afirmam que ela presenciou, na companhia de Edison Carneiro, uma cerimônia que nos candomblés se chama “despachar Exu”.

Já são quase cinco horas e vai ter começo uma cerimônia especial, chamada padê. É para despachar o diabo para as estradas, para afastá-lo do caminho dos deuses esta noite. O diabo se chama Exu, uma espécie de demônio muito engraçado que parece um parente. A cerimônia é curiosa. Entramos para assisti-la (LANDES, 1967, p. 50).

Landes (1967) repetiu os termos da mesma forma que os ouviu. Como exemplo, disse que Exu era uma espécie de demônio, diabo muito engraçado, chama-se Exu entre os negros. Despachar o diabo, ou seja, o Exu demonizado, (Exu-diabo) não significa mandar embora, e sim enviar para desempenhar o papel de mensageiro, de intermediário entre o àyiê e o òrun. Ele faz o elo de ligação, desligar e religar, e também ir ao encontro dos orixás. Tudo isso faz parte das múltiplas funções de Exu, todas pertinentes aos seus domínios, existindo, porém, muitas controvérsias acerca desse orixá.

Exu (ou Elegbará) tem sido largamente mal interpretado. Tendo como reino todas as encruzilhadas, todos os lugares esconsos e perigosos deste mundo, não foi difícil encontrar símile no diabo cristão (CARNEIRO, 2008, p. 69).

Nesse sentido, o Babalorixá Pai Azánrúmjí (2011) afirma que o padê de Exu (Figura 18), uma cerimônia em honra a Exu, é muito associado ao termo despachar, que não significa dispensar Exu, e sim alimentá-lo para posteriormente enviá-lo ao encontro dos orixás a fim de convocá-los para que venham até o aiyé (terra). Exu, por conhecer as línguas dos mortais e dos orixás, tem a incumbência do ipadé7 (encontro), ou seja, levar o chamamento dos seus filhos aos demais orixás no òrún (céu) para que venham ao encontro de seus filhos.

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Ipadé é levar aos orixás o chamamento dos seus fihos, ou seja, significa encontro (AZÁNRÚMJÍ,

Figura 18

Padê de Exu

Fonte:http://centropaijoaodeangola.net/pade/amala_exu.jpg

Acesso em: 04 Jul 2012

Carneiro (1981) faz referências ao papel determinante do sincretismo religioso na Bahia e, concomitantemente, no Brasil, e a aceitação dos negros que conviviam e convivem em dois mundos religiosos, ou seja, nos candomblés e no catolicismo. A identificação de Exu com o diabo cristão ocorreu em razão dele se tornar protetor dos negros (agente libertário e vingador). Para Bastide (1971, p. 97), Exu foi eleito pelos negros em virtude de suas características aguerridas e guerreiras, uma vez que “seu caráter de divindade da ordem cósmica para ocupar antes de tudo a regência da ordem social, mais exatamente lutar contra a desordem de uma sociedade de exploração racial”.

Exu presidia à magia, na grande revolta dos escravos contra o regime de opressão a que estavam submetidos, tornando-se o protetor dos negros (magia branca), ao mesmo tempo em que dirigia cerimônias (magia negra). É claro que os brancos se amedrontariam – alguns deles até mesmo encontraram a morte envenenados por plantas conhecidas como “amansa senhores” – e identificaram Exu com o diabo dos cristãos, vendo nele o principio do mal, o elemento demoníaco do universo (BASTIDE, 2001, p. 162).

Entretanto, os senhores tinham temor à magia, ou seja, não subestimavam tais forças que lhe eram desconhecidas, mesmo sendo consideradas supersticiosas ou crendices pagãs.

O pensamento mágico imagina que nesse mundo existem forças ocultas portadoras de infortúnios e adversidades, provocadoras de baques e acidentes inexplicáveis, do tipo emboscada, incêndio, seca, pragas na lavoura, doenças e epidemias que se abatem sobre seres humanos e animais (PIERUCCI, 2001, p. 54).

Outros elementos que contribuíram para a demonização de Exu é o fato de representar a resistência e os ideais libertários, ou seja, Exu, naquele contexto histórico, serviu para os negros como um instrumento de resistência, de escudo e espada contra a opressão dos brancos. Para Ortiz (1999), essa resistência é no sentido de que Exu foi o único orixá que permaneceu negro já que os demais orixás foram branqueados ao longo do tempo devido aos sincretismos.

É neste contexto de tensão que o poder de Exu cresce ao ponto de ser adorado como orixá, encarnando o mal (para os inimigos do oculto), aquela força capaz de impedir com o seu poder, de qualquer maneira, acima do bem e do mal, a perseguição ao terreiro (MOURA, 1888, p. 130).

Assim, os negros utilizavam de Exu para amedrontar seus opressores, para tanto, deixavam ou legitimavam a símile com o diabo cristão propositalmente para aterrorizar seus inimigos, reforçando o trino-personagem Exu-negro-diabo. Prandi (2001) afirma que os próprios negros, em determinados contextos históricos, reconheciam em Satã o poder da possessão, e associavam a Elegbará (Exu) ao afirmar que este se apoderava deles. Tudo isso era uma forma de poder utilizada contra seus opressores.

Portanto, fica incompreensível e contraditório afastar ou negar uma divindade imprescindível. “Nada se faz sem Exu – assevera-me Maria José, neta de africanos. Para conseguir qualquer coisa, é preciso fazer o despacho de Exu, porque, do contrário, ele atrapalha tudo. O despacho de Exu é a cerimônia inicial” (RAMOS, 2001, p. 42). De acordo com o mito primordial nagô-yorubá, Exu, ao ser mandado embora, imediatamente fecha todas as entradas, ou seja, todos os caminhos, porque ele é o senhor das encruzilhadas.

Exu, ao ser mandado embora da casa de Orúnmílá, foi para sua encruzilhada e acabou com a clientela do senhor Ifá, obrigando o orixá fun

fun (de branco) a trazer Exu de volta para sua casa e negociar com ele

(PRANDI, 2001, p. 339).

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