• Nenhum resultado encontrado

F AMA DE F AMÍLIAS P AULISTAS SEREM C RISTÃS N OVAS

Um dos mais interessantes casos e que bem ilustra a tese de que, junto com a nobi- litação social, ocorria a “limpeza de sangue”, é o que ocorreu na família Taques e Proen- ças. Como o tronco dos Taques se casou com a filha do tronco dos Proenças, temos que todos os Taques são Proenças, mas nem todos os Proenças são Taques. O primeiro Taques que passou para São Paulo foi Pedro Taques, que teria nascido na vila de Setúbal por volta de 1566. Há diversos processos de habilitação ao sacerdócio da família Taques, a saber:

Na habilitação280 do Padre Guilherme Pompeu de Almeida, em 1679, nada constou que a família fosse cristã-nova e nem houver rumor. O que ocorreu é que, pela família Ta- ques, o suplicante mostrou que não se fazia necessária a provança de limpeza de sangue, uma vez que seu primo irmão, José Pompeu de Almeida, igualmente neto de Pedro Taques, já o havia feito. Nesse processo constou que Pedro Taques era natural de Setúbal.

O Capitão Mor Pedro Taques de Almeida, neto do tronco dos Taques, pediu para si um instrumento281 de puritatis sanguinis, querendo provar que era cristão-velho. Em 1702 o Desembargador Dr. Antônio Luís Peleja, ouvidor geral e corregedor da comarca de São Paulo, deu sentença favorável ao requerente. No instrumento, consta o nome de seus pais, avós e bisavós. Sobre seu avô paterno Pedro Taques consta que era natural de Setúbal, se- cretário de D. Francisco de Sousa, governador general que foi do Estado do Brasil, filho de Francisco Taques282, natural de Brabante, dos estados de Flandres, e de sua mulher Inês Rodrigues. Do bisavô Antônio de Proença, que foi moço da câmara do Infante D. Luís, natural da aldeia do Mato, junto a vila de Covilhã. Nada consta que o Proença tivesse rap- tado alguma freira. Oito pessoas testemunharam a favor do Capitão Mor Pedro Taques de Almeida.

280

Processo nº 1-1-24, de genere et moribus, ano de 1679, do Padre Guilherme Pompeu de Almeida, no Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo.

281

Foi apresentada uma cópia da sentença no processo cível movido por D. Gertrudes de Almeida contra João de Almeida Leite, em 1757. Esse documento encontra-se erroneamente anexado ao processo de João Carvalho Maia contra o Coronel Antônio de Oliveira Leitão, em 1707. Depositado na Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo, sob nº de ordem 3445.

282

Não consta o apelido Pompeu, como consta na obra do genealogista Pedro Taques. LEME, Pedro Taques de Almeida Paes (*1714, †1777)- Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica, 5ª ed., 3

No processo283 de habilitação ao sacerdócio de Salvador Domingues, em 1709, ele um Proença, a questão voltou à tona. Algumas testemunhas ouvidas, em 20 de março de 1709, tiveram dúvida sobre se os Proenças seriam limpos de sangue. Foi, então, apresenta- da uma petição de um parente seu, de nome Pedro Nunes Cubas, igualmente Proença, que obtivera, em 15 de novembro de 1703, uma sentença feita pelo escrivão da Câmara Eclesi- ástica o Beneficiado Salvador Franco Raynho, concedida pelo Bispo do Rio de Janeiro D. Francisco de São Jerônimo, enfatizando que era cristão-velho por seus avós e que, com referência aos Proenças, tiraram inquirições nas vilas de Belmonte e de Covilhã, onde constou284 que os Proenças eram inteiros cristãos-velhos, sem fama alguma em contrário, e teve muitos cônegos nas catedrais e comissários do Santo Ofício.

Um dos mais interessantes relatos sobre a família Taques foi proporcionado pelo familiar do Santo Ofício José Ramos da Silva, o pai dos escritores paulistas Matias Aires e de Teresa d’Horta285. Vale a pena transcrever para se analisar ao ponto que chegou aquela sociedade contaminada pela política da denúncia, como verdadeiros membros de uma Gestapo moderna. A denúncia é encontrada em uma longa carta contra o Padre Lourenço de Toledo Taques, escrita na cidade de São Paulo em 20 de novembro de 1717 e encami- nhada286 ao Santo Ofício da Inquisição, juntando uma carta-denúncia assinada por José Soares de Barros, e a qual segue em Anexo, depreende-se o verdadeiro ódio que o familiar tinha da família Taques.

José Soares relatou que no fim do mês de julho de 1717, ausentaram-se da cidade de São Paulo, com direção a Minas Gerais, dois estudantes, filhos de Francisco Rendom e de sua mulher Maria de Araújo, um por nome Francisco e outro por nome Pedro. E que o motivo dessa ausência é que suas mãe, irmãs e outras mulheres, faziam sinagoga em casa deles, e que o Rabino era um clérigo, primo irmão de Maria de Araújo.

José Ramos explica aos inquisidores que Maria de Araújo era filha de Pedro Taques de Almeida, e este teve uma irmã chamada Ana de Lara, que se casou com João de Toledo

volumes, São Paulo, 1980: Editora Itatiaia/EDUSP. volume I, p. 111.

283

Processo nº 1-3-61, de genere et moribus, ano de 1709, de Salvador Domingues, no Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo.

284

O que nada provava. Aliás, não consta em documentos paulistas coevos a naturalidade de Antônio de Proença.

285

Teresa d’Horta foi batizada em 4 de junho de 1711 na cidade de São Paulo, na igreja da Sé, consoante a certidão de batismo solicitada em 1762 (Dispensas Matrimoniais Avulsas, Arquivo da Cúria Metro- politana de São Paulo).

Castelhanos, da qual teve um filho por nome Lourenço de Toledo Taques, que era o clérigo do qual falava o denunciante José Soares. E acrescentou que Lourenço ia para a casa de sua prima onde gastava a maior parte da tarde em merendar e cear. Da família Taques, José Ramos esclarece que era uma família respeitada entre os seus parentes e não há quem quei- ra ofendê-la, e que a causa disso é que se casavam uns com outros, com dispensa, e que com este efeito tinham feito um tronco muito poderoso. Relata que os Taques pagaram a finta por serem homens da nação. E finaliza que houve em São Paulo um tal de Luís de Paredes, que foi morar no Rio de Janeiro e lá foi dono de um engenho, o qual era conheci- do por cristão-novo, tendo sido pai de Filipe de Paredes287, que depois de ter ido para Montevidéu foi preso no Rio de Janeiro e levado para a Inquisição de Lisboa. E que com esse Luís de Paredes teve a mais estreita amizade com o dito Pedro Taques de Almeida, de tal sorte que sendo desta aquela cidade mais de cem léguas por terra, e caminho mui áspe- ro, mandou o mesmo Pedro Taques um mulo de presente ao dito Luís de Paredes. E que uma irmã desse Luís de Paredes, de nome Brites Aires288, também muito conhecida por ser cristã-nova, moradora que foi nesta cidade de São Paulo, a qual a mataram nesta mesma cidade. Quem poderia dar notícias dessa amizade de Pedro Taques com Luís de Paredes, poderia ser um irmão daquele, de nome Diogo de Almeida Lara, morador na cidade do Rio de janeiro e que então se achava nas Minas.

Em outro processo289, agora de Leitura de Bacharéis, no ano de 1728, do Dr. Pedro Taques de Almeida, um dos filhos de D. Francisco Rondon e de D. Maria de Araújo, acima denunciados pelo Familiar José Ramos da Silva como sendo cristãos-novos, houve restri- ção ao habilitando, apesar de o Desembargador Francisco Galvão acreditar que o habili- tando era cristão-velho e de limpo sangue, sem raça de judeu, mouro, mulato ou de outra infecta nação, nos dizeres de época. Mas acrescenta:

É porém verdade que o avô materno Pedro Taques de Almeida padeceu fama, ou rumor de Judeu, mas sem fundamento: porquanto Antônio de Proença tendo duas filhas casou uma com Francisco Vaz, e outra com Pedro Taques terceiro avô do habilitando; e na finta que obrigara a pagar aos Judeus foi lançado Francisco Vaz, e pelo parentesco entre ele, e Pedro Taques, os inimigos deste o infamaram, e por razão da mesma inimizade hereditária na família dos Camargos com a dos Ta-

287 Não consta na obra da Professora Anita, Inquisição: Prisioneiros do Brasil. Mas consta que um filho de Luís de Paredes, Francisco de Paredes, foi preso em 1716, além de outras filhas do mesmo Luís de Paredes.

288 Parece haver confusão de José Ramos da Silva. De acordo com a tese de doutorado de Lina Gorens- tein, O sangue que lhe corre nas veias, volume II, p. 111, Brites Aires, moradora em São Paulo, era

mulher de Luís Rodrigues de Andrade, e tia-avó do poeta e dramaturgo Antônio José da Silva. 289 Leitura de Bacharéis. Maço nº 4, doc. nº 30, do Dr. Pedro Taques de Almeida. In IAN/TT.

ques foram sempre dando alento a esta infâmia, que se tem purificado em pessoas de muitos sacer- dotes, e religiosos, irmãos, e filhos do mesmo Pedro Taques.

No processo290 de habilitação ao Santo Ofício, em 1745, do candidato Salvador Corrêa de Toledo, outra vez a fama de cristãos-novos dos Taques veio à tona. Uma das testemunhas ouvidas, em 6 de setembro de 1745, Miguel Fragoso de Matos, natural da vila de Mogi das Cruzes, de 63 anos de idade, declarou que ouviu a Tomé Pimenta, já falecido, que não queria casar uma filha sua com pessoa da família Taques por se dizer tinha esta família raça e cristão-novo, mas que entendia ele testemunha ser este dito sem fundamento, porque todas as pessoas que conhecem esta família são todas bem inclinadas, e devotas, sem que em tempo algum houvesse cousa em contrário. Sabia que um membro dessa fa- mília, o Padre José Pompeu, irmão de Pedro Taques de Almeida e cunhado de João de To- ledo Castelhanos, bisavô materno do candidato, fora habilitado pelo ordinário e se tornara clérigo, o qual, perseguido pelo Sr. Bispo Dom José de Barros de Alarcão, se ausentara pelos sertões sem que houvesse mais notícia dele, só sim que lhe fora assistir a sua morte e confessá-lo, por instinto, o Padre Belchior de Pontes, da Companhia de Jesus, ausentando- se dos companheiros sem saber-se por onde, vindo de uma aldeia.

Há um caso, que não se refere a São Paulo, mas poderia muito bem se referir. De um processo do Santo Ofício, o historiador Nathan Wachtel, especialista em perceber há- bitos marranos em comunidades, transcreveu291 um diálogo ocorrido em 1658 em Amster- dã, terra de refugiados cristãos-novos portugueses. A conversa teve por interlocutores o carioca Domingos Pimentel, um jovem loiro, sobrinho de Miguel Cardoso, habitante do Rio de Janeiro, e um homem alto. Falavam sobre a cidade do Rio de Janeiro. O homem alto interveio:

− Ainda lá fazem uma festa ao sábado, na ermida de Nossa Senhora da Ajuda, fora da cidade? Domingos Pimentel: − Sim, ainda se faz essa festa.

O jovem loiro: − Que festa vem a ser essa? O homem alto: − É a festa da Rainha Ester!

Continuando a conversa, o homem alto pediu notícias do escrivão Pedro da Costa:

Domingos Pimenel: − Continua vivo.

O homem alto: − Ainda anda com um lenço na mão, atrás das costas? Domingos Pimentel: − Não reparei nisso!

290 Processo de habilitação ao Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. Maço nº 2, doc. Nº 34, ano de 1745.

In IAN/TT.

291

O jovem loiro: − O que é esse lenço?

CAPÍTULO 3: SÃO PAULO E O JUDAÍSMO