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O C OMPORTAMENTO DO P AULISTA EM RELAÇÃO À I NQUISIÇÃO

Origem XVI XVII XVIII Sem data Total %

O C OMPORTAMENTO DO P AULISTA EM RELAÇÃO À I NQUISIÇÃO

São Paulo não era ainda nem vila. Corria o ano de 1554, ano de fundação de São Paulo. Sabendo da ameaça da chegada da Inquisição a São Paulo, os paulistas, em palavras de zombaria, afirmaram que receberiam o Santo Ofício a frechadas. De uma carta320 escrita pelo Irmão José de Anchieta, em [1º de setembro de] 1554, de São Paulo de Piratininga, ao Padre Inácio de Loyola, em Roma, lê-se:

[Um irmão de um dos moradores de São Paulo de Piratininga].. advertindo-se de que tivesse cuida-

do com a Santa Inquisição por seguir alguns costumes gentílicos, respondeu que vararia com fle- chas duas inquisições.

Igual destemor ao Santo Ofício da Inquisição se repetiu321, tempos depois, em uma bandeira comandada pelo bandeirante André Fernandes, fundador da vila de Santana de Parnaíba, tendo ainda por capitães Francisco de Paiva, fulano Pedroso, Domingos Álvares e Baltazar Fernandes, fundador da vila de Sorocaba e irmão de André Fernandes. Os pau- listas foram responsabilizados pela morte do Padre Diogo de Alfaro, comissário do Santo Ofício, juiz comissário contra os portugueses, reitor do Colégio de Assunção do Paraguai e superior de todas as reduções indígenas, no ano de 1639. Ele havia sido enviado pela In- quisição de Lima para investigar o comportamento dos “rebeldes” paulistas e excomungar os desobedientes.

De fato, o Padre Diogo de Alfaro, em 19 de fevereiro de 1638 das Reduções de São Nicolau de Piratini e Candelária de Caaçapimi, intimou, sob pena de excomunhão maior, aos capitães André Fernandes, Baltazar Fernandes, Fulano Preto, Fulano Pedroso, Domin- gos Álvares, Fulano Paiva e todos os demais, assim castelhanos como portugueses, que vinham em sua companhia:

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LEITE, Serafim. Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil. São Paulo/Coimbra, 1954. Volume II, p. 215.

321 Manuscritos da Coleção De Angelis: Jesuítas e Bandeirantes no Tape (1615-1641). Introdução e

notas por Jaime Cortesão. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1969. Volume III, pp. 390-393, 405- 406.

Que retrocedam logo para as suas terras, sem levar consigo índio de qualquer sexo ou idade dos que estavam reduzidos pelos padres da Companhia, ainda que alguns digam que querem ir com eles; Que restituam e paguem todos os bens, tanto eclesiásticos, como dos próprios índios das redu- ções que destruíram e talaram;

Tudo o qual os ditos portugueses e cada um em particular, segundo o que lhes toca, guardem e exe- cutem dentro das vinte e quatro horas primeiras seguintes, depois da notificação deste auto; e, caso contrário, os declara por excomungados e contra eles procederá, onde quer que estejam.

O notário João Batista de Orno, dias depois, em 25 de fevereiro de 1638, estando presentes o Padre Comissário Diogo de Alfaro, o Mestre de Campo Gabriel de Insaurralde, da cidade de Siete Corrientes, e Padre Pedro Romero, nos campos da redução que foi da Candelária de Caaçapamini, declarou que tentou intimar o auto anterior a Francisco de Paiva, Antônio Pedroso e muitos outros portugueses que o não quiseram ouvir. Visto isto,o padre comissário disse em voz alta e inteligível a aqueles portugueses que, na sua qualida- de de juiz comissário, lhes intimava as ordens do auto sob as penas citadas. E tendo-lhe respondido um dos portugueses que ali estava que apelaria do dito padre comissário, este declarou que, não obstante qualquer apelação, lhes mandava todo o sobredito, pedindo ao notário desse fé do caso e ao mestre de campo e ao Padre Pedro Romero fossem boas tes- temunhas do que se passava.

Em uma carta do Cabido Eclesiástico de Assunção informando o Vice-Rei do Peru da benevolência com que o Governador do Paraguai tratava os bandeirantes, ultimamente aprisionados, em 18 de abril de 1639, ele escreveu que, nessa ocasião, os portugueses ma- taram com uma bala na fronte o padre Diogo de Alfaro, Comissário do Santo Ofício e Su- perior de todas as reduções.

Na fase áurea da Inquisição em terras brasileiras, nos primórdios do século XVIII, a reação à Inquisição era outra. Agora era de pavor e pânico. Percebe-se esse sentimento por uma denúncia322 feita pelo Familiar do Santo Ofício José Ramos da Silva, em 8 de novem- bro de 1717, da cidade de São Paulo, contra Antônio Coelho.

Segue na íntegra a denúncia: Ilustríssimos Senhores Inquisidores

O mês próximo de outubro passado, me encomendou o Reverendo Padre Reitor do Colégio desta Cidade Simão de Oliveira lhe chamasse ao dito Colégio umas certas pessoas, que moravam fora com bastante distância, que assim era necessário para o serviço desse Santo Tribunal, em obser- vância do que sem repugnância me pus a caminho, a chamar aquelas pessoas, entre as quais era um Antônio Coelho, natural desta mesma cidade, porém habitador no interior dos matos, aonde indo eu a sua casa, e já perto dela encontrei com ele, e um filho seu, ambos a pé, e como eram meus conhecidos, me saudaram, e perguntaram para onde era a minha jornada, eu lhe respondi que ia à

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sua casa dizer-lhe que chegasse à cidade porque nela era necessária a sua presença para certo particular/ e não lhe disse nem falei em que particular/ o que ouvido por ele me disse que não podia ser naquela ocasião porquanto ia de jornada para outra parte neste caso lhe disse que o particular para que era chamado não sofria a menor demora, e assim lhe rogava fosse como lhe pedia visto estar já em caminho logo me perguntou o para que era, eu lhe disse que não sabia, mas que sua mercê na mesma cidade saberia. Logo ele se mostrou turbado, e disse ai que já sei o que é, muitos

anos há que esperava isto, vosmecê senhor José Ramos vem prender-me pelo Santo Ofício [grifo

meu] o que ouvido por mim, lhe disse que não falasse naqueles termos porque quando assim fosse havia eu de proceder em outros termos, e que eu lhe não havia falado em cousas do Santo Ofício não quis crer-me antes virando-se para o filho ... ide dizeis a vossa Mãe que o senhor me leva preso; depois do que lhe disse eu que tanto não era o que ele dizia que lhe encomendava viesse só para a cidade que eu ia a outra parte e que cá nos viríamos; pelo que eleito o que o dito homem mostrou no semblante, me parece que se eu lhe perguntasse qual era a sua culpa, acharia ser muito grave, segundo aquele tão grande rosto, este homem é já antigo, e deste pequeno indo, acolheram os Ilustríssimos o que lhe parecer, que passa na verdade como aquele que se requerem tais cousas. Deus Nosso Senhor guarde os Ilustríssimos em sua graça.

São Paulo, 8 de novembro de 1717 anos. Inútil criado dos Ilustríssimos

CAPÍTULO 4: PADECENDO NO PARAÍSO