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ANÁLISE DOS DADOS “É um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando a

3.1 Representações discursivas construídas para LCC no discurso de MA

3.1.3 REPRESENTAÇÕES DA FORMA DE SE EXPRESSAR DE LCC

3.1.3.3 A fala e a expressão

(6MA2) Dos modernos do Nordeste é você incontestavelmente muito superior aos outros, sem mesmo, dentre os que eu conheço, possibilidade de comparação. [...] Mande coisas e cartas. A fala serelepe de você dá na gente, espeta, pinga, chuça, faz cócega, é engraçada e sagui. Me diverte e é verdadeira, por isso além de divertir comove.

(8MA2) Falar nisso, os “Atos dos Modernos” que você publicou em Letras Novas são um achado. Está finíssimo como invenção [...]. De moderno mesmo só você. Pela sensibilidade pelo inédito da invenção, pelo cortante e incisivo da expressão. Gostei de verdade dos “Atos dos Modernos”.

Introduzido por descrição definida, o referente “fala” de (6MA2) é qualificado como “serelepe”, o que ativa a representação do estilo alegre (1MA1) e da linguagem enérgica (2MA1). A fala serelepe, engraçada e sagui, que diverte e comove de (6MA2) mantém a isotopia do estilo atual, vivaz, serelepe que dá alegria e entretece (1MA1). Note-se que “serelepe” de (1MA1) é retomado em (6MA2), mantendo a orientação argumentativa na linha da representação do estilo enérgico, forte, vivaz, eficaz e incisivo. É interessante observar que o qualificativo “serelepe”, usado para predicar o substantivo “estilo” em (1MA1) é reativado em (6MA2) para predicar a fala, passados mais de dozes meses entre uma missiva e outra. Ao referente “fala” ainda é atribuída uma série de predicadores que se manifestam por meio das proposições acionais constituídas com verbos de ação: dá, espeta, pinga, chuça, faz cócega, diverte, comove. Essas ações são postas como propriedades do objeto de discurso fala e se ancoram numa perspectiva metafórica que conduz à descrição desse objeto como representação de características do próprio Cascudo, como estilo, linguagem, expressão. Assim, a fala que dá, espeta e chuça é penetrante, incisiva e direta. Essas propriedades têm a particularidade de delinear uma linha metafórica sobre a qual é construída a representação do objeto fala. Essa

representação recupera as representações construídas para o estilo incisivo (1MA1), a linguagem direta (2MA1) e a dicção com pontaria certeira (2MA2), mantendo a isotopia da inteligência eficaz.

A fala de LCC também pinga, faz cócega, é engraçada e sagui, e, portanto, provoca, estimula, diverte e comove. O emprego metafórico de verbos de movimento confere mais dinamismo às ações, atribuindo mais concretude e realismo ao objeto descrito: “fala”, objeto abstrato, ganha traços de objeto concreto e “palpável”. É interessante observar a proximidade semântica entre as predicações: “espeta”/ “chuça”, “pinga”/ faz cócega”, “é engraçada”/ “diverte”. Esse recurso representa o quadro de referência que constrói o sentido do texto e funciona como recurso coesivo que promove a sua continuidade. Assim como as “coisas” de (3MA1), que são ditas com leveza e graça, a fala (“coisa”) é engraçada, diverte e é, também, verdadeira. O modalizador epistêmico asseverativo “verdadeira” vem complementar, de forma contrastiva, a descrição do sentido de fala, afetando suas propriedades intensionais e agregando novos traços de qualificação.

O referente “expressão” em (8MA2), modalizado pelos qualificadores “cortante e incisivo”, retoma o estilo inciso (1MA1) e a fala que espeta e chuça (6MA2). Após essas afirmações avaliativas, MA faz uma avaliação afetiva – optando por verbo de processo mental afetivo (“gostei”) – que revela subjetividade na apreciação do texto do amigo. Essa avaliação é intensificada pelo modalizador “de verdade”, cujo efeito de sentido é garantir a veracidade das afirmações. A afirmação “Gostei de verdade dos Atos dos Modernos” fecha o período descritivo, retomando o referente introduzido na abertura por pré-tematização.

2.1.3.4 A palavra

(11MA1) Aquela síntese histórica de Natal está simplesmente estupenda como estilo vivaz e eficiente. A palavra na mão de você é feito guampa de marruá danado, chuça a gente direito mesmo. Se tem uma impressão até física, puxa!

O sentido do enunciado de (11MA1) é construído com base na relação de analogia, comparação e metáfora. A segunda proposição do fragmento (11MA1) é introduzida por expressão metafórica “a palavra na mão de você”, cujo sentido pode remeter a habilidade com as palavras, habilidade de linguagem e habilidade com a

escrita. A construção desse último significado é a mais pertinente visto que se trata da linguagem escrita. O sintagma referencial palavra é posto em relação comparativa com a expressão “guampa de marruá danado”, ativando o sentido de incisivo, cortante, estimulante, que é reforçado por verbo de ação (chuçar). A forma verbal “chuça” foi motivada pela analogia entre a palavra e a guampa do marruá, associação que funciona como recurso coesivo do texto, concorrendo para a sua progressão e coerência. Essa comparação se encarrega de orientar a interpretação no eixo metafórico. A seleção desse eixo não é neutra, ela influencia a construção das isotopias que orientam a interpretação do leitor.

A escolha de verbos de ação predicando, numa relação metafórica, referentes não tidos comumente como agentes (no caso, “palavra” como sujeito de verbo dinâmico “chuça”), confere dinamicidade, versatilidade e maior precisão semântica ao discurso, fazendo com que se tenha uma impressão mais realista da situação. Essa precisão é reforçada pelo próprio enunciador nos termos da proposição: “Se tem uma impressão até física”. A expressão “guampa de marruá” vem ativar e reforçar a representação construída para o referente fala em (6MA2). Assim, a palavra que chuça como “guampa de marruá danado” pode ser interpretada como a reafirmação da fala que “dá na gente, espeta, pinga, chuça”, mantendo isotopia com o estilo incisivo (1MA1) e o cortante e incisivo da expressão (8MA2). A escolha da forma verbal “chuça” para predicar o referente “palavra” (11MA1) recupera, portanto, a representação do estilo (1MA1), da fala (6MA2) e da expressão (8MA2). A fala que espeta e chuça (6MA2), o cortante e incisivo da expressão (8MA2) e a palavra que chuça (11MA1) podem ser postos em correspondência com a pontaria certeira da dicção (2MA2). Essas expressões atributivas para os referentes dicção, fala, expressão e palavra podem ser interpretadas sob a isotopia do estilo incisivo ativado em (1MA1) e têm participação na orientação argumentativa dos textos.

3.1.3.5 A inteligência

(1MA2) Acredite que não me esquecerei mais de você. Não tanto por agradecido. Isto é, sim: por agradecido. Gratidão maior que lhe tenho da revelação de mais uma inteligência viva e eficaz. Nunca fui caçador de elogios. Criei para meu uso uma

couraça de tatu onde os elogios resvalam. Mas não há tatu, por mais ressabiado, por mais duro de costado que não tenho o seu calcanhar de Aquiles [...] Meu ponto vulnerável é a confirmação das inteligências fortes. Você tocou-me rijo.

(3MA1) Gostei de saber que você (você = tu) está folclorizando. Isso mesmo. Trabalhe e mande as coisas que fizer. Me interessam formidavelmente porque são inteligentes, bem pensadas, ditas com leveza, graça.

(18MA3) Mas nunca deixei de considerar o valor de você e a sua inteligência. Minha convicção é que você vale muito mais de que o que já produziu.

O referente inteligência (1MA2) é introduzido por meio da descrição indefinida “uma inteligência”, e modalizado de forma apreciativa pelos adjetivos “viva” e “eficaz”. “Inteligência viva e eficaz” é, portanto, uma representação construída através do texto. Ancorada nesse objeto, surge a expressão referencial “inteligências fortes”. Essa reiteração dá continuidade ao percurso de sentido construído no texto, marcado pela associação dos qualificativos. “Viva”, “eficaz” e “forte” não são propriedades inerentes a inteligência, mas lhe foram atribuídas para reforçar essa qualidade. Com efeito, por meio da qualificação, foram conferidas propriedades novas ao escopo inteligência/inteligências, construindo uma representação discursiva de LCC como homem inteligente, mas não de uma inteligência comum, e, sim, de uma inteligência forte e eficaz. Essa inteligência toca o autor da carta. Mas não apenas toca, toca-o de forma intensa, rígida. Note-se que “rijo” modaliza o processo “tocou-me”, como modificador do predicado, e mantém relação de isotopia com a inteligência forte. Tocar rijo é tocar fortemente, de forma intensa.

Em (3MA1), ao objeto de discurso designado como “coisas”, é atribuída uma série de propriedades que vão compor uma representação para o estilo de LCC. O referente recebe qualificações como “inteligentes, bem pensadas, ditas com leveza, graça”. Chamamos a atenção para o predicador “inteligentes” – é interessante observar que esse predicador reativa “uma inteligência viva” e “as inteligências fortes” (1MA2), mantendo e complementando a representação construída no texto de 1924 (1MA – 14/08/1924), passados já alguns meses. Coisas inteligentes são as que revelam inteligência, qualificação que recupera, de forma isotópica, a representação construída para LCC. As “coisas” de LCC também são ditas com “leveza e graça”, o que remete à representação construída para a

“linguagem simples” em (2MA1) e para o estilo que “dá alegria” e “entretece” em (1MA1).A escolha desses adjetivos, carregados de valor avaliativo, permite orientar a interpretação e construir a representação do objeto de discurso. Ainda sobre o referente nomeado como “coisas”, MA informa que lhe interessam, e emprega o modalizador “formidavelmente” para intensificar esse interesse. Ao justificar, em seguida, o motivo dessa apreciação, o autor propicia espaço para avaliar positivamente esse objeto de discurso, estabelecendo, entre seu interesse e sua avaliação, uma relação de causalidade operada por meio do conector “porque”.Esse operador de argumentação permite a reutilização do conteúdo proposicional como um argumento encarregado de reforçar a qualificação do referente (Cf. ADAM, 2008a, 2011a, Cap. 3, item 5). Assim, o referente é retomado e sobre ele incide nova predicação: “[as coisas] me interessam, porque [elas] são...”

O enunciado (18MA3), iniciado pelo conectivo “mas”, destaca mais uma vez a inteligência do autor natalense. Esse fragmento, extraído da carta de 09/06/1937 (carta triste e difícil nas palavras do próprio Mário), com toda rispidez e em meio a algumas reprimendas e comentários críticos sobre a produção literária do natalense, traz à tona essa palavra elogiosa. MA confessa que não gosta abertamente dos trabalhos de LCC. Em seguida – talvez como uma forma de atenuar os motivos que passa a descrever nas quase quatro páginas seguintes –, declara o valor do amigo e endossa a sua inteligência, reafirmando a representação construída nas primeiras cartas da correspondência (cf. enunciados (1MA2) e (3MA1)). A presença do conector “mas” permite introduzir – em meio a uma série de informações novas sobre o interlocutor, na contramão das Rds construídas até então – uma imagem positiva de LCC, reafirmando a representação do homem inteligente construída nas primeiras cartas. O elemento mas, conector contra-argumentativo marcador de um argumento forte (Cf. ADAM, 2008a [2011a]) possibilita ao locutor introduzir uma ressalva no seu discurso e, ao mesmo tempo, refutar um possível ponto de vista adversário. Assim, MA deixa assegurado que, embora não gostasse abertamente dos artigos de LCC, isso não fazia com que deixasse de considerar a inteligência do escritor natalense. Fica sugerido o desperdício dessa inteligência de LCC, a qual não estava sendo aproveitada para produzir “obras de real valor”, na concepção do escritor paulista.

3.1.4 OS TRABALHOS