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2 UNIDADE DE CONSERVAÇÃO: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

2.4 APA: FALANDO UM POUCO DESSA SIGLA

Várias vezes já foram possíveis ouvir comentários de estudiosos, técnicos e até gestores sobre as APAs, no sentido das mesmas serem caracterizadas como aquela unidade de conservação de categoria de manejo que pouco contribui para a conservação ambiental. Ou

seja, elas são vistas por alguns como uma categoria demasiadamente “aberta”, onde tudo ou quase tudo é permitido e de que pouco ela serviria para atender os objetivos a que se propõem efetivamente uma unidade de conservação. Será que as APAs não contribuem de fato para a conservação?

Mas, entendemos que não é somente a categoria de manejo que lhe traz esse estigma, mas também a efetiva implementação e gestão dessas áreas, tendo em vista que a as unidades de conservação são criadas no Brasil somente no papel e não possuem a sua devida atenção nos aspectos seguintes.

O fato é que a Lei que dispõe sobre a criação de estação ecológicas e áreas de proteção ambiental (Lei nº 6.902/81), surge no mesmo ano em que outras leis ambientais importantes para o país são criadas, como por exemplo, a Lei que institui a Política Nacional do Meio Ambiente (1981). A lei das APAs surge em um contexto que há um forte sentimento de conservacionismo ambiental e de denúncias de impactos ambientais decorrentes da política do governo federal da década de 70, como usinas hidrelétricas, pólos industriais, estradas, portos e refinarias de petróleo (SANTILLI, 2005, p. 27).

Santos (2008) estudando sobre as APAs indica que o Estado brasileiro a partir do final da década 70, incentivado pelas novas estratégias de conservação internacional por meio da IUCN, pelas concepções de reservas da biosfera e por vários setores conservacionista, começou a buscar alternativas para a conservação da vida e de paisagens em ambientes antropizados, como forma de conciliar conservação e desenvolvimento.

Silva (2007, p. 349), ao estudar algumas unidades de conservação sul- amapaenses reafirma o surgimento das unidades de conservação de uso sustentável no Brasil a partir de 1980 quando diz

Foi somente nos anos de 1980, com as manifestações e movimentos de populações não-indígenas, chamadas de tradicionais, que as Unidades de Conservação de Uso Sustentável – UCUS – surgiram legalmente no país. Essas Unidades representam, acima de tudo, um corte histórico no antigo modelo de criação de UC, calcado no autoritarismo governamental e no mito moderno da natureza intocada (...) Por outro lado, as UCUS trouxeram consigo uma inovação importante, isto é, pressupõe a sustentabilidade social, econômica e cultural das populações tradicionais, as quais passaram a ser colocadas como uma das condições sine qua non para própria sustentabilidade da biodiversidade ambiental (Grifo do autor).

Infere-se daí que as APAs também estavam inseridas nesse contexto, mesmo que por outros motivos, haja vista que muitas APAs não possuem em seu interior populações tradicionais, diferentemente das Reservas Extrativistas (RESEX) e das Reservas de

Desenvolvimento Sustentável (RDS), mas prever o mesmo princípio a compatibilização da conservação com o desenvolvimento.

No Brasil, a primeira APA criada foi a APA Petrópolis, criada no estado do Rio de Janeiro em 1982, “seguindo o modelo de conservação europeu de paisagens protegidas” Castro Júnior; Coutinho; Freitas (2009, p. 43), logo após a primeira regulação de APAs em 1981 pela Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981.

Essa Lei, que disponha também sobre a criação de Estações Ecológicas, regulamenta em seu artigo 9º as Áreas de Proteção Ambiental quando dita o seguinte:

Art. 9º - Em cada Área de Proteção Ambiental, dentro dos princípios constitucionais que regem o exercício do direito de propriedade, o Poder Executivo estabelecerá normas, limitando ou proibindo:

a) a implantação e o funcionamento de indústrias potencialmente poluidoras, capazes de afetar mananciais de água;

b) a realização de obras de terraplenagem e a abertura de canais, quando essas iniciativas importarem em sensível alteração das condições ecológicas locais; c) o exercício de atividades capazes de provocar uma acelerada erosão das terras e/ou um acentuado assoreamento das coleções hídricas;

d) o exercício de atividades que ameacem extinguir na área protegida as espécies raras da biota regional (BRASIL, 1981).

Santilli (2005) observa que as leis aprovadas nesse período tinham uma conotação conservacionista, onde, elas se voltavam mais para a proteção de ecossistemas e espécies, não possuindo uma dimensão social clara. E que as leis aprovadas nesse período davam mais ênfase ao controle e à repressão.

Nos anos posteriores é instituído o SNUC (Lei nº 9.985, 2000), que revoga os dispositivos da lei acima e estabelece em seu Capítulo III, art. 15, a Área de Proteção Ambiental como

(...) uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem por objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

Parágrafo 1º: A área de Proteção Ambiental é constituída por terras públicas ou privadas.

Parágrafo 2º. Respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma Área de Proteção Ambiental.

Parágrafo 3º. As condições para a realização de pesquisa científica e visitação pública nas áreas sob domínio público serão estabelecidas pelo órgão gestor da unidade.

Parágrafo 4º. Nas áreas sob propriedade privada, cabe ao proprietário estabelecer as condições para pesquisa e visitação pelo público, observadas as exigências e restrições legais.

Parágrafo 5º. A Área de Proteção Ambiental disporá de um Conselho presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente, conforme se dispuser no regulamento desta Lei (BRASIL, 2000).

Como podemos observar no seu arcabouço jurídico, a APA geralmente é constituída de “uma área em geral extensa”, cabendo muito das vezes vários municípios ou até cidades inteiras no seu interior, como podemos destacar na APA Marajó, mas também em áreas pequenas como, por exemplo, a APA da Ilha do Combu de aproximadamente 1.500ha.

A APA pode possuir um “certo grau de ocupação humana”, a ocupação humana faz a diferença entre outras unidades de conservação, e essa ocupação pode ser composta por populações tradicionais ou não tradicionais. Apresenta como um dos seus objetivos a “qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas”, a proteção da “diversidade biológica”, o processo de disciplinamento da “ocupação” e objetiva também “assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais”, ou seja, esses objetivos encontram-se implícito no conceito de desenvolvimento sustentável entendido como “aquele que satisfaz as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas próprias necessidades” (RELATÓRIO BRUNDTLAND citado por SANTILLI, 2005, p. 30).

A área de uma APA permite ser “constituída por terras públicas ou privada”, mas pode “ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada”, ou seja, mesmo sendo permitido o território ser constituído de terras privadas, mesmo assim ela prever normas e restrições. As pesquisas científicas e as visitações públicas prever inicialmente as condições postas tanto pelo proprietário (se for terras privadas), como pelo poder público (se for constituída de terras públicas). E por último exige a constituição de um “Conselho constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente”.

Ou seja, a categoria de manejo de APA não nos parece ser assim tão “aberta”, a ponto de legalmente permitir tudo. O que acontece é que as APAs primeiramente foram pensadas para ser uma proteção para as unidades de proteção integral (uso

indireto), e assim como as outras categorias de manejo não possuem seus objetivos claros e nem uma administração que lhe garanta a sua real efetividade, aliás, entre os seus objetivos legais e a sua efetividade existe uma distância bem significativa.

2.5 TIPOLOGIA E DIVERSIDADE DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO ESTADO