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6 O CONSUMO DE DROGAS EM UM CONTEXTO ASSISTENCIAL DE SAÚDE: A INVISIBILIDADE DO VISÍVEL

6.4 A FALTA DE INTEGRAÇÃO ENTRE OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

A falta de integração entre os profissionais no contexto assistencial de saúde revelou-se, de formas distintas, em todos os procedimentos utilizados para produção dos dados. Na análise fatorial de correspondência as diferentes posições dos diversos grupos de profissionais mostradas no gráfico (figura 2, capítulo 4) foram interpretadas como uma modalidade de falta de integração entre os grupos.

De acordo com o observado, as atividades são caracterizadas pela fragmentação e falta de integração entre os profissionais, sobretudo, entre aqueles que atuam no espaço institucional e na comunidade, invisibilizando a detecção de

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De acordo com informações obtidas na observação de campo a atualização do esquema vacinal foi uma ação deliberada pelo Ministério da Saúde como estratégia para aumentar os índices de vacinação em crianças e idosos e reduzir doenças com prevenção pela imunização, a nível nacional.

problemas específicos da comunidade, dentre eles o consumo de drogas. As ações desenvolvidas configuram-se em atividades padronizadas que não contemplam especificidades da comunidade, muito menos de grupos e/ou indivíduos. A visita domiciliar, conforme mostrado, é uma dessas ações.

A(o)s agentes fazem visita domiciliar; cadastram as famílias da área com informações sobre o número de pessoas por cada casa, idade, sexo; controlam a vacinação das crianças; sabem sobre as doenças prevalentes e incidentes na comunidade; conhecem a(o)s moradores e os problemas que afetam a mesma. Algumas dessas informações são registradas em mapas mensais, os quais são regularmente preenchidos e enviados para uma coordenação geral dos agentes, pela supervisora destes na unidade (uma enfermeira) (Registros da observação).

Observou-se, entretanto, que esse conjunto de informações obtido pelos agentes e registrado em instrumentos diversos parece ter uma função que se esgota no seu preenchimento, uma vez que não serve de subsídio para ações de outros profissionais e para decisões sobre prioridades de ação, exceto em situações pontuais, a exemplo de internamentos e óbitos. Situação similar foi identificada por Schraiber (2006).

Embora os agentes referenciem o consumo de drogas como um problema presente no cotidiano da comunidade, impedindo algumas vezes o desempenho de suas atividades, esta questão não é registrada e nem incorporada ao trabalho diário da unidade, nem mesmo pelos próprios agentes.

Para mim, um dos maiores problemas que temos aqui na comunidade é as drogas, Aqui o consumo de drogas é alto, muito alto. Vejo que é feito mais pelos homens, mas as mulheres, a maior parte das mulheres que são parceiras deles, também utiliza drogas, a maior parte delas usa. (...) o alcoolismo aqui também é muito alto. Eles têm grupos de alcoolismo, são muitas pessoas envolvidas (Profissional do grupo C, ACS)

Na minha área um ponto mesmo crucial é o desemprego e o uso de drogas. Parece que uma forma uma coisa leva a outra, eu acho. Na minha área a droga está em quase toda esquina. Tem pontos de venda, tem pessoal usando há todo momento. Tem até rua que todo mundo usa drogas (Profissional do grupo C, ACS)

Enquanto a(o)s ACSs identificam as drogas como um problema expressivo na comunidade, com repercussões diretas no âmbito da saúde da população, os profissionais do espaço institucional não reconhecem tal situação como um

problema de saúde com demanda no cotidiano de suas atividades, conforme mostrei no começo desse capítulo.

Aqui não conheço de perto a situação em relação às drogas, a não ser através do familiar, quando vou preencher fichas de primeira consulta que pergunto se tem usuário de drogas na família. Hoje mesmo não atendi nenhum paciente novo. E para essa pergunta, o álcool é mais comum. Tem mulher também que já se separou do marido e não sabe mais dizer como ele está. Então, é um problema que não enfrento muito, que não trabalho com isso (Profissional do grupo A, medica pediatra)

Droga aqui!?, Não sei te dizer nada sobre isso. Já trabalho há bastante tempo aqui, mas nunca atendi ninguém com esse problema. Também não sou especialista nessa questão. Posso dizer que minha clientela (atendo desde criancinhas até idosos com diabete, hipertensão) não apresenta esse tipo de problema ... ou se apresenta nunca notei, vou começar a reparar nisso (Profissionais do grupo A, nutricionista).

A articulação entre a(o)s agentes comunitária(o)s de saúde e a unidade na qual estão vinculada(o)s se dá, quase que exclusivamente, através de encaminhamentos para atendimentos médico e/ou de enfermagem, especializados e individualizados; de marcação de cartão/consultas de grupos específicos, tais como: idosos, crianças e gestantes; de vacinação. Considerando que entre as pessoas que comparecem à unidade para esses atendimentos estão usuárias/usuários de drogas, admite-se que uma articulação efetiva entre os profissionais que atuam em vários setores da unidade, já se constituiria em um passo para uma assistência integrada, a partir, pelo menos, do reconhecimento da existência dessa clientela.

A dificuldade para o estabelecimento de uma melhor articulação das ações nos serviços de saúde é uma situação discutida e explicada por meio de vários fatores, dentre os quais: ênfase em ações individualizadas e em procedimentos e prescrições; vínculos diferenciados dos profissionais em um mesmo serviço de saúde; excesso de demanda; e, até mesmo, a estrutura interna das unidades de saúde (SCHRAIBER; 2006). A diferença salarial (NUNES et al.; 2002) e as relações de poder que permeiam o processo de trabalho nas instituições de saúde (NUNES; 2005) também são apontadas como fatores relevantes que demarcam falta de integração entre os profissionais e, conseqüentemente, afetam a assistência prestada.

Além da falta de integração nas ações, há também a exclusão de situações que não são caracterizadas como doenças. É o caso do consumo de drogas. Para

muitos dos problemas de saúde que atingem a clientela, a trajetória percorrida na unidade está centrada no tratamento de doenças, sem focalizar as possíveis causas, o que permitiria a prevenção de complicações e a ocorrência de agravos mais complexos.

O estabelecimento da doença como eixo condutor das ações de saúde e a institucionalização de uma assistência fragmentada não leva em consideração a dimensão subjetiva e o contexto social nos quais as pessoas estão inseridas. Isto acentua a situação de exclusão social a que estão expostas determinadas pessoas e/ou grupos populacionais, a exemplo do que ocorre com a pessoa usuária de drogas. Em contrapartida, o respeito às especificidades, a valorização da subjetividade e da íntima relação entre saúde e condições de vida, permitem maior aproximação das práticas de saúde com o princípio da integralidade em seus múltiplos sentidos.

Nessa jornada, a atuação interdisciplinar e multiprofissional pode ser uma alternativa possível. Garantir tal enfoque seria mais “exeqüível e desejável do que a tentativa de criar super profissionais de saúde, capazes de atenderem a toda e qualquer necessidade da clientela, mesmo as não percebida”, conforme Camargo Jr. (2003, p.30)

Em síntese, ao tratar das práticas e representações sociais reafirmo a invisibilidade do consumo de drogas como problema de saúde. Essa invisibilidade está explicitada tanto pela negação da existência de pessoas usuárias de drogas no espaço institucional, quanto pela não incorporação dessa realidade nas ações de saúde da unidade, mesmo sendo o consumo de drogas identificado como problema relevante por alguns dos sujeitos pesquisados, sobretudo, os ACS. Sustento, então, que uma abordagem numa linha mais democrática e mais aberta às necessidades específicas da clientela, significaria um investimento abrangente em um novo modelo de assistência – um modelo que contemple problemas caracterizados como sociais, a exemplo do consumo de drogas. Nesse sentido, o meu argumento vai de encontro com aqueles desenvolvidos por outros pesquisadores, a partir de uma perspectiva de gênero, conforme exposto no capítulo 1. Só a partir desta perspectiva será possível implantar e implementar uma atenção realmente fundada no princípio da integralidade.