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RELAÇÕES ENTRE OS PROFISSIONAIS NO CONTEXTO ASSISTENCIAL DE SAÚDE

4 CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO E DOS ATORES SOCIAIS.

4.3 RELAÇÕES ENTRE OS PROFISSIONAIS NO CONTEXTO ASSISTENCIAL DE SAÚDE

O perfil sócio-demográfico da(o)s profissionais que atuam na CAMUDE, conforme mostrado nas secções anteriores, aponta para a predominância do sexo feminino (88,3%) em todos os grupos de profissionais, confirmando a força de trabalho feminino nas atividades daquele serviço e reforçando o que já se sabe sobre a participação das mulheres no trabalho fora do espaço domiciliar. Contudo, o caráter feminino da equipe não parece ser suficiente para reduzir as desigualdades existentes entre as diversas categorias profissionais, as quais, além de pertencerem a classes sociais diferentes, atuam sob um regime de hierarquia interna.

As relações de poder se constroem e se recriam cotidianamente e as relações sociais no trabalho reproduzem a rígida estrutura hierárquica presente nas instituições de serviços de saúde, onde nem a semelhança de sexo, nem a vantagem quantitativa mobilizam a solidariedade das mulheres.

As diferenças na totalidade da equipe se estabelecem por distinções de classe e de cor e, também, pela reprodução de poder simbólico atribuído, sobretudo, à categoria médica. Tal como identificado por Schraiber (2005), em unidades do PSF, de Recife, no contexto investigado desse estudo, a organização interna da unidade, também, segue uma hierarquia marcada no estilo tradicional, que gera dificuldades de comunicação interna da equipe e, que consequentemente, interfere na identificação de problemas sociais que afetam a saúde, tal como o consumo de drogas.

A reprodução do poder simbólico atribuído à categoria médica é compartilhada por outras categorias profissionais e pela clientela. Observou-se que, diariamente, alguns profissionais do grupo B ocupam grande parte do seu tempo de trabalho, preparando o ambiente (salas e equipamentos) para a atuação dos profissionais da categoria médica, antes mesmo que esses cheguem à unidade.

Diante de tal propósito e da pouca disponibilidade de salas na unidade, constantes desavenças entre profissionais de nível médio e outras profissionais do grupo A, especialmente, enfermeiras, foram observadas. As discussões em torno dessa questão eram presenciadas por outros profissionais, que se mantinham silenciosos e, de um modo geral, as salas eram liberadas independente da presença ou não do aguardado profissional da categoria médica e da clientela da enfermeira em atendimento.

O silêncio também foi observado como uma conduta da clientela, diante dos atrasos constantes no atendimento médico. As reclamações, quando existiam, eram dirigidas aos profissionais de nível médio, em especial, àqueles responsáveis pela marcação de consultas e/ou pela organização das salas de atendimento. Mas, após ser atendida e obter, geralmente, uma solicitação de exames ou encaminhamento para outro profissional médico, a clientela mostrava-se satisfeita e agradecida pelo atendimento recebido.

Os diferentes vínculos trabalhistas e de formas de inserção dos profissionais na unidade parecem interferir nas relações e na comunicação do grupo e, conseqüentemente, na prática assistencial. Na CAMUDE, os profissionais estão contratados por diferentes instituições com vínculo, remuneração e carga horária diferenciada, inclusive na mesma categoria profissional. A situação profissional do grupo não foi investigada com profundidade, mas foi observada a existência de vários focos de insatisfação, movimento de greves e paralisações de uma categoria profissional e/ou grupo contratado temporariamente de forma terceirizada. Nessa situação, as atividades desenvolvidas pela(o) profissional ou pelo grupo de profissionais não foram assumidas pelo grupo do quadro permanente, gerando descontinuidade nas ações desenvolvidas e deixando a população descoberta naquele período.

Além das questões trabalhistas, foram registradas algumas circunstâncias que demarcam a falta de interação técnica e profissional mais efetiva no cotidiano assistencial do grupo estudado. A falta de interação entre os profissionais mostra-se mais acentuada entre os grupos que atuam no espaço institucional e o grupo que tem atuação na comunidade, ou seja, entre as diversas categorias de profissionais e a(o)s agentes comunitários de saúde. Este grupo de profissionais tem um tempo de permanência na unidade curto em relação aos demais.

O limitado tempo de permanência da(o)s ACS na unidade ocorre por seu local de atuação se constituir na comunidade e, também, em atendimento a uma ordem da direção do serviço que estabelece que os mesmos se mantenham na área externa da unidade, devido ao pouco espaço dentro da unidade e da alta demanda de clientes que diariamente buscam atendimento na referida unidade. Diariamente, a(o)s ACS comparecem à unidade, no início e término de cada turno de trabalho, para assinar ponto, fazer contato exclusivamente com a enfermeira supervisora e/ou fazer trocas de informações entre sí. Nenhuma troca de informação foi registrada entre este grupo de profissionais e os demais que atuam no espaço institucional.

Diferentemente do que ocorre com outros profissionais da CAMUDE, a(o)s ACS são submetida/os às mesmas normas e rotinas estipuladas para a população, em geral, quando precisam dos serviços prestados na unidade, confirmando assim o não reconehcimento desses profissionais como integrantes da equipe de trabalho. Esses, por sua vez, quando insatisfeitos com o atendimento prestado ou com a falta de atendimento, comportam-se da mesma maneira que a clientela, e mantêm o silêncio, diante dos freqüentes e prolongados atrasos de algumas profissionais da categoria médica, conforme registros em diário de campo.

Terça feira, 9h. Encontro uma agente comunitária de saúde na sala de espera juntamente com outras mulheres. Questiono sobre sua presença e ela responde que está aguardando consulta com ginecologista que fora marcada para 8h. Diante do quantitativo de pessoas esperando e do horário que comumente a referida profissional costuma chegar, questiono se a ACS vai poder trabalhar naquela manhã. Ela responde que assim como as demais pacientes, ela não pode afastar-se, pois se na hora da chegada da médica for feita nova chamada e ela não estiver, perderá a consulta. A ACS, juntamente com as demais pacientes aprazadas ficaram a manhã quase toda aguardando a médica que só chegou às 11:30h. O atendimento das 16 pacientes aprazadas foi realizado em uma hora e trinta minutos. Durante o período de espera, todas demonstraram insatisfação pela demora e preocupação com afazeres domésticos, filhos pequenos que foram deixados com vizinhos e/ou parentes e ainda com a perda do dia de trabalho em casa de outras pessoas. Nem a ACS, nem as demais pacientes trabalharam naquela manhã. Nenhuma das pacientes reclamou com a médica sobre a demora, embora todas tivessem demonstrado, em conversas paralelas, insatisfação com o grande atraso e a conseqüência disto para suas vidas (Relato de campo).

Ocorre, porém estes profissionais quando estão no desenvolvimento de suas atividades na comunidade reproduzem o mesmo estilo de relação hiererquizada que

se dá entre os profissionais e a clientela dento do espaço institucional, conforme registros do diário de campo.

No acompanhamento da visita domiciliar. O agente bate à porta da casa e após alguns minutos é atendido por uma mulher que informa estar ocupada com os afazeres domésticos. Ele insiste que não vai demorar e começa a questionar sobre o cartão de vacina da criança e o uso de medicamento para hipertensão por parte da mulher que o atendeu. Ela informa que está tudo bem e dirige-se para o banheiro a fim de fechar uma torneira que ficara aberta. Ele insiste em outras perguntas e ela continua demonstrando ansiedade com as tarefas a realizar. A criança chora... a mulher agita-se e o agente insiste em fazer a pesagem da criança naquele momento. A mulher como para livrar-se do infortúnio, pega a criança enquanto o agente prepara a balança. Este faz questionamentos sobre a criança e determina algumas ações acerca de cuidados a serem adotadas pela mãe, aparentemente incompatíveis com a condição econômica da mulher. Esta ouve sem demonstrar muita atenção (Relato de campo).

Independente da reprodução de relações de poder que a(o)s ACS mantêm com a clientela, estes profissionais no exercício do duplo papel, cidadão da comunidade e prestador de serviço de saúde, passa a dispor de informações privilegiadas dos dois contextos, tal como apontado por Nunes et al. (2002) em estudo que discute a identidade do agente comunitário de saúde, no Município de Salvador-Ba. Contudo, as informações que a(o)s ACS têm acerca da comunidade parecem não ser incorporadas ao planejamento das atividades da unidade, pelo menos não foram observadas ações conjuntas entre eles, que apontassem para tal incorporação. Daí que, enquanto o discurso da(o)s agentes comunitários de saúde reconhece o consumo de drogas como um problema emergente da comunidade, os demais profissionais negam atender no seu dia-a-dia pessoas usuárias de drogas. Esse contexto confirma a negação de uma voz, a falta de diálogo e de reconhecimento, que inviabilizam, inclusive, o propósito de mudança no modelo assistencial que acompanha a atual política da atenção básica do SUS e que vê o agente comunitário de saúde como elemento chave do processo.

A falta de integração entre as(os) profissionais que atuam nos distintos locais do contexto assistencial gera insatisfação e desvalorização com a falta de reconhecimento do trabalho executado por algumas categorias profissionais, reproduzindo assim desigualdade socialmente estabelecidas. Dessa forma, o serviço institucionalizado de saúde, constitui um local de reprodução de desigualdades que se manifesta entre profissionais e entre estes e a clientela.

5 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFISSIONAIS NUM